Acórdão nº 661/21 de Tribunal Constitucional (Port, 29 de Julho de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução29 de Julho de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 661/2021

Processo n.º 646/2021

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. José Maria Lopes Silvano (doravante identificado como impugnante), militante n.º 11.437 do Partido Social Democrata (PSD) e seu Secretário-Geral, impugnou, nos termos do artigo 103.º-D, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), a deliberação do Conselho de Jurisdição Nacional (CJN) do partido, datada de 01/06/2021, proferida no âmbito do procedimento n.º I/23-12/IMP/2020 [relativo à suspensão de transferência de parte do valor de quotas de militantes da secção de Sintra, determinada pela Comissão Política Nacional (CPN) do PSD, através da Secretaria Geral], deliberação essa que comporta o seguinte segmento decisório:

“[…]

1. a decisão de suspensão das transferências das quotizações dos militantes de Sintra do PSD é inválida e irregular.

2. são declarados nulos os atos de suspensão de transferência de montantes correspondentes às quotizações dos militantes de Sintra.

3. é indeferido o pedido de declaração de nulidade das contas do PSD entre 2015 e 2019.

4. recomenda-se à Secretaria Geral que abra um processo de averiguações às contas da campanha autárquica de 2017 de Sintra com apuramento de responsabilidades.

[…]”.

Assentou tal deliberação nos seguintes fundamentos (transcrição parcial do “Acórdão I/junho/2021”, que corresponde à deliberação impugnada – doc. n.º 1 do requerimento inicial –, que aqui se dá por integralmente reproduzido):

“[…]

Por participação recebida por este Conselho de Jurisdição Nacional (a seguir ‘CJN’) no dia 23 de dezembro de 2020, a Comissão Política de Secção de Sintra (a seguir ‘CPS’ ou ‘Participante’), através da sua presidente Ana Sofia Bettencourt, denunciou uma situação de não transferência de quotas para a referida secção, explicada com um alegado direito de retenção utilizado com fundamento no pagamento de dívidas de campanha referentes às eleições autárquicas de 2017 no concelho de Sintra. Pede ao CJN que se pronuncie sobre a legalidade e conformidade estatutária dessa situação de facto.

[…]

II – Saneamento

Na sua defesa, a SG invoca duas exceções que obstariam ao conhecimento deste litígio por parte do CJN. As exceções invocadas podem resumir-se em duas: por um lado, a) a tempestividade da participação pela ultrapassagem de prazos relativos ao direito de impugnação do ato; b) a falta de legitimidade ativa da CPS ou da sua Presidente em impugnar.

[…]

III – Da análise do caso

O CJN está limitado pelo princípio do pedido. Este princípio determina que o ‘tribunal se encontra vinculado, no momento do proferimento da decisão, ao decretamento das consequências que o autor do ato postulativo lhe requerera. Não pode decidir-se por um maius, nem por um aliud’’ Importa, pois, analisar os quatro pedidos da participante, resumidos abaixo:

(i) Apreciação da regularidade e validade da suspensão de transferências das quotas dos militantes de Sintra;

(ii) Declaração de nulidade dessa decisão e consequentemente que seja ordenada a reposição das verbas cativadas;

(iii) Declaração de nulidade das contas do PSD entre 2015 e 2019 por falta de submissão das contas do Partido no distrito de Lisboa à Assembleia de Militantes do Distrito;

(iv) Abertura de processo de averiguações às contas da campanha autárquica de 2017 de Sintra com apuramento de responsabilidades.

1. Apreciação da regularidade e validade da suspensão de transferências das quotas dos militantes de Sintra;

A participação recebida indica que a CPN, através da SG, suspendeu a transferência de parte do valor de quotas dos militantes da secção de Sintra, invocando um direito de retenção para pagamento de dívida imputada ao partido.

Dívida essa que se reporta à campanha eleitoral para o concelho de Sintra, nas eleições autárquicas de 2017 e que se traduz num montante de € 54.042,56 a três fornecedores (Alargâmbito, Ideias Sucessivas e Effect) em faturas não honradas pela estrutura de campanha à data e alegadamente imputáveis ao PSD.

Dos argumentos da participante

[…]

Da defesa da participada

[…]

Vejamos os argumentos das partes. Não está minimamente controvertido o facto de as transferências relativas às quotas dos militantes de Sintra estarem a ser retidas pela estrutura nacional e utilizadas para pagamento de dívidas de campanha relativas à campanha autárquica de Sintra de 2017. O cerne da questão neste litígio prende-se com a ponderação sobre se essa cativação, no caso concreto de Sintra, é legítima.

