Acórdão nº 700/21 de Tribunal Constitucional (Port, 02 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Mariana Canotilho
Data da Resolução02 de Setembro de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 700/2021

Processo n.º 829/21

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Mariana Canotilho

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. Adelino António Moreira Granja, António Rebelo Delgado Tomás e Manuel Joaquim Agostinho Canelas, na qualidade de aderentes do Bloco de Esquerda e na sequência do Acórdão n.º 542/2021 deste Tribunal Constitucional, vêm requerer, com base no artigo 103.º-D da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, adiante designada «LTC»), a impugnação da deliberação tomada pela Comissão de Direitos, órgão daquele partido político, em 30 de julho de 2021.

2. O requerimento apresentado tem, em síntese, o seguinte teor:

«A – Nota Prévia

No dia 05 de julho de 2021 os ora requerentes interpuseram providência cautelar junto da 3ª Secção deste Tribunal, a qual tramitou sob o n.º 643/21, a qual mereceu acórdão proferido em 13 de julho de 2021, e que se requer seja totalmente reproduzido para todos os efeitos legais.

[…]

Efetivamente, a deliberação colocada em causa pelos requerentes data de 30 de abril de 2021, pelo que o Tribunal Constitucional considerou que «a suspensão» de tal ato» deve ser requerida no prazo previsto no n.º 7 do artigo 103.º-C, ou seja, no prazo de cinco dias desde a (…) adoção da decisão ou deliberação impugnada (ex vi do n.º 3 do artigo 103.º-D).

Pelo que, sem qualquer censura, o TC decidiu «(...) não conhecer do objeto da medida requerida, nos termos do disposto no nº. 1 do artigo 103.º-E da LTC, conjugadamente com o disposto no artigo 103.°-D, n°s. 2 e 3 e no artigo 103.º-C, n°. 7 (aplicável ex vi do n°. 1 do artigo 103.º-E da LTC)». (cf. pág. 14 - decisão).

Os ora requerentes não se pronunciaram, por qualquer meio, de tal decisão, mas não deixando, no entanto, de chamar a atenção a esse Tribunal para situações idênticas, em que nenhum cidadão, na qualidade de filiado partidário, tem possibilidade de ver a justiça reposta face a deliberações violadoras de qualquer o tipo de normas - estatutárias ou legais (mesmo constitucionais) quando os próprios estatutos internos, a lei dos partidos políticos e a LTC, impede tal militante de recorrer ao TC dentro dos prazos legais (neste caso de cinco dias), não estando esgotados todos os procedimentos internos dos partidos, imposto por estes e pela lei, como sucedeu com o presente caso.

Ou seja, os aderentes partidários estão «presos» aos ditames da legislação e de regras estatutárias quanto à impugnação de deliberações de órgãos partidários, como o presente caso é um exemplo do ora exposto.

Porém, e ainda no decurso do processo atrás referido, os ora requerentes vêm intentar a presente providência cautelar sobre ato praticado pela Comissão de Direitos — órgão do BE-Bloco de Esquerda, respeitando o prazo legalmente exigido, «previsto no n°. 7 do artigo 103°.-C, ou seja, no prazo de cinco dias desde a (...) da adoção da decisão ou deliberação impugnada (ex vi do n°. 3 do artigo 103°.-D)» cuja deliberação tem a data de 30 de julho de 2021 e foi notificada aos requerentes em 31 do mesmo mês, com a seguinte redação: (doc. n°. 25):

A Comissão de Direitos reunida no dia 30/7 considerou por maioria que o objeto da reclamação já teve resposta, tendo a mesma sido encaminhada para o Tribunal Constitucional, que deliberou "Justifica-se, pois, e ao abrigo do disposto n.º 1 (…) indeferir liminarmente a pretensão dos requerentes." E "Pelo exposto, decide-se não conhecer do objeto da medida cautelar requerida (…)

Saudações bloquistas, A Comissão de Direitos eleita na XII Convenção".

B-OS FACTOS:

1. Os demandantes são aderentes do BE-Bloco de Esquerda.

2. Adelino Granja, aderente desde 29 de junho de 2006, com o n°. 4507; António Delgado, aderente n°. 14719 e Manuel Canelas, aderente desde 9 desde 2 de março de 2017, com n°. 129S8. (docs. n°s. 1 a 7)

3. Todos eles pertencem ao Núcleo do BE de Alcobaça.

4. Têm as cotas em dia e sempre exerceram os seus deveres perante o partido, sem qualquer registo sancionatório.

5. Os demandados são órgãos estatutariamente constituídos no seio do BE-Bloco de Esquerda.

6. Os demandados são eleitos e exercem as competências consignadas nos Estatutos do BE, nomeadamente, artigos 7.º (órgãos), Comissão de Direitos (artigo 9º.); Comissão Política (artigo 11º.) c Comissão Coordenadora Distrital (artigo 13º.)

7. Os demandantes, na qualidade de aderentes de Alcobaça foram convocados, através da demandada Comissão Coordenadora Distrital de Leiria, EM 26.04.2021, para uma reunião, a realizar no dia 30 de abril de 2021, através do sistema zoom, com a seguinte e única Ordem de Trabalhos (OT): «Discussão e preparação de candidatura autárquica no concelho de Alcobaça», conforme cópia da convocatória que se anexa. (doc. n°. 8).

