Acórdão nº 4185/19.4T8MTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 14 de Julho de 2021

Magistrado ResponsávelJERÓNIMO FREITAS
Data da Resolução14 de Julho de 2021
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

APELAÇÃO n.º 4185/19.4T8MTS.P1 SECÇÃO SOCIAL ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO I.RELATÓRIO I.1 Na presente acção especial emergente de acidente de trabalho, em que é sinistrada B...

e entidade responsável Companhia de Seguros C…, SA, realizada a tentativa de conciliação a que alude o art.º 108.º do CPT, a mesma frustrou-se em virtude da discordância da sinistrada quanto ao resultado do exame médico efectuado pelo INML, considerando-a curada sem qualquer desvalorização.

O acidente de trabalho, sobre o qual houve acordo, consistiu no facto da sinistrada ao pegar num tabuleiro com peru, com cerca de 20 kg, ter sentido uma dor lombar, a qual irradiou para o membro inferior direito.

A sinistrada requereu exame por junta médica, tendo apresentado quesitos para o efeito.

Realizada esta junta médica, por maioria constituída pelos senhores peritos do Tribunal (INML) e da Seguradora, foi considerado que a sinistrada está clinicamente curada, sem qualquer desvalorização.

I.2 Subsequentemente, o tribunal a quo proferiu sentença, concluída com o dispositivo seguinte: -«Termos em que, face ao exposto, e sem necessidade de maiores considerações, condena-se a seguradora a pagar à sinistrada o montante global de 179,24€, acrescido dos legais juros de mora, nos moldes supra expostos.

Fixa-se o valor da acção em 179,24€.

Custas pela sinistrada e pela seguradora, sem prejuízo do apoio judiciário que a primeira beneficia.

Registe e notifique.

Proceda-se ao cálculo do capital de remição.

Notifique.

(..)».

I.3 Inconformada com esta decisão a sinistrada apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito adequados. As alegações foram sintetizadas nas conclusões seguintes: I- Devem ser excluídos dos factos provados os factos descritos em 6, 8 e 9 na parte "e de clínica ... sobreponíveis às atuais". Senão vejamos: II - Os serviços clínicos da Ré atribuíram a fls. 4/5 dos autos uma IPP de 4% à sinistrada.

III - A Ré, após ter tido conhecimento do relatório do INML (com o qual foi junto todos os antecedentes clínicos da sinistrada), a 08/09/2020 na tentativa de conciliação, no fim da fase conciliatória, dizer que “reconhece o acidente supra descrito como de trabalho, o nexo de causalidade entre as lesões descritas nos autos e o acidente, ....”; IV - Pelo que a questão a decidir é da possibilidade, ou não, de se acolher um laudo obtido na Junta Médica realizada posteriormente à realização da Tentativa de Conciliação, em que apesar de referir que a sinistrada sofre tem as lesões constantes em 7 dos factos assentes, não aceita o nexo de causalidade com o acidente. Ora, V - O processo especial, emergente de acidente de trabalho, nos termos do artigo 99.º do C.P.T., inicia-se por uma fase conciliatória dirigida pelo Mª Pº, fase essa que termina com uma tentativa de conciliação. Se a conciliação se frustrar, consignar-se-á, no respectivo auto, os factos sobre que tenha havido acordo, referindo-se expressamente se houve ou não acordo acerca da existência e caracterização do acidente, do nexo de causal e da natureza e grau de incapacidade atribuída (artigo 112º, nº 1 do C.P.T.); VI - Todas as outras questões de facto sobre que ocorreu acordo ficam excluídas de qualquer posterior discussão processual, consideram-se definitivamente assentes para serem apreciadas mais tarde na decisão final (artigo 131.º, n.º1, alínea c) do C.P.T.); VII - Ora, no caso dos autos, a seguradora, já na posse da avaliação do INML e de toda a informação médica da sinistrada, ao declarar na tentativa de conciliação que “aceita o acidente supra descrito como de trabalho, o nexo de causalidade entre as lesões descritas nos autos e o acidente”, aceitou expressamente a existência das lesões descritas pelo perito médico do Tribunal e o nexo de causalidade destas com o acidente, pelo que a discussão residual que podia transitar para a fase contenciosa se resumia ao quantum da incapacidade derivado das sequelas supra identificadas em 7 dos factos assentes.

VIII - Por isso, a resposta dada pela Junta Médica extravasa o âmbito daquilo que então só já interessava averiguar; Já não interessava saber se as lesões sofridas decorrem do acidente porque o nexo de causalidade foi aceite pela Ré.

IX - O tribunal recorrido, por sua vez, ignorando o acordo fixado na tentativa de conciliação quanto ao nexo de causalidade, extravasando o âmbito do que se discute, fixou a incapacidade em 0%.

