Acórdão nº 137/21.2BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 31 de Agosto de 2021

Magistrado ResponsávelPEDRO MARCHÃO MARQUES
Data da Resolução31 de Agosto de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório L..., cidadão nacional da Guiné Bissau, intentou o presente processo urgente contra o Ministério da Administração Interna – Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), peticionando a anulação da decisão de 4.12.2020 do Diretor Nacional Adjunto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras que considerou inadmissível o pedido de protecção internacional formulado pelo Autor e ordenou a transferência do mesmo para a Itália, o Estado-Membro responsável pela sua retoma a cargo.

O TAC de Lisboa, por sentença de 30.04.2021, julgou a acção improcedente.

Com o decidido não se conformando, veio interpor recurso para este TCA, contendo o requerimento de recurso as seguintes conclusões: 1. Havia sido impugnado o despacho da executada, que julgava inadmissível o pedido de proteção internacional apresentado pelo exequente, de acordo com o artigo 37º n.º 2, e alínea a) n.º 1 do artigo 19-A da Lei 26/2014 de 05 de Maio, com o fundamento que o Estado responsável para a respetiva análise seria o Estado italiano e não o português.

  1. O SEF não podia ignorar a situação económica e social em que se encontrava ao tempo o Estado italiano, designadamente quanto as deficiências sistémicas nas medidas de acolhimento dos requerentes de asilo ou de protecção internacional, sendo que o contexto de pressão migratória, como aquele com que desde 2015, os estados membros se confrontavam, não pode resultar numa diminuição das garantias previstas nos vários normativos que vinculam os estados membros da união europeia, o que acontecia ao tempo com os requerentes de asilo e de protecção internacional em Itália.

  2. No caso, o Estado italiano não tinha capacidade sistémica, organizacional, social e económica para receber tantos requerimentos de apoio internacional, o que levanta a questão do destino dos requerentes, que nunca poderá ser o de voltar ao pais de origem, porquanto tal decisão consubstanciaria uma violação do principio de não expulsão, previsto no artigo 33º n.º 1 1ª parte da Convenção de Genebra de 1951.

  3. Ora, no caso vertente, acompanhando a fundamentação de decisão do processo 1353/18.0BELSB, em tudo similar ao presente, “ incumbia à Entidade Demandada, previamente à decisão, instruir o procedimento com informação fidedigna, actualizada, sobre o funcionamento do procedimento de asilo italiano e as condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado Membro, recorrendo a fontes credíveis e consolidadas como o ACNUR e a Amnistia Internacional, de molde a verificar-se, no caso concreto, se verificam ou não os motivos determinantes da impossibilidade da transferência, referidos no segundo paragrafo do n.º 2 do artigo 3º do Regulamento (EU) 604/2013” Daí que, nada tendo a Ré referido na sua decisão ou fundamentação sobre o funcionamento do procedimento de asilo italiano e das condições de acolhimento dos requerentes de protecção internacional, a decisão impugnada incorre em deficit de instrução.

  4. Daí que se tenha pugnado pela nulidade da decisão recorrida por deficiência na instrução, ou insuficiência da respectiva matéria de facto, o que o Tribunal a quo, a nosso ver erradamente, desatendeu.

    O Recorrido não apresentou contra-alegações.

    • Neste Tribunal Central Administrativo, o Ministério Público, notificado nos termos do disposto nos artigos 146.º e 147.º do CPTA, não emitiu pronúncia.

    • Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo (em turno) para decisão.

    • I. 1.

    Questões a apreciar e decidir: As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar: - Se o tribunal a quo errou ao ter concluído pela manutenção do despacho impugnado, apesar do défice de instrução alegado, o qual determinou também a notificação do requerente de protecção internacional para efeitos da sua transferência para a Itália, por ser este o Estado Membro responsável.

    • II.

    Fundamentação II.1.

