Acórdão nº 01972/18.4BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 02 de Julho de 2021

Data02 Julho 2021
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1998_01

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* I Relatório O Município (...), devidamente identificado nos autos, no âmbito da ação administrativa intentada por O., SA, tendente a “impugnar o despacho proferido pela Diretora de Finanças e Património a 26/06/2018, (…) que indeferiu a reclamação do ato de revisão da liquidação das despesas por execução de obras coercivas”, inconformado com o Sentença proferida em 8 de fevereiro de 2021, no TAF do Porto, que julgou a Ação procedente, veio em 10 de março de 2021, recorrer Jurisdicionalmente da referida decisão.

Formula o aqui Recorrente/Município nas suas alegações de recurso as seguintes conclusões: “A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a ação administrativa intentada pela ora Recorrida e, consequentemente, anulou o despacho proferido pela Diretora Municipal de Finanças e Património do Réu, a 26.06.2018, que indeferiu a reclamação do ato de revisão de liquidação das despesas por execução de obras coercivas ao abrigo do artigo 108º do RJUE, com todas as consequências legais.

  1. A sentença do tribunal a quo entendeu que o ato impugnado deveria ser anulado por considerar que não foi reconhecida a qualidade de proprietária à Autora ora Recorrida, pelo menos até agosto de 2014, e por isso não impendiam sobre si os deveres elencados nos artigos 89.º e seguintes do RJUE, não podendo ser imputados quaisquer encargos suportados pela Administração Pública com a execução coerciva de obras.

  2. A sentença recorrida enferma do vício de erro de julgamento, porquanto da mesma resulta uma distorção da realidade factual e da aplicação do direito.

  3. A descrição da factualidade dada como provada pelo Tribunal a quo está errada e imprecisa em alguns pontos, mais concretamente no que concerne à ordem cronológica dos factos e à menção aos processos de licenciamento.

  4. Em 23.12.2009, a Recorrida apresentou junto dos serviços do Recorrente um pedido de licenciamento de obras de ampliação e de alteração para a instalação de uma unidade hoteleira, a realizar no prédio sito na Avenida (...), ao qual foi atribuído o nº 122936/09/CMP.

  5. Esse pedido de licenciamento foi objeto de indeferimento i) por estar em desconformidade com o disposto no artigo 11º e 42º do RPDMP e ii) por não ter as aprovações das entidades da administração central que nos termos da lei, devem emitir parecer, designadamente Direção Regional de Cultura do Norte e ARH do Norte IP - Administração da Região Hidrográfica do Norte, I.P.

  6. Foi no âmbito desde processo 122936/09/CMP, e não do processo subsequente, conforme referido na sentença, que a Administração da Região Hidrográfica do Norte, I.P. emitiu parecer.

  7. Em 08.11.2010 a Recorrida instaurou junto das Varas Cíveis a ação contra o Estado Português, à luz do previsto no artigo 15.º da Lei nº 54/2005, de 15 de Novembro, e só em 24.12.2010, ou seja, após a instauração dessa ação, apresentou a Recorrida novo pedido de licenciamento, que deu origem ao processo autuado sob o n.º P/115188/10/CMP.

    I. Em 26.03.2013 ocorreu a derrocada na Avenida (...), estando, à data, em curso o referido processo de licenciamento de obra para o edificado com o registo n.º 115188/10/CMP, conforme se verifica no ponto J) da factualidade provada.

  8. Processo esse que, conforme já referido, foi apresentado pela Recorrida durante a pendência da ação cível instaurada contra o Estado Português, tendo sido emitido o respetivo alvará de obras n.º ALV/444/13/DMU em 07.06.2013, ou seja, antes de ter sido proferida a sentença na referida ação.

  9. De acordo com o artigo 7º do Código do Registo Predial, “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”.

    L. Os particulares que registaram a seu favor a propriedade dos terrenos implantados em parcelas do domínio público, gozam nessa medida da presunção da titularidade não só de que o direito existe, tal como consta do registo, como de que pertence, nesses precisos termos, ao titular inscrito, pelo que não podem os mesmos, sob pena de violação do princípio da segurança, perder a condição de titulares daqueles terrenos, sabendo-se, ademais, que quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz (artigo 350.º, n.º 1, do Código Civil).

  10. Os interessados no reconhecimento da sua propriedade beneficiam de uma presunção juris tantum, sem prejuízo dos direitos de terceiros, o que equivale a considerar que até prova em contrário a ilidir a presunção, nos termos gerais do n.º 2 do artigo 350.º do Código Civil, o terreno é particular.

  11. Veja-se a fundamentação invocada pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 326/2015 “Sucede, assim, que no momento em que determinada lei vem dispor que certas categorias de coisas são dominiais, quando até aí não o eram, o preceito legal não pode ter eficácia de fazer automaticamente incluir no domínio público todas as coisas enquadráveis naquelas categorias: se elas já pertenciam ao património do Estado, integram-se automaticamente no seu domínio público; mas se eram propriedade particular, como tal têm de continuar, enquanto não forem expropriadas mediante adequada indemnização, pois o contrário equivaleria pura e simplesmente a um confisco”.

