Acórdão nº 389/21.8BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 31 de Agosto de 2021

Magistrado ResponsávelPEDRO MARCHÃO MARQUES
Data da Resolução31 de Agosto de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório N... (Recorrente), interpôs recurso jurisdicional da sentença de 4.07.2021 do TAF de Sintra que indeferiu a providência cautelar por si intentada contra o Município de Cascais para suspensão de eficácia de acto “que consistiu no despacho do Presidente da Câmara Municipal de Cascais, datado de 03/11/2020, que aprovou a cessação da ocupação ilegal do prédio urbano sito na E... (casa 4) em Cascais e ordenou a notificação dos seus ocupantes para o desocuparem no prazo de 90 dias”.

As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões:

  1. Recorre-se da douta sentença que indeferiu a presente providência cautelar; se não, vejamos: b) Em primeiro lugar, discorda-se que seja irrelevante apurar desde que data é que a ora recorrente reside no locado, se tal residência tem carácter permanente ou até mesmo se foram realizadas obras; c) Tendo sido exactamente a alegada falta de permanência no locado por parte da ora recorrente o fundamento em que a requerida se baseou para ordenar a sua desocupação do locado – cfr. o despacho nº 33/2019, al. e) da requerida; d) Tendo sido emitido anteriormente parecer jurídico por parte da requerida, de 14-11-2019, que foi homologado através daquele despacho, em que mais uma vez se baseia essencialmente na falta de residência permanente da recorrente; e) Aliás, os argumentos fáctico-jurídicos constantes da douta oposição da requerida de fls., mormente os arts. 13º a 47º, demonstram a relevância de saber se o arrendatário ocupa ou não o imóvel, com carácter permanente; f) Por outro lado, a provar-se a realização de obras no imóvel, nomeadamente quanto às de natureza necessária, afigura-se que goza a recorrente do direito de retenção, o que também foi alegado no requerimento inicial; g) Conferindo a matéria alegada uma probabilidade séria do direito de retenção por parte da recorrente, não obstante o entendimento do Mmo. Juiz “a quo” de que será matéria que pode ser apreciada em acção própria para o efeito, ainda que admita expressamente que essas obras possam ter sido realizadas (cfr. parte final da pág. 15 da douta sentença); h) Descorando que na acção principal de que a presente providência é dependente, a recorrente pede expressamente que seja reconhecido esse direito; i) Na decisão da requerida, posta em crise com a providência cautelar, não está em causa se a capacidade económica da ora recorrente lhe permite residir ou não no locado; j) A requerida, como decorre do processo instrutor junto aos autos, nunca confrontou a recorrente com base na sua suficiência económica para não ter direito à ocupação do imóvel, a não ser com a dedução da douta oposição; k) Afigura-se que esse comportamento constitui, assim, abuso de direito, na vertente de venire contra factum proprium; l) De resto, esse nunca foi o critério utilizado pela requerida quando iniciou o processo de realojamento dos moradores da “Casa dos Pobres de Cascais” (cfr. o processo administrativo junto aos autos pela requerida, cuja certidão instrui o presente recurso); m) Através do qual a maior parte dos moradores da “Casa dos Pobres de Cascais” foi realojada, independentemente dos seus rendimentos actuais; n) Não estando em causa se a capacidade económica da ora recorrente lhe permite residir ou não no locado (cfr. “visita de controle” e “ficha de registo de atendimento do processo instrutor”); o) Em todo o caso, a requerente colaborou com o tribunal “a quo”, logo que lhe foi solicitado para indicar quais os proventos da sua reforma e seu marido, recebidas em Inglaterra; p) Afigurando-se ser de extrema relevância poder provar, com recurso às testemunhas arroladas pela ora recorrente, desde quando é que a ora recorrente residia no locado e que obras realizou e respectivos custos; q) As quais, eventualmente, confirmariam que após o locado ter sido atribuído à mãe da ora recorrente em 1945, esta sempre lá viveu até ter ido para o Reinou Unido, em 1986; r) Passando, ainda assim, longas temporadas em Portugal, para acompanhar a sua mãe, na velhice e na doença, até à sua morte, em 2005; s) Continuando a ocupar o locado quando vinha, com frequência, a Portugal; t) Para onde, no ano de 2007, decidiu regressar em definitivo; u) Dando início a inúmeras obras de reparação do imóvel, de modo a ficar o mesmo com condições de habitabilidade e dignas a passar a ora recorrente (que já tem 73 anos de idade) e o seu marido (actualmente com 79 anos) a velhice; v) Não estando a ora recorrente e o seu marido em condições, nem pessoais, nem financeiras, de estar, nesta fase da sua vida, à procura de uma nova habitação que possam suportar economicamente; w) Especialmente depois de terem investido quantias avultadas em todas as obras que realizaram no imóvel, com o conhecimento e consentimento da senhoria; x) As quais se afigura serem igualmente relevantes para os presentes