Acórdão nº 01378/20.5BELSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 09 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelANA PAULA PORTELA
Data da Resolução09 de Setembro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Relatório 1. O Ministério da Administração Interna, vem interpor recurso jurisdicional de revista para este STA, nos termos do art. 150º do CPTA, do acórdão do TCAN proferido em 07/05/2021 que manteve a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que por sua vez julgou procedente o recurso interposto por A…………, com os demais sinais dos autos, com o fundamento em prescrição do procedimento disciplinar e consequentemente anulou o ato do senhor Ministro da Administração Interna, que decidiu negar provimento ao recurso hierárquico do ora recorrido e manteve a sanção disciplinar de aplicação da pena de 179 dias de suspensão de exercício de funções, aplicada pelo Diretor Nacional da Polícia de Segurança Pública, bem como os mapas e as publicações internas sobre a execução da pena.

  1. Para tanto alegou em conclusão: I. A admissão do presente recurso de revista é “claramente necessária para uma melhor aplicação do direito” (cfr. artigo 150.º, n.º 1, do CPTA), na medida em que o douto acórdão impugnado não serve de orientação aos tribunais de 1.ª instância e de 2.ª instância no tratamento de questões de direito com inescapável “relevância jurídica ou social”, como são as questões da prescrição do procedimento disciplinar e da identificação da decisão final do procedimento disciplinar para efeitos da contagem do prazo de prescrição; II. Torna-se, com efeito, “necessária” a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo para indicar qual a decisão administrativa que marca o termo final da contagem do prazo de prescrição do procedimento disciplinar na Polícia de Segurança Pública; III. Concretizando, impõe-se identificar se esta decisão final relevante é a “decisão” a que alude o artigo 88.º do RD/PSP – e a “decisão final” a que alude o artigo 101.º do EDPSP –, que é tomada pela hierarquia competente (de acordo com o QUADRO ANEXO B), no termo do processo disciplinar; ou se é a decisão do último recurso hierárquico que tenha sido interposto pelo interessado; IV. O douto acórdão impugnado defende esta última posição, mas incorre em numerosos erros de direito, razão que torna “claramente necessária” a admissão do presente recurso de revista pelo Supremo Tribunal, de maneira a evitar que se constitua de futuro, por indiferença, como orientação para os tribunais de 1.ª e de 2.ª instância (“para uma melhor aplicação do direito”); V. O douto acórdão deliberou, em síntese, que “(…) a decisão proferida no primeiro grau hierárquico – de 26-04-2017, praticada pelo Diretor Nacional da Polícia de Segurança Pública – não constitui o culminar do processo disciplinar ou o «derradeiro ato punitivo» com relevância para interromper a contagem do prazo de prescrição”.

    E fundamentou esse entendimento do seguinte modo: “É que dessa primeira decisão cabem, obrigatoriamente, (i) recurso administrativo dirigido ao superior hierárquico do escalão imediato e (ii) da decisão deste cabe ainda recurso para o Ministro da Administração Interna, nos termos dos artigos 90º a 95º do EDPSP” (cfr. pág. 12). Ora VI. O douto acórdão incorre em erro de direito sobre a interpretação do próprio conceito de recurso hierárquico necessário, a vários títulos: é que o recurso hierárquico, quando considerado (pela lei) “necessário”, é “obrigatório” para o arguido/recorrente, como condição para abrir a via de impugnação contenciosa. Mas VII. Não é “obrigatório” para o órgão ad quem, porque este não tem o dever legal de o decidir; isto é, de emitir o ato de 2.º grau. Assim, VIII. Como reconhece a doutrina, o recurso hierárquico necessário é um pressuposto processual que o arguido/recorrente tem de preencher para poder, depois, demandar os tribunais; IX. Falece por isso, integralmente, a argumentação do douto acórdão; X. E continua o douto acórdão recorrido: “Ademais, daquele regime atinente ao recurso administrativo resulta uma conceção do mesmo como recurso de tipo «reexame» (…) (cfr. artigo 91º do RDPSP)” (cfr. pág. 13). Ora, XI. A natureza do recurso como reexame não decorre de ele ser considerado “necessário”. Como o revela a norma do artigo 197.º, n.º 1, do CPA, mesmo que o recurso seja facultativo, o órgão ad quem dispõe de competência dispositiva; ou seja, o recurso é do tipo de reexame, exceto se a competência do autor do ato recorrido for exclusiva, (situação que no RD/PSP e no EDPSP só se verifica relativamente às penas expulsivas, que são da exclusiva competência do membro do Governo); XII. O douto acórdão equivoca-se uma vez mais quando, a seguir, refere: “(…) não é possível afirmar que o ato praticado no primeiro grau decisório – de 26-04-2017, praticada pelo Diretor Nacional da Polícia de Segurança Pública – constitua o culminar do processo disciplinar; longe disso, pois, como referido, ainda tem dois obrigatórios degraus de apreciação na hierarquia administrativa, de acordo com o determinado nos artigos 90º a 95º do EDPSP (…)” (cfr. pág. 13).

