Acórdão nº 122900/17.2YIPRT-C.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA DA GRAÇA TRIGO
Data da Resolução08 de Setembro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.

Na presente acção instaurada por Tufama – Construção Civil, Lda.

contra Sisav – Sistema Integrado de Tratamento e Eliminação de Resíduos, S. A.

foi proferido despacho, após a decisão final, que julgou sanada a nulidade invocada pela R., em 13 de Agosto de 2019, referente à deficiência das gravações da audiência realizada em 23 de Maio de 2019.

O despacho é do seguinte teor: «A R. requer que seja declarada nula a audiência que se realizou no dia 23 de Maio de 2019, por serem inaudíveis os depoimentos prestados nessa data, requerendo ainda a nulidade da tramitação processual subsequente.

A A. opôs-se (fls. 390-392) alegando extemporaneidade.

Nos termos do artº 155º, nº 4, CPC, a falta ou deficiência da gravação da audiência deve ser invocada, no prazo de 10 dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada.

“Decorrido esse prazo sem que seja arguido o vício em causa, fica o mesmo sanado, não podendo oficiosamente ser conhecido (…).” António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código do Processo Civil Anotado, Vol. I, Parte Geral e Processo de Declaração, página 190, Almedina.

A audiência cuja nulidade a R. pretende ver declarada teve lugar a 23 de Maio de 2019, data em que ficou disponibilizada a gravação. Não tendo a R. invocado a falta ou deficiência da gravação da audiência no prazo de 10 dias, que veio apenas a fazer em 13 de Agosto de 2019 (fls. 386-389), após ter solicitado cópia em 6 de Agosto de 2019 (fls. 383), fica sanada tal nulidade.

Termos em que, julgando sanada a nulidade invocada, se indefere o requerido.» A R. apelou deste despacho para o Tribunal da Relação de Évora, tendo sido determinada a sua subida, em separado.

Por acórdão de 17 de Dezembro de 2020, o recurso foi julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.

  1. Vem a R. interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões: «1. O presente recurso tem por objecto o acórdão do Tribunal da Relação de Évora que confirmou decisão do Tribunal de primeira instância julgando intempestiva a invocação, pela Recorrente, da deficiência da gravação da audiência de julgamento.

  2. Entendeu o tribunal a quo que a Recorrente não tinha invocado a deficiência da gravação no prazo estipulado no n.º 4, do art. 155.º, do CPC, porquanto já tinham passado dez dias da data da audiência, considerando que nessa data as gravações ficaram imediatamente disponíveis.

  3. A Recorrente discorda totalmente de tal interpretação do referido preceito, que se encontra em clara oposição com um acórdão da mesma Relação de Évora já transitado em julgado e que constitui acórdão fundamento para o presente recurso de revista: o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 5 de Maio de 2016, processo 104/09.4-B.E1.

  4. A referida contradição entre a jurisprudência quanto à mesma questão fundamental de direito no domínio da mesma legislação, não existindo qualquer acórdão uniformizador de jurisprudência e tendo em conta que de outro modo não haveria recurso da decisão do tribunal a quo por motivo estranho à alçada, constitui por isso o contexto legitimador do presente recurso de revista nos termos do disposto nos arts. 671.º, n.º 2, a) e 629.º, n.º 2, d), do CPC.

  5. Muito embora a jurisprudência seja clara, tal como a lei, no sentido de que o dies a quo daquele prazo de dez dias se situa na data de disponibilização das gravações, são divergentes os entendimentos no sentido de saber o que deve considerar-se como disponibilização das gravações.

  6. A interpretação do art. 155.º, n.º 4, que a Recorrente aqui preconiza é a adoptada pelo acórdão fundamento: o dies a quo apenas ocorre com a disponibilização efectiva das gravações às partes, seja por determinação da Secretaria do tribunal ou em virtude de pedido da parte.

  7. Não pode entender-se que tal disponibilização ocorre automaticamente com a realização da audiência ou o disposto no art. 155.º, n.º 4, não teria qualquer sentido útil.

  8. Nem pode considerar-se que tal disponibilização pela Secretaria se presume efectuada passados os dois dias previstos no n.º 3 do art. 155.º, mesmo que efectivamente tal não tenha acontecido.

  9. A única interpretação do art. 155.º, n.º 4, que respeita a letra da lei e o direito fundamental a uma tutela jurisdicional efectiva é aquela que considera que o prazo de dez dias apenas se começa a contar da data em que a parte tenha efectivo acesso às gravações, 10. Sendo aquela conclusão válida independentemente do momento em que tal ocorra e ainda que tal apenas aconteça na sequência de requerimento da parte por ter interesse na audição das gravações para efeitos de recurso da matéria de facto.

  10. Qualquer outra interpretação daquele preceito padece de inconstitucionalidade por restringir em demasia o acesso da parte à possibilidade de recurso da matéria de facto; 12. Isso significaria que a parte, num caso como o presente em que está em causa uma condenação que, com juros, ascende a cerca de um milhão de euros, veria precludido o seu direito ao segundo grau de jurisdição por um erro técnico de gravação da secretaria que em nada lhe pode ser imputado.

