Acórdão nº 050/20.0BCLSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 09 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelCRISTINA SANTOS
Data da Resolução09 de Setembro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

A Federação Portuguesa de Futebol (FPF), com os sinais nos autos, inconformada com o Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul que negou provimento ao recurso por si interposto e manteve a decisão do Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) anulatória da decisão da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da ora Recorrente FPF que aplicou a pena de multa de €9.560,00 à sociedade Sporting Clube de Braga – Futebol SAD, dele vem recorrer, concluindo como segue.

  1. A Recorrente vem interpor recurso de revista para o STA do Acórdão proferido pelo TCA Sul em 1 de Outubro de 2020, que confirmou o acórdão arbitral proferido pelo Tribunal Arbitrai do Desporto e negou provimento ao recurso apresentado pela Federação Portuguesa de Futebol. Esta instância, por seu turno, havia decidido revogar a decisão de aplicação à ora Recorrida de multa por força do artigo 112º do RD da LPFP.

  2. A questão em apreço diz respeito à responsabilização dos clubes pelas declarações consideradas ofensivas da honra e reputação de agentes desportivos e de órgãos da estrutura desportiva e que podem com isso afectar a própria competição, o que, para além de levantar questões jurídicas complexas, tem assinalável importância social uma vez que, infelizmente, tais declarações têm eco nos episódios de violência em recintos desportivos que têm sido uma constante nos últimos anos em Portugal e o sentimento de impunidade dos clubes dado por decisões como aquela de que agora se recorre nada ajudam para combater este fenómeno.

  3. A questão essencial trazida ao crivo deste STA - responsabilização dos clubes pelas declarações que difundem ou fazem difundir nas suas redes sociais e nos meios de comunicação social - revela uma especial relevância jurídica e social e sem dúvida que a decisão a proferir é necessária para uma melhor aplicação do direito.

  4. Assume especial relevância social é a forma como a comunidade olha para o crescente fenómeno de violência generalizada no futebol - seja a violência física, seja a violência verbal, seja perpetrada por adeptos, seja perpetrada pelos próprios clubes e/ ou dirigentes dos clubes, através dos seus meios de comunicação oficiais ou outros.

  5. O bem jurídico a proteger no âmbito disciplinar é distinto daquele que se visa proteger no âmbito penal, ainda que existam normas punitivas semelhantes, por vezes coincidentes, que possam induzir o aplicador em erro. Deste modo, a análise subjacente num e noutro caso tem, também, de ser muito distinto. Ao contrário daquilo que entende o TCA, não estamos, obviamente, perante a prática de um ilícito disciplinar que pretende, exclusivamente, proteger a honra e o bom nome dos árbitros visados, nem muito menos perante uma questão que deva ser analisada da perspectiva do direito penal.

  6. A questão em apreço é susceptível de ser repetida num número indeterminado de casos futuros, porquanto este tipo de casos são cada vez mais frequentes, o que é facto público e notório.

  7. A nível disciplinar, como é o caso, os valores protegidos com esta norma (112º do RD da LPFP), são, em primeira linha, os princípios da ética, da defesa do espírito desportivo, da verdade desportiva, da lealdade e da probidade e, de forma mediata, o direito ao bom nome e reputação dos visados, mas sempre na perspectiva da defesa da competição desportiva em que se inserem.

  8. A Recorrida sabia ser o conteúdo dos textos publicados adequado a prejudicar a honra e reputação devida aos demais agentes desportivos, na medida em que tais declarações indiciam uma actuação do árbitro a que não presidiram critérios de isenção, objectividade e imparcialidade, antes colocando assim e intencionalmente em causa o seu bom nome e reputação.

  9. As expressões sub judice não se limitam a propalar críticas objectivas à actuação dos elementos das equipas de arbitragem, antes incutem a ideia de que estes actuaram ao arrepio de critérios de objectividade e isenção, imbuídos da intenção de favorecimento de interesses que não os de um funcionamento imparcial, lançando sobre os mesmos a suspeição de que estariam a proteger (beneficiando) outra sociedade desportiva que disputa competições profissionais.

  10. Lançar suspeitas de que a actuação dos agentes de arbitragem não é pautada ao abrigo dos valores da imparcialidade e da isenção, não podem deixar de ser atentatórias da honra e bom nome do árbitro da partida e, por inferência, da sua equipa de arbitragem consubstanciando um comportamento que não pode ser tolerado e que não está justificado pelo exercício lícito da sua liberdade de expressão.

  11. Não se diga, como fez o tribunal a quo, que basta um árbitro ter uma má prestação das suas funções enquanto tal cometendo, nomeadamente, erros de apreciação de lances durante o desenrolar de um jogo, que acabem por favorecer uma das equipas, que se pode utilizar as expressões que a Recorrida utilizou e que o tribunal considerou serem consequência lógica de tais erros e sua implicação no resultado final do jogo. A apreciação errónea de um lance ou acontecimento é resultado da falibilidade do ser humano enquanto tal, que, ajuizando determinados lances julgando estar a fazer a apreciação correta dos mesmos, erra.