X - Assim, o Tribunal recorrido, embora pudesse apreciar livremente o resultado das exames periciais dos autos não podia desconsiderar a aceitação da Ré do nexo de causalidade, e deveria ter orientado a intervenção da Junta Médica unicamente no sentido de esta se pronunciar relativamente ao grau de incapacidade da sinistrada dentro dos limites de desvalorização atendíveis de acordo com a TNI, face àquelas lesões; XI - E constatando-se que a Mma Juiz a quo, na sua decisão agora impugnada, tomou por bom o laudo dado por essa Junta, ter-se-á de anular a mesma para que se determine que a Junta Médica se pronuncie, se possível, relativamente ao grau de desvalorização de que o sinistrado ficou a padecer em função das lesões (aliás já assentes na sentença), devendo posteriormente proferir-se decisão de mérito que, ponderando todos os elementos constantes do autos (designadamente os exames médicos singulares e através de Junta), fixe o grau de desvalorização e o valor da causa.

XII - A sentença proferida violou assim o vertido no artigo 131.º, n.º1, alínea c) do C.P.T.).

Termos em que se conclui que deve a decisão proferida ser revogada e consequentemente, ser determinado que a Junta Médica se pronuncie, se possível, relativamente ao grau de desvalorização de que o sinistrado ficou a padecer em função das lesões já reconhecidas na sentença.

I.4 A Recorrida seguradora não veio apresentar contra alegações.

I.5 O Digno Procurador-Geral Adjunto junto desta Relação, emitiu parecer nos termos do art.º 87.º 3, do CPT, pronunciando-se no sentido de poder existir erro na forma do processo, na consideração, no essencial, que aparentemente existe uma predisposição patológica da sinistrada no acidente e existia uma lesão ou doença anterior ao acidente, que os peritos médicos referem. Embora resulte da tentativa de conciliação um aparente acordo quanto à existência e caracterização do acidente como de trabalho e ao nexo de causalidade entre o acidente e as lesões, o certo é que foi a própria que veio quesitar o nexo de causalidade, pelo que ao invés de apresentar requerimento para a realização de exame por junta médica, deveria antes ter apresentado petição inicial.

Nesse pressuposto, refere que havendo erro na forma de processo, nulidade principal e de conhecimento oficioso, poderá ainda ser corrigida, uma vez que, não havendo petição nem contestação, estará ainda em prazo – art.ºs 193º, n.º 1, 196º e 198º, n.º 1, 200º, n.º 2, todos do CPC.

Para a hipótese de assim se não entender, pronuncia-se no sentido de ser dado provimento ao recurso, devendo a sentença em recurso, na Decisão (dispositivo) fixar a natureza e grau de incapacidade.

I.6 Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 657.º n.º2, CPC e determinou-se que o processo fosse inscrito para ser submetido a julgamento em conferência.

I.7 Delimitação do objecto do recurso Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigo 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho] a questão a apreciar consiste em saber se o Tribunal a quo errou o julgamento quanto aos factos 6, 8 e 9, este na parte "(..) e de clínica sobreponível à do mesmo evento (tendo mantido queixas permanentes sobreponíveis às actuais)", ao permitir a discussão do nexo de causalidade entre as lesões e o acidente, aceite na tentativa de conciliação pela seguradora, em violação do disposto no art.º 131.º .º 1, alínea c), do CPT.

  1. FUNDAMENTAÇÃO II.1. MOTIVAÇÃO DE FACTO O Tribunal a quo fixou a matéria de facto seguinte: 1 - a sinistrada nasceu a 11/10/1970; 2 - no dia 18/01/2019, na Póvoa de Varzim, ao pegar num tabuleiro com peru, com cerca de 20 kg, a sinistrada sentiu uma dor lombar, a qual irradiou para o membro inferior direito; 3 - Em consequência de tal acidente, sofreu a mesma as lesões descritas no relatório da perícia médica constante de fls. 160 e ss.; 4 - igualmente sofreu os períodos de incapacidade temporária descritos em tal relatório; 5 - as referidas lesões obtiveram consolidação médico-legal a 16/08/2019; 6 - não resultaram sequelas permanentes de tal evento; 7 - a sinistrada apresenta ainda: a) fenómenos dolorosos na região lombar, com irradiação na nádega direita, constantes, agravando com permanência prolongada em determinadas posições e esforços, com necessidade de tomar medicação analgésica diariamente; b) dificuldade na realização de tarefas da vida diária que envolvam esforços; c) dificuldade na posição ortostática, bem como em pegar em tachos com comida e lavá-los; d) limitação moderada nos movimentos do tronco em relação com queixas álgicas; e) assume sedestação com apoio preferencial à esquerda e decúbito dorsal com discreta; 8 - o quadro descrito no facto anterior é decorrente de patologia anterior a 18/01/2019, designadamente de lombociatalgia que a sinistrada já apresentava; 9 - a sinistrada sofreu já dois episódios anteriores (a 18/12/2017 e a 16/07/2018) ao referido evento, ambos despoletados por esforço e de clínica sobreponível à do mesmo evento (tendo mantido queixas permanentes sobreponíveis às actuais); 10 - à data, a sinistrada exercia funções como ajudante de cozinha sob as ordens, direcção e fiscalização da sociedade “D…, SA”, auferindo uma retribuição anual ilíquida de 9.108,49€; 11 - em deslocações a este tribunal e ao INML, a sinistrada despendeu 50€; 12 - a responsabilidade infortunística laboral decorrente de acidentes de trabalho...

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