    XIII. Uma vez que a decisão punitiva tomada perante o relatório final do processo disciplinar foi da autoria do Senhor Diretor Nacional (cfr., pág. 6, II, 1.7. do douto acórdão), não existiam “dois obrigatórios degraus de apreciação na hierarquia administrativa”, mas um só, para o membro do Governo (cfr. artigo 93.º do RD/PSP); XIV. E continua o douto acórdão recorrido: “nem se pode afirmar que basta que aquele primeiro despacho seja proferido (…) para que o decurso do prazo de prescrição se mostre interrompido ou prejudicada a questão da prescrição, uma vez que, dada a natureza obrigatória destes recursos hierárquicos, tal equivaleria ao absurdo de um procedimento disciplinar imprescritível (…)” (cfr. pág. 13). Mas XV. Não há absurdo algum: o procedimento disciplinar terminou com a “decisão final” a que se referia o artigo 88º do RD/PSP de 1990 e a que se refere o artigo 101.º do EDPSP de 2019. A partir desse momento inicia-se outra fase, a fase de impugnação (“Dos recursos”); XVI. Na mesma senda, afirma ainda o douto acórdão recorrido: “(…) repare-se que um tal entendimento levaria ainda ao contrassenso de permitir que o prazo de prescrição se renovasse entre cada grau de apreciação na hierarquia administrativa (…)” (cfr. pág. 13). Não é assim: XVII. O Ministério em momento algum fala de “interrupção” do prazo de prescrição (e recomeço do prazo). O Ministério o que defende é que a contagem do prazo de prescrição do procedimento disciplinar terminou com a “decisão final”, tomada perante o relatório final do processo disciplinar. O que se segue será – se for – a fase de impugnação administrativa e contenciosa da decisão administrativa – do ato administrativo (cfr. artigo 148.º do CPA).

    XVIII. E o douto acórdão termina assim a sua argumentação: “(…) (levaria ainda ao contrassenso de permitir que o prazo de prescrição se renovasse entre cada grau de apreciação na hierarquia administrativa), quando é certo que, no caso, a interposição do recurso hierárquico não é uma opção do interessado, mas é imposta pela natureza obrigatória do recurso administrativo (…)” (cfr. pág. 13).

    XIX. Esta afirmação desvela a vulnerabilidade do entendimento que funda no caráter “obrigatório” do recurso hierárquico o cerne da identificação da decisão final do procedimento. De facto, XX. A ser como o Tribunal Central Administrativo julga – devido à natureza “obrigatória” do recurso hierárquico, a decisão final é a que decida o último recurso hierárquico –, isso significa que, face ao RD/PSP de 1990 (em que o recurso hierárquico é “necessário”), a decisão final é uma coisa – será a decisão do último recurso hierárquico – e, face ao atual EDPSP, será outra – visto que o recurso hierárquico para o membro do Governo é facultativo e não tem efeito suspensivo (cfr. artigos 104.º, n.ºs. 3 e 7, e 108.º). Afinal, bem ao contrário do que o douto acórdão pensava, XXI. A questão tratada, que o douto acórdão julgou estar “resolvida” (cfr. pág. 12), ganharia novo fôlego – e teria de ser reequacionada – devido à opção do legislador (do EDPSP) de ter tornado o recurso hierárquico para o membro do Governo facultativo.

    XXII. Já a posição do Ministério se mantém: a decisão final do procedimento é a decisão tomada pela entidade competente, perante o relatório final do instrutor do processo disciplinar; XXIII. Os erros de direito indicados impõem, em nome da administração da Justiça e de uma “melhor aplicação do direito”, a admissão da presente revista e, depois, a anulação do douto acórdão recorrido.

    XXIV. Será porventura útil que se tragam às Conclusões os passos essenciais da posição que o Ministério defende: XXV. Instaurado o processo disciplinar, o respetivo procedimento visa atingir um de dois desideratos: ou o arquivamento ou a punição disciplinar (cfr. artigos 87.º, n.º 1, e 88.º do RD/PSP); XXVI. Dum modo ou do outro põe-se termo à situação de indefinição acerca do exercício do poder disciplinar; ou seja, põe-se termo à contagem do prazo de prescrição do procedimento disciplinar; XXVII. A “decisão” tratada no artigo 88.º do RD/PSP – e a “decisão final” tratada no artigo 101.º do EDPSP – põe termo ao procedimento disciplinar e constitui um ato administrativo, tal como ele é definido pelo artigo 148.º do CPA; XXVIII. Essa decisão põe termo ao procedimento disciplinar, que o RD/PSP trata nos artigos 75.º a 89.º e que distingue com clareza da fase dos “recursos”, que é regulada nos artigos 90.º a 96.º (no EDPSP, respetivamente, nos artigos 60.º a 102.º e 103.º a 109.º); XXIX. O processo disciplinar na PSP é um procedimento administrativo, não sendo por isso de estranhar que siga o padrão instituído pelo CPA, que igualmente separa o tratamento da fase do procedimento administrativo (artigos 53.º a 183.º) da fase das reclamações e recursos administrativos (artigos 184.º a 199.º). Ou seja, XXX. Quer o CPA quer o RD/PSP e o EDPSP estabelecem, com clareza, que a tomada de decisão administrativa, no termo do procedimento, é coisa diversa da impugnação administrativa da decisão tomada; XXXI. Deve até ser considerado que o novo CPA...

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