  12. Por outro lado, muito diferente, é imputar ao árbitro um comportamento doloso de favorecimento da equipa adversária, a partir do erro propositado na apreciação de lances que, a final, resultaram na concessão de uma vantagem desportiva àquela, em violação dos valores e princípios que devem reger a competição e o desporto.

  13. Através da expressão sub judice a Recorrida pretendeu, de forma expressa, lançar suspeitas quanto à actuação dos agentes de arbitragem, caracterizando tal actuação como violadora das suas competências, dos deveres funcionais a que se encontram adstritos, lançando ainda suspeitas de as suas actuações terem a intenção de favorecer de determinados interesses que não os da verdade desportiva «em prol do "status quo" vigente».

  14. A verdade de uma opinião, por definição, não é susceptível de prova. No entanto, pode, particularmente na ausência de uma qualquer base factual, ser excessiva.

  15. E é de uma opinião, sem qualquer base factual, que aqui está em causa, uma vez que a Recorrida, ao dizer «Mais uma jornada, mais uma demonstração da falência da arbitragem em Portugal, da incoerência dos seus critérios e da sua clara interferência na classificação «em prol do "status quo" vigente», pretende claramente prejudicar a honra e reputação da equipa de arbitragem encarregue da direcção do jogo e pôr em causa a própria integridade da competição, insinuando a existência de uma conduta concertada, pelos referidos agentes desportivos, em benefício de uma específica equipa, «em prol do "status quo" vigente», sem base factual que o sustentasse.

  16. A Recorrida, não demonstrou estarem as opiniões, por si difundidas, assentes em um qualquer facto, por mais insignificante que fosse. Simplesmente, não havia base factual de que a mesma se pudesse valer para publicar as declarações que publicou. Motivo pela qual, a Recorrida, ultrapassou os limites da liberdade de expressão, o que se traduz numa clara e incontestável ofensa à honra e ao bom nome dos visados, colocando, igualmente, em causa a verdade e a integridade da competição, em consequência das suas insinuações no que respeita à imparcialidade e isenção dos desempenhos das equipas de arbitragem.

  17. A verdade é que aqueles dizeres, para além de imputarem a tal equipa de arbitragem a prática de actos ilegais, encerram em si um juízo de valor sobre os próprios árbitros que, face às exigências e visibilidade das funções que estes desempenham no jogo, colocam em causa a sua honra, pelo menos, aos olhos da comunidade desportiva.

  18. Temos ainda quatro Acórdãos recentes do Supremo Tribunal Administrativo referentes aos processos 107/18.8BCLSB, 154/19.2BCLSB, 139/19.9BCLSB, e 156/19.9BCLSB que partilham do mesmo entendimento.

  19. O futebol não está numa redoma de vidro, dentro da qual tudo pode ser dito sem que haja qualquer consequência disciplinar, ao abrigo do famigerado direito à liberdade de expressão, muito menos se pode admitir que o facto de tal linguarejo ser comum torne impunes quem o utilize e que retire relevância disciplinar a tal conduta.

  20. Ao decidir da forma que fez, o Tribunal a quo violou o artigo 112º do Regulamento Disciplinar da LPFP, pelo que deve ser a revista admitida e o Acórdão recorrido revogado, tendo em vista uma melhor aplicação do direito.

    *A sociedade anónima desportiva Sporting Clube de Braga – Futebol SAD contra-alegou, concluindo como segue: A. Ao contrário do que advoga a Recorrente, a decisão ora recorrida não merece qualquer reparo ou censura, desde logo porquanto - como bem sintetizou o Tribunal a quo - não se mostra preenchido o tipo de ilícito p. e p. pelo art. 112°-1 e 4 do RD, em virtude de estar em causa um juízo crítico sobre o desempenho desportivo que é reconduzível ao exercício legítimo da liberdade de expressão da Recorrida.

    B. Prende-se o presente processo com as afirmações vertidas no texto intitulado “Um campeonato desvirtuado”, publicado a 28.04.2019 no seu site oficial e na conta de Twitter SCBragaOficial, através do qual a Recorrida anunciou a sua insatisfação com as decisões tomadas pela equipa de arbitragem designada para o jogo disputado nesse mesmo dia contra a Sport Lisboa e Benfica - Futebol, SAD.

    C. Pois que - na sua opinião - as mesmas revelaram-se lamentáveis e atentatórias da verdade desportiva, padecendo de demasiados erros que prejudicavam a competição.

    D. A Recorrida limitou-se, portanto, a emitir aquela que é a sua (fundada!) convicção sobre a conduta da arbitragem na competição nacional, em especial da equipa de arbitragem nomeada para o jogo em apreço, a qual, do seu ponto de vista, resulta reiteradamente em benefício do Sport Lisboa e Benfica e, consequentemente, em detrimento dos demais clubes em competição.

    E. Como bem reconheceu o acórdão recorrido, as afirmações vertidas no artigo “Um campeonato desvirtuado”...

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