  12. Neste sentido, pronunciou-se Manuel António do Carmo Bargado, em o reconhecimento da propriedade privada sobre terrenos do domínio público hídrico: “ao fazer ingressar automaticamente no domínio público as parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis, pertencentes a particulares que não intentem a respetiva ação judicial de reconhecimento até 1 de Janeiro de 2014, o artigo 15.º, nº 1, da Lei n. 54/2005, constitui uma medida legislativa expropriativa do direito de propriedade daqueles particulares, que não só ficam privados do respetivo direito como não terão direito a perceber a adequada indemnização, o que equivale a um confisco, violando desse modo o disposto no artigo 62.º, n.º 2, da Constituição.” P. Com efeito, e conforme vêm salientando tanto a doutrina como a própria jurisprudência constitucional, os limites quantitativos fixados por lei para o domínio público hídrico não correspondem a uma integração automática dos terrenos inseridos dentro de tais limites no domínio público.

  13. Pelo contrário, a própria lei prevê a possibilidade de se efetuar o reconhecimento da propriedade privada sobre parcelas de leitos ou margens presumivelmente públicos.

  14. Considera-se que o imóvel em apreciação só integraria definitivamente o domínio público mediante a respetiva expropriação e consequente indemnização, isto se não tivesse sido intentada a respetiva ação judicial de reconhecimento.

  15. O imóvel nunca deixou de ser propriedade da Recorrida e sempre esteve na sua esfera jurídica.

  16. Estamos perante uma obrigação “propter rem”, ou seja, uma obrigação inerente à coisa em si, sendo que a coisa (prédio descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial (…) era à data da derrocada propriedade da Recorrida pelo que é a mesma responsável pelas despesas que foram geradas durante o período em que foi proprietária, nomeadamente, e para o que releva, as despesas imputadas a título de execução coerciva das obras.

  17. A sentença proferida no âmbito da ação judicial atrás identificada e que opôs a Recorrida ao Estado Português, apenas veio confirmar que o prédio em litígio pertencia à Recorrida, como esta defendia – incluindo a parcela que se encontra a menos de 50 metros da margem do Rio Douro, ou melhor, a menos de 50 metros da linha que limita o leito das águas – e, assim, que a Recorrida era a titular do direito de propriedade, de que se arrogava.

    V. Considera o Tribunal a quo que estamos perante uma ação declarativa de condenação, posição essa que o Recorrente não concorda porquanto não se pede uma determinada prestação, nem está ou pode estar em causa a violação de um direito (artigo 10.º, n.º 3,alínea b) do CPC).

  18. O que esteve em causa na referida ação foi a declaração da propriedade privada de determinada parcela da margem que se entendia que já pertencia à Autora, mas que se pretendia ver judicialmente declarada, pelo que, estávamos perante uma ação de simples apreciação positiva.

    X. Apesar de ter sido intentada pela Recorrida a ação judicial de reconhecimento de direito de propriedade em 08.11.2010, cuja sentença transitou em julgado em abril de 2014, considerou-se a Recorrida com legitimidade para apresentar em 24.12.2010, junto dos serviços do Recorrente, o pedido de licenciamento P/115188/10/CMP.

  19. Esse processo de licenciamento encontrava-se a tramitar à data da ocorrência da derrocada.

  20. Não se pode olvidar que a Recorrida sempre se apresentou e sempre atuou na qualidade de proprietária e detentora do imóvel, mesmo antes do seu direito de propriedade ter sido declarado judicialmente.

    AA. Apenas se eximiu dessa qualidade no que diz respeito ao pagamento das despesas por execução de obras coercivas.

    BB. Ainda que a Recorrida considerasse que as despesas relativas à execução de obras coercivas deveriam ser da responsabilidade do Estado Português, uma vez que se encontrava a ser discutida entre eles a titularidade do imóvel, deveria ser a própria, através dos meios judiciais adequados, a exigir o reembolso dessas despesas junto do Estado Português, após o pagamento das mesmas junto dos serviços do Recorrente.

    CC. Uma vez que a Recorrida figurava como proprietária do bem imóvel em causa, na respetiva Conservatória do Registo Predial, não cabia ao Recorrente imputar os custos a qualquer outra entidade.

    DD. Foi declarado e reconhecido o direito de propriedade da Recorrida sobre o imóvel, tendo esta beneficiado das obras executadas pelo Recorrente, sem nunca ter procedido a qualquer pagamento pelas mesmas.

    EE. Não pode o Recorrente – Administração Pública – ficar em prejuízo pelos encargos suportados com a execução coerciva de...

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