8. Na referida reunião, para além dos demandantes acima referenciados, participaram os aderentes Sequeira Mendes e António Maximiano, cumulando este último a qualidade de membro da CCD de Leiria, a funcionária do partido Telma Ferreira e o deputado com assento na AR, Ricardo Vicente, na qualidade de líder do respetivo órgão partidário.

9. Por Ricardo Vicente foi pedido esclarecimentos aos aderentes de Alcobaça — como que um «balanço» sobre as próximas eleições autárquicas.

10. Nesse sentido, o demandante/aderente Adelino Granja, fez um balanço dos trabalhos encetados com um grupo de cidadãos de Alcobaça com vista a criar um movimento independente de cidadão do concelho, abarcando apoios de várias personalidades, de orientações políticas diversas e que comungassem com os objetivos de esquerda, nomeadamente os padrões basilares do BE sobre esta matéria.

11. Pelo demandante Adelino Granja foi referido que este tipo de «conversações» tinha sido aprovado numa anterior reunião de aderentes de Alcobaça, realizada no dia 7 de abril de 2021, tendo sido para o efeito nomeada uma «comissão» integrada por Adelino Granja, Sequeira Mendes e António Maximiano, este, por ser membro da CCD de Leiria, e que serviria de elo de ligação com esse órgão de Leiria, conforme cópia que se junta. (doc. n°. 9)

12. Após tal resumo, interveio Ricardo Vicente, em representação da CCD de Leiria, o qual relatou um conjunto de assuntos que não faziam parte da OT, imputando aos aderentes em causa, a prática de atos, que levaram aquele órgão a decidir o seguinte: «falta de legitimidade» e «quebra de confiança política» dirigidas a estes, e consequentemente o impedimento destes de integrarem os três (3) primeiros lugares nas futuras listas autárquicas em Alcobaça.

13. Na sequência do atrás descrito, os demandantes, juntamente com o aderente Sequeira Mendes, manifestaram a sua indignação pela forma como foi relatada uma decisão que não constava da ordem de trabalhos da referida reunião concelhia.

14. Pelo que, considerando tal decisão destituída de qualquer fundamento integrado nos Estatutos, aprovaram uma «Moção» que se junta. (doc. n°. 10).

15. Estamos perante uma decisão imprópria e violadora dos princípios constitucionais mais primários como os da equidade, igualdade e direito ao contraditório, comparando-se tal medida como um ato sancionatório por parte de um órgão desprovido de legitimidade legal, democrática e de livre-arbítrio.

16. Não foi dada a oportunidade aos visados de se defenderem dos factos que lhes foram imputados.

17. Além de que desconheciam totalmente o alegado.

18. Os aderentes em causa não foram formalmente notificados de qualquer decisão, nem sequer foram ouvidos em sede de «inquérito» ou «pedido de esclarecimentos», com a agravante de tal medida assentar em fatos que desconhecem.

19. Os autores não têm o mínimo de dúvidas que este tipo de manobras persecutórias teve o objetivo direto de os atingir, por pensarem de maneiras diferentes de agir em prol do partido, precisamente num período de campanha eleitoral para a eleição de aderentes à XXII Convenção Nacional do Bloco.

20. Decorrente dos fatos atrás aduzidos, os ora demandantes remeteram, em 02 de maio de 2021, para a Comissão de Direitos, órgão competente para dirimir conflitos internos, cfr. artº. 9º. dos Estatutos do BE, aprovados na XXII Convenção Nacional, bem como à Comissão Coordenadora Distrital de Leiria do BE, com os seguintes pedidos de esclarecimentos, cuja cópia se junta e se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais: (doc. n°.11)

‘Com base nos n°s. 1 e 2, do artigo 15°. dos Estatutos, os ora visados, reclamam, que no prazo de 48 horas, a partir desta data, lhes sejam facultados os seguintes elementos:

a) Ata da reunião, com data e identificação dos participantes, na reunião realizada pela CCD de Leiria, em que foi deliberada a decisão de «perda de legitimidade e quebra de confiança política» sobre os aderentes acima identificados, e em também «o impedimento dos mesmos integraram os três primeiros lugares nas listas de candidatura do BE às próximas eleições autárquicas; pelo concelho de Alcobaça».

b) Certidão das provas documentais e/ou testemunhais, com datas e conotadas com os visados, que tenham servido de fundamento das referidas decisões.

c) Que seja marcada, com a máxima urgência, no prazo de 8 (oito) dias, uma reunião dos ora visados com todos os membros da CCD de Leiria, presencial, uma vez que já é permitido.

21. No dia 25 de junho de 2021, quase dois meses após o pedido de esclarecimento, a Comissão de Direitos do BE, emitiu o seguinte parecer: (doc. n°. 12)

«A Comissão de Direitos recebeu e analisou as mensagens e os documentos que nos foram endereçados sobre supostas irregularidades ocorridas em Alcobaça. O Artigo 9°. dos Estatutos do Bloco de Esquerda refere as competências da Comissão de Direitos:

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