Acórdão nº 01391/12.6BESNT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 08 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução08 de Setembro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 1391/12.6BESNT 1. RELATÓRIO 1.1 O Representante da Fazenda Pública junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que a Juíza daquele Tribunal, julgando procedente a impugnação judicial interposta pela acima identificada Recorrida, após indeferimento de reclamação graciosa, anulou a liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), que a este foi efectuada por a AT ter considerado haver «excesso da quota-parte de imóveis em divisões ou partilhas».

1.2 Com o requerimento de interposição do recurso, a Recorrente apresentou as alegações, com conclusões do seguinte teor: «

  1. O presente recurso reage contra a sentença proferida que julgou procedente a Impugnação Judicial deduzida pela Impugnante identificada supra contra a notificação por si recebida da reclamação graciosa deduzida contra a liquidação de IMT n.º 3467327, de 02.11.2011, no montante de € 6.032,58, que incidiu sobre o excesso da sua quota em herança, relativa aos prédios urbanos inscritos na matriz predial urbana sob os artigos …….e …….., ambos da freguesia de S. Martinho, concelho de Sintra.

  2. A Fazenda Pública não se conforma com o sentido da decisão recorrida entendendo que a mesma se presta a dificuldades interpretativas introduzindo todo um enquadramento jurídico que contraria a posição que os Colendos STJ e STA têm nesta matéria nomeadamente, não só a natureza da partilha diz respeito mas ao momento a que a mesma faz retroagir os seus efeitos em termos civis (e tributários) perdendo de vista, em todo o caso, o enquadramento jurídico e a fundamentação à luz do Direito Fiscal.

  3. Está em causa, também, apesar do Tribunal a quo se ter alicerçado no Direito Comum (nomeadamente na presumida relação bilateral e creditícia entre o credor e o devedor); a apreciação substancial da questão tal como o Direito Tributário a dimensiona; a sua natureza pública; as vicissitudes e finalidades próprias que o caracterizam e que o distinguem dos outros ramos do Direito – sobre o qual, aliás, a douta sentença recorrida não sentiu a necessidade de produzir entendimento. Essencialmente, entendeu apenas concluir que estamos presença de um negócio gratuito (doação) excluído de tributação à luz das regras de incidência do CIMT.

  4. A posição da Ré impede-a, porém, de aceitar (até para o próprio direito civil tratando-se de vicissitudes sinalagmáticas, produto daquela que é a autonomia da vontade dos particulares) que possa fazer sentido o recurso ao instituto da remissão, que, por um lado, mais não é do que uma causa de extinção da obrigação, que, por outro, deva ser aplicado ao instituto sucessório da partilha (não contratual) e que pressupõe a ideia de uma dívida que em bom rigor nunca se chegou a constituir como tal precisamente em virtude de um direito de crédito que nunca se chegou a gerar (por via da renúncia às tornas) partindo-se daí para a qualificação do negócio como sendo de natureza gratuita – invertendo o juízo que deve presidir à qualificação da sua natureza (onerosa ou gratuita).

  5. Por último, estando em causa, como já dissemos, a resolução de uma questão tributária impõe-se saber se esta dimensão mereceu pronúncia da parte do tribunal a quo.

  6. O ordenamento jurídico português estabelece o princípio da retroactividade da partilha, segundo o qual os efeitos jurídicos desta retroagem à data da abertura da herança.

  7. Só depois de realizada a partilha é que o herdeiro poderá ficar a ser proprietário ou comproprietário de determinado bem da herança extinguindo-se o património autónomo da herança indivisa, retroagindo os seus efeitos ao momento da abertura da sucessão.

  8. A sentença recorrida assumiu, pois, uma posição contrária em termos de enquadramento à jurisprudência enunciada quer pelo STJ quer por este Colendo STA citada supra, sublinhando-se que em termos civilísticos a partilha não assume natureza constitutiva o que enfraquece logo à partida a relevância que a renúncia às tornas por parte do cônjuge sobrevivo (enquanto também ele herdeiro legitimário) assume na discussão do objecto dos autos considerada como aquilo que em termos fiscais prefiguramos como uma declaração com uma carga ética iminentemente anti-jurídica.

  9. À mencionada natureza meramente declarativa opõe-se, no polo oposto da equação, a eventual natureza constitutiva que sabemos estar vedada à partilha por imperativo legal previsto nos art. 2050.º e 2119.º, ambos do C.C.

