Acórdão nº 1254/19.4T8ANS-B.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA CATARINA GON
Data da Resolução07 de Setembro de 2021
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I.

A…- Unipessoal, Lda, com sede em …, instaurou execução contra B… e C…, residentes na …. e contra D… e E…, residentes na …., pedindo o pagamento do valor global de 7.498.254,81€, com fundamento em quatro contratos de crédito celebrados entre a F…, S.A. e sociedade G…, Ld.ª – que foi, entretanto, declarada insolvente – e no âmbito dos quais e para garantia do pontual pagamento das quantias mutuadas foram constituídas hipotecas e penhores, foi prestada fiança (em relação a um deles) e foram subscritas livranças em branco que foram avalizadas pelos ora Executados. Mais alega que tais contratos foram incumpridos, o que determinou o preenchimento das livranças que, apresentadas a pagamento, não foram pagas. Alega ainda que os créditos emergentes desses contratos e livranças foram cedidos à “H…” por escritura pública celebrada em 04/10/2018 e, posteriormente (por escritura de 29/04/2019), foram cedidos à ora Exequente.

Os Executados E… e D… vieram deduzir embargos à execução, alegando, em resumo: - Que o crédito exequendo foi reclamado em dois processos de execução onde se encontrava penhorado o mesmo imóvel, pelo que se verifica a excepção de litispendência, ao menos parcial; - Que a cessão de créditos à Exequente é nula por incapacidade jurídica desta e nos termos dos arts. 280.º e 294.º do CC, uma vez que esta não possui os requisitos necessários para o exercício da actividade das instituições de crédito; não possui o tipo social necessário (sociedade anónima), nem o objecto social, nem o capital mínimo necessário e não há qualquer escrutínio da qualquer entidade pública (v.g. Banco de Portugal, ou CMVM) sobre a sua organização interna e sobre os titulares dos seus órgãos sociais e ninguém sabe como é tratada a nevrálgica informação de que dispõe; - Que o preenchimento das livranças corresponde a um acto nulo ou com abuso de direito, tendo em conta que o crédito em causa foi reclamado nos autos de insolvência da sociedade G…, Ld.ª, onde foi reconhecido pelo valor de 3.735 098,17€ (cerca de metade do valor que agora se reclama dos garantes) e tendo em conta que o preenchimento das livranças, por aquele montante, decorridos quase 7 anos sobre a declaração de insolvência do devedor principal e no mesmo dia em que a Instituição de Crédito “F…” cede a uma entidade terceira, que não é Instituição de Crédito, aquele seu crédito constitui, para além do mais e sempre, um evidente abuso de direito.

A Exequente contestou, dizendo, em resumo, que não se verifica a excepção de litispendência; que é a legítima titular do crédito exequendo, por força da cessão de créditos que lhe foi efectuada e da qual os Executados foram notificados sem que, nesse momento, tivessem manifestado qualquer oposição; que as livranças foram preenchidas em conformidade e ao abrigo do pacto de preenchimento e que não existe qualquer abuso de direito.

Findos os articulados, foi proferido despacho saneador onde se julgou improcedente a excepção de litispendência.

Foi fixado o objecto do litígio e foram delimitados os temas da prova.

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença onde se decidiu nos seguintes termos: “Com os fundamentos de facto e os de direitos enunciados, julgo totalmente improcedentes, por não provados, os presentes embargos de executado e, em consequência, determino o prosseguimento da execução nos seguintes termos: livrança n.º 500467943000712760 4.310.075,73 euros selagem de 21.550,38 euros.

Juros vencidos desde a data de vencimento da livrança até 19 de novembro de 2019 no montante de 193.658,20 euros; juros vincendos desde 20 de novembro de 2019 até integral pagamento, à taxa de 4%/ano.

livrança n.º 500467943021838623 1.420.108,42 euros; selagem de 7.100,54 euros; juros vencidos desde a data de vencimento da livrança até 19 de novembro de 2019 no montante de 63.807,61; juros vincendos desde 20 de novembro de 2019 até integral pagamento, à taxa de 4%/ano; livrança n.º 500227114034517693 803.470,48 euros; selagem de 4.017,35 euros; juros vencidos desde a data de vencimento da livrança até 19 de novembro de 2019 no montante de 36.101,14 euros; juros vincendos desde 20 de novembro de 2019 até integral pagamento, à taxa de 4%/ano; contrato referido em xlv): capital de 290.727,76 euros, juros até 19 de novembro de 2019 de 336.139,39 euros; comissões de 87,00 euros” (negrito e sublinhados nossos).

Inconformados com essa decisão, os Embargantes, E… e D…, vieram interpor recurso, formulando as seguintes conclusões: (…) ///// II.

Questões a apreciar: As questões suscitadas no recurso – delimitadas pelas conclusões das alegações dos Apelantes – são as seguintes: 1.

Nulidade da sentença por omissão de pronúncia; 2.