Nos termos do Artigo 10.º, n.º 1, alínea c) do Regulamento Financeiro do PSD, ‘a atividade financeira da estrutura nacional do Partido Social Democrata compreende […] a cobrança de quotas dos militantes, transferindo parte desse valor líquido de encargos, quando o orçamento anual do partido não determine de outro modo, para as Comissões Políticas Distritais e […] de Secção, na proporção de 1/3 e 2/3 respetivamente’.

Refere ainda o Artigo 14, n.º 1, alínea c) que ‘a atividade das secções compreende o recebimento de transferências extraordinárias da estrutura nacional e em particular das referentes ao produto da cobrança das quotas dos respetivos militantes’.

Ora a Comissão Política Nacional argumenta, corretamente, que os fundos dos PSD são do partido e não pertencem a nenhuma estrutura em particular autónoma, regional ou distrital. De facto, as comissões políticas de secção (bem como, diga-se, as estruturas de campanha, nomeadamente autárquicas) não dispõem de personalidade jurídica separada do partido nem detêm tão pouco um número de contribuinte. O que não pode a CPN argumentar é que não aprovou (em 9 de julho de 2020) um Regulamento Financeiro do partido que atribui um direito expresso às estruturas descentralizadas a receberem dois terços dos fundos relativos à cobrança das quotas dos militantes e que a atividade das secções compreende o recebimento de transferências referentes ao produto da cobrança das quotas dos respetivos militantes (vide Arts. 10.º, n.º 1, c) e 14.º, n.º 1, c)).

Aliás, bem argumenta a CPN que os ENPSD fixam a competência financeira à CPN que elabora o Regulamento Financeiro do Partido, podendo alterá-lo a qualquer momento, conferindo mais ou menos poder financeiro às estruturas do Partido. Pois, foi precisamente isso que a CPN fez com a aprovação do Regulamento Financeiro em vigor. Com esse ato a direção nacional do PSD decidiu atribuir, salvo disposição em contrário no Orçamento do Partido, um direito às secções de receberem as transferências referentes às contribuições dos seus militantes. Direito esse que cria expectativas legítimas nos órgãos de gestão concelhios e distritais de receberem/contarem com esses montantes para a sua atividade. O que é, diga-se, uma prática da mais elementar justiça e adequação, inclusivamente face à história e tradição do Partido. A CPN usando a sua competência financeira aprovou este regulamento e não outro regulamento qualquer. Não poderia agora vir invocar que as secções não têm direito às transferências correspondentes, sem incorrer em venire contra factum proprium.

Assim, sempre se dirá que não obstante o facto de as estruturas descentralizadas não possuírem personalidade jurídica autónoma do partido, a CPN, no uso da sua prerrogativa, aprovou no Regulamento Financeiro regras que impõem a transferência, nomeadamente para as distritais e secções, dos montantes referentes a parte das contribuições dos respetivos militantes.

Não obstante, e conforme previsto nas disposições citadas, esta regra comporta exceções, nomeadamente as que venham previstas no Orçamento do Partido para esse ano que pode prever cativações por dívidas. Foi o caso, por exemplo, do orçamento de 2020, como invoca corretamente a participada. Nesse Orçamento de 2020 refere por exemplo a CPN que poderão ser determinadas pelo Secretário-Geral cativações de quotas por dívidas ou para grandes eventos do Partido

As exceções à regra citada estão também consubstanciadas no Despacho n.º 11/2018 do Secretário-Geral que, por motivos que desconhecemos, a participada evita referir na sua defesa. O que não deixa de ser bizarro, uma vez que este é um Despacho emitido pela própria participada que versa diretamente sobre o objeto deste litígio e que contém extensa fundamentação para a execução da prerrogativa de cativação de quotas.

Assim, refere o Secretário-Geral no despacho citado que tendo o PSD um considerável passivo transitado de eleições autárquicas desde 2005, tendo o partido sido alvo de injunções, execuções e penhoras de saldos bancários, os fundos de tesouraria do PSD, da Sede Nacional ou das suas estruturas descentralizadas ou com autonomia devem contribuir solidariamente para o cumprimento das responsabilidades existentes.

Não obstante, é o próprio legislador, in casu a Secretaria Geral, que fornece uma interpretação autêntica do alcance da regra em causa. No quinto considerando do referido despacho do SG e nas palavras do referido legislador “as estruturas descentralizadas devem contribuir solidariamente para o cumprimento de responsabilidades, conquanto estas tenham estado envolvidas no processo eleitoral autárquico”. Ora os termos em que a SG estabeleceu a sua regra fundamental para aplicação de cativações não deixa espaço para dúvidas. As secções só podem ser sujeitas a cativações na medida em que tenham efetivamente estado envolvidas no processo eleitoral autárquico, o que como já vimos, no caso das eleições autárquicas em Sintra não sucedeu.

Conforme invocado pela participante, a secção nunca recebeu a circular 2/2017, formulário emitida pela SG aquando das eleições autárquicas, a qual se...

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