  10. O Colendo STA aderindo ao enquadramento da sentença proferida no processo 832/06.6BESNT deste TAF de Sintra produziu orientação jurisprudencial no sentido de fazer retroagir os efeitos da partilha à abertura da sucessão suportado precisamente no disposto nas disposições enunciadas supra – afastando a sua natureza constitutiva mediante a adesão que fez à fundamentação da sentença ali produzida.

  11. É verdade que a remissão prevista no art. 863.º do CC constitui, em termos contratuais (e apenas nessa dimensão), uma das causas da extinção da dívida.

  12. Recorde-se, porém, que a remissão só aparece em virtude da posição ilegal que o tribunal a quo tem sobre a natureza contratual da partilha ao arrepio dos arts. 2050.º e 2119.º CC e que não só não tem respaldo na lei como até se mostra contrariada pela própria jurisprudência do STA que reporta os efeitos da partilha à data da abertura da sucessão confirmando-a como um instituto de direito sucessório afastando a natureza constitutiva e contratual que a mesma pudesse ter.

  13. Não sendo assim, em rigor, e face ao que é dado por provado, o bem que é atribuído ao herdeiro legitimário e que supera a quota-parte indivisível que o mesmo tem na herança advém desta última. O bem não recaiu sobre a esfera patrimonial do cônjuge sobrevivo nem este é titular dele, pelo que o cônjuge sobrevivo em momento algum transmitiu o bem aos demais herdeiros legitimários (nomeadamente à Impugnante) para que a remissão possa derivar de um negócio sinalagmático entre o credor e o devedor.

  14. A renúncia às tornas mais não consubstancia do que uma declaração unilateral produzida no seio da sucessão em que, por partilha, se determinam os bens a atribuir aos herdeiros legitimários pressupondo não uma dívida do herdeiro legitimário para com o cônjuge sobrevivo fruto de uma relação obrigacional estabelecida entre os dois, mas a compensação resultante da atribuição de um bem da herança que excede a quota-parte que o herdeiro legitimário tem nesta última.

  15. O bem vem, como dissemos, à titularidade da Impugnante directamente transmitido da herança do autor da sucessão. A renúncia às tornas mais não consubstancia do que uma declaração unilateral produzida no seio da sucessão em que, por partilha, se determinam os bens a atribuir aos herdeiros legitimários pressupondo não um direito de crédito que supostamente o cônjuge sobrevivo tem sobre a Impugnante (herdeira legitimária) fruto de uma relação obrigacional estabelecida entre os dois, mas a compensação resultante da atribuição de um bem da herança que excede a quota-parte que o herdeiro legitimário tem nesta última.

  16. A partilha procede à divisão dos bens do autor da herança. Dessa divisão o que há é uma obrigação de pagamento de tornas que assegure em termos patrimoniais o preenchimento da quota-parte que cada herdeiro legitimário tem direito.

  17. A relação jurídica nunca é bilateral. No mínimo será sempre triangular (e variará em função do número de herdeiros). Tem sempre de se contar com a herança (até aquele momento indivisa) pois que os bens a ela pertencem.

  18. A obrigação de pagamento de tornas resulta não de uma dívida, mas do excesso que a transmissão daquele bem proveniente da herança produz.

  19. No direito civil a renúncia permite dispensar, se quisermos, a obrigatoriedade de compensar o outro herdeiro pelos bens que se leva a mais, não saindo daí, seja para efeitos civis ou fiscais, com propriedade, nenhum direito de crédito na esfera do cônjuge sobrevivo, ou, uma dívida (perdoada) sobre a esfera do herdeiro cujo bem extravasou o quinhão.

  20. Aliás, se o imóvel nunca entrou na titularidade do cônjuge sobrevivo como é possível conceptualizar a ideia de doação? De que forma, em termos jurídicos, é possível qualificar este último como doador? Doador de um bem alheio? Doador de um bem da própria herança indivisa? U) Se a isto somarmos o facto de em causa estar a apreciação de factos tidos por relevantes à luz do direito fiscal, então, toda esta questão eleva-se a uma superior dimensão porque a relação jurídico-tributária deixa de ser meramente bilateral para ser triangular entrando em cena um novo actor que é a AT enquanto sujeito activo da relação jurídico-tributária que prossegue como atribuição a defesa do interesse público que decorre da própria tributação enquanto instrumento de satisfação das necessidades financeiras do Estado e, em última análise, a satisfação das necessidades colectivas da população e que não deixaria de ser visto como um terceiro de boa-fé a quem o excesso da quota-parte sujeito a tornas produz um crédito fiscal de que o próprio tem o direito de se ver ressarcido.

  21. Acresce que, para que a remissão...

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