autos, contrariamente ao vertido na douta sentença recorrida, nomeadamente quanto ao direito de retenção por si invocado; y) Devendo a ora recorrente ter tido oportunidade de fazer prova da sua realização, bem como das quantias despendidas com as mencionadas obras; z) O que não sucedeu; aa) A douta sentença apenas teve em consideração a inexistência de contrato (escrito) que legitime a permanência da ora recorrente no locado, desconsiderando tudo o que se passou desde 1945; bb) Ora, conforme se alegou, ao longo de todos estes anos a situação em causa foi tratada como se de um verdadeiro contrato de arrendamento se tratasse; cc) Sempre foi paga uma renda mensal e emitidos recibos de renda, os quais referiam expressamente ser referentes à renda da casa nº 4; dd) Anualmente, a renda mensal era actualizada pelo Instituto da Segurança Social, através de carta escrita; ee) E, por carta recebida pela ora recorrente a 13/03/2019, o Instituto da Segurança Social dava-lhe conhecimento que o pagamento da renda mensal deveria ser feito à Câmara Municipal de Cascais, menciona a alteração da titularidade do contrato de arrendamento e refere a comunicação da alteração a todos os inquilinos; ff) Ou seja, a ora recorrente sempre foi aceite como inquilina, afigurando-se resultar do supra exposto a existência de um contrato de arrendamento; gg) Surpreendentemente, ao fim de tantos anos, entende a requerida que, afinal, não se trata de um contrato de arrendamento e que a ora recorrente não tem qualquer título que a legitime a continuar a ocupar o locado; hh) Embora, não obstante, tenha proposto uma indemnização à ora recorrente pela desocupação, equivalente a cinco anos de renda, conforme também se alegou; ii) Crendo-se que a ora recorrente não pode ser tão gravemente penalizada pela eventual “inércia, incúria ou desleixo do Instituto da Segurança Social, I.P.”, contrariamente ao referido a fls. 22 da douta sentença recorrida; jj) Afigura-se que não pode o tribunal “a quo”, considerar sem mais e sem qualquer vestígio de prova, como faz, que houve desleixo por parte do anterior senhorio ao permitir que a recorrente habitasse no local; kk) Se a ora recorrente reside no local há tantos anos foi porque tal lhe foi permitido pela senhoria, que sempre a fez crer que não havia qualquer problema com a sua situação; ll) Afigura-se natural e razoável que a ora recorrente tivesse uma absoluta expectativa da existência de um contrato de arrendamento e, consequentemente, a convicção de que a situação estava regularizada e legal; mm) Estando, assim, esse direito a ser exercido contra a boa fé (cfr. artigo 10º do CPA); nn) Discorda-se, igualmente, de que não estão preenchidos os requisitos para a adopção da providência em causa; oo) Quanto ao primeiro requisito – periculum in mora – discorda-se de que nada de concreto tenha sido alegado quanto à existência de um facto consumado ou prejuízo de difícil reparação; pp) A douta sentença recorrida refere também que a ora recorrente não esclareceu a sua situação patrimonial ou financeira e que se baseia numa “…aparência de “parcos rendimentos”, a qual é manifestamente insuficiente para que tribunal cumpra um juízo de preenchimento do pressuposto do periculum, porquanto a alegação e respectiva prova que é efectuada a propósito do referido pressuposto, é muito parca e impossibilita o tribunal de o considerar preenchido…”; qq) Mesmo que o referido entendimento fosse verdadeiro afigura-se que seria sempre aconselhável que o Mmo. Juiz “a quo” convidasse a recorrente, ao abrigo dos princípios da cooperação e da justa composição da lide, definido nos nº 3 e 4 do art. 590º do CPC, a suprir essas alegadas insuficiências alegatórias; rr) E, se após o convite ao aperfeiçoamento e se a recorrente não correspondesse satisfatoriamente ao mesmo, deveria então o juiz proferir decisão sobre o mérito da causa, julgando improcedente a providência; ss) Pelo que se crê que o tribunal recorrido deveria ter convidado a recorrente a aperfeiçoar o seu requerimento inicial de forma a suprir essas insuficiências, em vez de, sem sequer esperar pelo decurso do prazo que estava em vigor para a recorrente se pronunciar sobre um requerimento da requerida, com a junção do IRS daquela e de seu marido, proferir, de imediato, a sentença recorrida, omitindo aquele dever processual, como fez; tt) Atente-se que tendo a recorrente alicerçado essencialmente o seu requerimento inicial com base na sua residência permanente no local arrendado, face aos fundamentos da decisão da CMC de não aceitar o seu realojamento que se baseiam precisamente nesse facto, mais se impunha esse dever de aperfeiçoamento por parte do Mmo. Juiz “a quo”, se entendia, como entendeu, relevar o critério da situação económica para proferir a decisão; uu) Como, aliás, é entendimento da doutrina e jurisprudência que considera que a falta de tal convite consubstancia uma irregularidade processual, que teve influência na decisão da causa e que à cautela se argui, para os devidos e legais...

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