Nulidade da cessão de créditos a favor da Exequente por força das seguintes circunstâncias: i) por incapacidade da Exequente (tendo em conta o seu objecto social); ii) por força da natureza dos créditos cedidos, tendo em conta o regime a que está submetida a actividade das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras; iii) por força da violação do segredo bancário e da lei de protecção de dados que está envolvida na cessão de créditos; 3.

Prescrição das obrigações cambiárias e preenchimento abusivo das livranças; 4.

Prescrição dos juros vencidos há mais de cinco anos.

///// III.

Na 1.ª instância, julgou-se provada a seguinte matéria de facto (a que acrescem os factos que ora se aditam por resultarem dos contratos juntos aos autos e que ficam a constar a negrito): i. Por escritura pública celebrada em 4 de Outubro de 2018 a “F…, S.A.” vendeu à “H…”, os créditos vencidos de que era titular e que constam do Documento Complementar anexo à escritura junta a fls. 6 v.º a 17 dos autos de execução e aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.

ii. A cessão importou a transmissão para a H… de todos os acessórios dos créditos, incluindo, juros vincendos e juros vencidos devidos e não pagos, remuneratórios e moratórios, comissões e quaisquer outros montantes devidos pelos devedores à F… nos termos dos respectivos contratos e ainda das garantias respeitantes aos contratos.

iii. A sociedade H… consta da lista de entidades classificadas por tipo de actividade publicada pelo Central Bank of Ireland, no grupo de Financial Vehicle Corporation (FVCs).

iv. Por escritura pública celebrada em 29 de Abril de 2019 a “H…” vendeu à Exequente créditos vencidos de que era titular e que constam do Documento Complementar anexo à escritura e declararam pretender estabelecer uma parceria que permita a ambas atingirem os seus objectivos: a H… pretende obter o pagamento do preço dos créditos ora cedidos e a Exequente pretende vir a adquirir os imóveis id. no documento complementar; a H… aceita receber o preço que lhe é devido pela cessão de créditos apenas no momento em que a Exequente seja ela própria paga pelos créditos ora cedidos, seja por que forma ou via, nomeadamente, mas sem exclusão de outras, por via de celebração com terceiras partes de escrituras de compra e venda dos imóveis identificados, tudo cfr. documento junto a fls. 17 v.º a 26 v.º dos autos de execução e aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais v. A cessão importou a transmissão para a Exequente de todos os acessórios dos créditos, incluindo, juros vincendos e juros vencidos devidos e não pagos, remuneratórios e moratórios, comissões e quaisquer outros montantes devidos pelos devedores à F… nos termos dos respectivos contratos e ainda das garantias respeitantes aos contratos.

vi. Nos créditos cedidos estão incluídas as operações identificadas como PT … (fls. 20 v.º), PT … (fls. 22), PT … (fls. 23) e PT … (fls. 23) com o devedor G…, LDA..

vii. A cessão de créditos foi notificada aos Embargantes e nesse acto foram ainda informados que os seus dados pessoais que se encontram na base de dados da H… foram também comunicados à Exequente e que assume a qualidade de responsável pelo tratamento desses dados, mantendo-se as finalidades do tratamento, as categorias de dados, os fundamentos da legitimidade e os prazos de conservação comunicados oportunamente pela H…; mais informou que os Embargantes poderão exercer os direitos de acesso, rectificação, oposição, apagamento, portabilidade, limitação do tratamento e quaisquer outros direitos que sejam reconhecidos na lei, dirigindo-se, em tal caso, para os contactos indicados nesse documento ou apresentar reclamações em www.cnpd.pt e que para informações adicionais poderá consultar a politica de privacidade da Hipoges na íntegra no documento anexo, tudo cfr. documentos juntos a estes autos a fls. 122 a 129 v.º que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

viii. A sociedade Exequente tem por objecto social a compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, recuperação, remodelação e manutenção de imóveis, arrendamento, promoção e gestão imobiliária, consultoria com os negócios imobiliários, projectos e avaliação imobiliária e construção civil e o capital social de 5 mil euros.

ix. A sociedade Exequente não se encontra inscrita no registo especial de instituições do Banco de Portugal e não se encontra registada junto da CMVM nem autorizada a desenvolver qualquer atividade de intermediação financeira em instrumentos financeiros em Portugal.

x. A sociedade “G…, LDA.” foi declarada insolvente no âmbito do processo n.º 2082/11.0TBPBL que corre termos no Juiz 3 do Juízo de Comércio de Leiria do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria no dia 04 de Fevereiro de 2012.

Contrato de crédito PT … xi. No âmbito da sua actividade creditícia, a F…, S.A. celebrou em 22 de Novembro de 2001 com a sociedade G…, S.A., um contrato denominado Abertura de Crédito em Conta Corrente, identificado como operação PT …, que se mostra junto aos autos de execução a fls. 27 a 35 v.º (contrato e respectivo documento complementar) e aqui se dá por integralmente reproduzido.

xii. Nos termos das condições particulares do contrato, a F…...

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