    De facto É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a qual se reproduz ipsis verbis: A) O Requerente é nacional da Guiné Bissau, onde nasceu em 19/04/1990 (cfr. PA apenso a fls. 1 que ora se da por integralmente reproduzido); B) Em 23/10/2020, o Requerente apresentou um pedido de protecção internacional, junto do Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (cfr. PA apenso a fls. 10 que ora se da por integralmente reproduzido); C) Por consulta na base de dados do Eurodac, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras verificou a existência de um pedido de protecção internacional, formulado pelo Requerente em 27/08/2015, em Perugia, Itália (cfr. PA apenso, a fls. 3, que ora se da por integralmente reproduzido); D) Em 23/10/2020, o Requerente prestou declarações perante o SEF, quanto aos fundamentos do seu pedido de asilo, do qual se extrai, nomeadamente, o seguinte: «Imagem no original» E) Em 12/12/2020 o Requerente exerceu o seu direito de audiência prévia quanto ao sentido provável de decisão, nos seguintes termos: «Imagem no original» F) Em 13/11/2020, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras efectuou um pedido de retoma a cargo do requerente às autoridades italianas (cfr. processo administrativo, apenso aos autos a fls. 37, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); G) As autoridades italianas aceitaram o pedido de retoma a cargo do Requerente, ao abrigo do art.º 18º n.º 1, al. b) do Regulamento de Dublim III (cfr. processo administrativo apenso aos autos, a fls. 42, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); H) Em 04/12/2020 o Director Nacional Adjunto do SEF, proferiu decisão com o seguinte teor: «Imagem no original» (cfr. processo administrativo apenso aos autos, a fls. 57, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); I) Na informação 2437/GAR/2020 referida na alínea anterior, consta nomeadamente, o seguinte: «Imagem no original» «Imagem no original» (cfr. processo administrativo apenso aos autos, a fls. 46 a 54, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); J) Sobre a Informação referida na alínea anterior recaiu Proposta datada de 04/12/2020, com o seguinte teor: “PROPOSTA Com base na presente informação, propõe-se à consideração superior que, de acordo com o disposto na alínea a) do n.s 1, do artigo 199-A, da Lei n.9 27/08, de 30 de junho, alterada pela Lei n9 26/2014 de 05 de maio, o pedido de proteção seja considerado inadmissível e se proceda à transferência para a ITÁLIA do (a) cidadão (ã) acima identificado (a), nos termos do artigo 25 n9 2 do Regulamento (CE) N.9 604/2013 do Conselho, de 26 de Junho”.

    (cfr. idem); K) Em 16/12/2020, o Gabinete de Asilo e Refugiados - SEF notificou o Requerente da decisão que determinou que a Itália é o Estado responsável pela sua tomada a cargo (cfr. fls. 59, do processo administrativo, apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); L) O Requerente faltou à consulta médica marcada para o dia 16/11/2020 (cfr. confissão).

    • II.2.

    De direito O ora Recorrente pretende a anulação da decisão que indeferiu, por inadmissível, o pedido de asilo formulado e que determinou a sua transferência para a Itália, entendendo existir erro de julgamento pelo tribunal a quo ao não ter concluído pela existência de deficit instrutório no procedimento.

    Alegou que o SEF não instruiu devidamente o seu processo de asilo e que se lhe impunha averiguar das condições de acolhimento em Itália, tanto mais que tem problemas de saúde que impõem o seu tratamento atempado.

    Vejamos então.

    No TAC de Lisboa a acção foi julgada improcedente com a seguinte fundamentação, a qual se transcreve na sua parte aqui pertinente: “(…) nos presentes autos, verificada a existência de um pedido de asilo formulado em Itália e perante a aceitação do pedido, cabia ao Director Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras proferir, no prazo de 5 dias, decisão de transferência da responsabilidade, atento o disposto no artigo 37º, nº2 da Lei nº27/2008, de 30 de Junho, decisão impugnada nos presentes autos.

    Assim, atento o disposto no art.º 37º n.º 2 da Lei nº27/2008, de 30 de Junho, conclui-se que a decisão de transferência da responsabilidade é um acto estritamente vinculado, cujos pressupostos de facto são os seguintes: existência de um pedido de asilo noutro Estado-Membro e aceitação por este Estado da responsabilidade pela retoma a cargo do requerente de asilo, sendo certo que verificados estes pressupostos deve ser proferida a decisão de transferência, sem que tenham ou devam ser apreciados os fundamentos do pedido de asilo apresentados pelo requerente.

    Só não seria assim se, tal como resulta do 2º § do nº 2 do artigo 3º do Regulamento nº 604/2013, existissem motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes no Estado-Membro, inicialmente designado responsável, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na acepção do artigo 4º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

    Neste desiderato vem, de resto, sendo entendido pela jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”), “no caso de um Estado-Membro ter aceitado a tomada a cargo de um requerente de asilo, (…) este só pode pôr em causa a escolha desse critério se invocar a existência de deficiências sistémicas do procedimento de asilo e das condições de acolhimento dos requerentes de asilo nesse Estado-Membro que constituam razões sérias e verosímeis de que o referido requerente corre um risco real de ser sujeito a tratos desumanos ou degradantes, na aceção do artigo 4.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia” (sublinhado nosso) – neste sentido, vide, inter alia, o Acórdão Abdullahi, prolatado em 10.12.2013, no âmbito do processo C-394/12.

    Com efeito, pese embora resulte do probatório que o pedido de...

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