  11. Como consequência, deve considerar-se que a Recorrente invocou tempestivamente o vício da gravação da audiência, devendo o tribunal dela conhecer.

  12. Devendo considerar-se que existe, por conseguinte, uma nulidade secundária decorrente da deficiente gravação da audiência, ao abrigo do art. 195.º, do CPC, que deve ser julgada procedente.» Termina pedindo que seja dado provimento ao recurso, decidindo-se pela tempestividade da arguição da nulidade da audiência de julgamento que se realizou a 23 de Maio de 2019, com as devidas consequências.

    A Recorrida contra-alegou, concluindo nos seguintes termos: «A – O objeto do presente recurso apresentado pela Recorrente, prende-se com o facto de saber a partir de quando se inicia a contagem do prazo de 10 dias, referido no art. 155º, nº 4 do CPC.

    B – Entendemos, tal como o Douto Acordão recorrido, que o prazo inicia-se a partir da data em que a secretaria disponibiliza (coloca à disposição) o suporte digital da gravação.

    C – Com efeito, dispõe o nº 4 do art. 155º do CPC, que a parte pode reclamar da falta ou da deficiente gravação no prazo de 10 dias a partir da data da disponibilização às partes da gravação de cada uma das gravações da audiência final, D – Tem sido, nos últimos anos entendimento unânime jurisprudencial, que a disponibilização às partes da audiência, consiste na simples colocação pela secretaria judicial da referida gravação à disposição das partes para que estas possam obter cópia da mesma.

    E – Tal disponibilização não envolve a realização de qualquer notificação às partes de que agravação se encontra disponível na secretaria judicial, nem se confunde com a efetiva entrega de suporte digital da mesma gravação às partes.

    F – Disponibilizar não é entregar a gravação às partes. Pois disponibilizar significa colocar à disposição de outrem, ainda que o terceiro não aproveite tal disponibilidade; entregar é transferir algo para as mãos de outrem.

    G – Pois, se a contagem do prazo fixado no nº 4 do art. 155º do CPC só se iniciasse a partir da entrega da gravação à parte, tal início ficaria na dependência do arbítrio desta, com a possibilidade de invocar a falta ou deficiência da gravação quando lhe aprouvesse, até à interposição do recurso da sentença.

    H – A intenção do legislador foi a de que o procedimento tendente à obtenção de cópia da gravação pelas partes seja o mais simples possível, tendo em vista garantir que algum problema que se verifique com a gravação seja resolvido com rapidez, no Tribunal de primeira instância, de forma a evitar a anulação de actos processuais subsequentes, tornando-se assim, mais equilibrado.

    I – O legislador no âmbito do novo código, entendeu que sobre as partes recai um dever de diligência que as onera com o encargo de diligenciarem, o mais tardar logo após o termo da audiência, pela rápida obtenção da gravação dos depoimentos e, num prazo curto, averiguarem se tal registo padece de vícios, a fim de que os mesmos sejam sanados com celeridade perante a primeira instância.

    J – Face à necessidade de, por razões que se prendem com a memória daqueles que terão de depor de novo e com a eventual necessidade de confrontação desses depoimentos com outros produzidos em sentido contrário, é que a tomada de declarações ocorra em ocasião temporalmente próxima da data em que tais depoimentos foram inicialmente prestados.

    L – Assim, se o vício da falta ou deficiência de gravação não for invocado pela parte, no prazo de 10 dias, a contar do momento em que a gravação é disponibilizada, fica precludido o direito de posteriormente invocar a correspondente nulidade.

    M – Excedendo esse prazo, deve ter-se a arguição de nulidade por extemporânea, com a consequente sanação do vício.

    N – O novo código veio resolver as dificuldades, impondo à parte o ónus de invocação da irregularidade no prazo de 10 dias a contar da data em que lhe tenha sido disponibilizada a gravação (disponibilização que deve ocorrer no prazo de 2 dias a contar do acto, nos termos do n.º 3); O – Tratando-se de uma nulidade processual, terá de ser arguida autonomamente, sendo submetida a posterior decisão do juiz a quo, não sendo admitida a sua inserção imediata nas alegações de recurso.

    P – Entendemos ter existido uma evolução quanto ao entendimento jurisprudencial e doutrinal da questão em apreço, com a entrada em vigor do novo código, no sentido de unanimemente se ter passado a considerar que o dies a quo ocorre nos prazos estabelecidos (2 dias e 10 dia) a contar do ato e não da entrega efetiva pela secretaria.

    Q – Tal interpretação não padece de inconstitucionalidade, decorrente da restrição em demasia no aceso da parte à possibilidade de recurso da matéria de facto, porquanto sobre a parte recai o ónus de diligenciar pela rápida obtenção da gravação dos depoimentos.

    R – Como consequência, ao...

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