Acórdão nº 1892/13.9PBBRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 13 de Julho de 2021

Data13 Julho 2021

Juiz Desembargadora Relatora: Maria Teresa Coimbra.

Juiz Desembargadora Adjunta: Cândida Martinho.

Acordam os juízes desembargadores da secção penal do tribunal da Relação de Guimarães.

I.

No processo especial sumário que, com o nº 1892/13.9PBBRG, corre termos pelo juízo local criminal de Braga foi proferido o seguinte despacho (transcrição): Invalidade do processado e prescrição da pena de multa Nos presentes autos, por sentença transitada em julgado em 04/11/2013, foi a arguida L. L.

condenada na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de €5 (cinco euros), num total de €400 (quatrocentos euros) – fls. 80.

Por despacho proferido em 15/07/2014, a pena de multa foi convertida em 53 (cinquenta e três) dias de prisão subsidiária (fls. 159).

Tal despacho foi notificado à Ilustre Defensora da arguida por via postal registada (fls. 161) e, com vista à notificação da arguida, foi remetida via postal simples com prova de depósito para a morada constante do TIR (fls. 8, 162 e 163).

Por despacho proferido em 19/04/2017, a arguida foi declarada contumaz (fls. 460/461).

Coloca-se a questão de saber se o despacho de conversão da multa em prisão subsidiária foi regularmente notificado à arguida, na medida em que a resposta a tal questão tem consequências ao nível do prazo de prescrição da pena.

Vejamos.

Decorre do art. 113.º, n.º 10 do CPP (correspondente ao anterior n.º 9) que as notificações do arguido podem ser feitas ao respetivo defensor ou mandatário, com exceção das notificações relativas à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coação e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais devem ser notificadas tanto ao defensor ou mandatário como ao arguido.

Não se encontrando o despacho de conversão da multa em prisão subsidiária entre os atos ressalvados no art. 113.º, n.º 10 do CPP, poder-se-ia entender que bastaria a sua notificação ao defensor ou mandatário. Assim não é. Não poderá olvidar-se que «[a] interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo (…), sendo certo, porém, que «[n]ão pode (…) ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal (…)» - art. 9.º, n.ºs 1 e 2 do CC.

O despacho de conversão da multa em prisão subsidiária consubstancia uma modificação relevante do conteúdo decisório da sentença que tem como efeito direto a privação de liberdade do condenado e até se reveste de maior gravidade do que alguns dos atos expressamente incluídos no elenco das ressalvadas do art. 113.º, n.º 10 do CPP.

Os motivos em que radica a exigência de notificação da sentença tanto defensor ou mandatário como ao arguido (necessidade de garantir um efetivo conhecimento do seu conteúdo por parte daquele em ordem a disponibilizar-lhe todos os dados indispensáveis para exercer o direito ao recurso a que alude o art. 61.º, n.º 1, al. i) do CPP) são transponíveis para a notificação do despacho que converte a multa em prisão subsidiária. Na verdade, o despacho que converte a pena de multa em prisão subsidiária opera uma verdadeira modificação na natureza da pena aplicada ao arguido que passa ser uma pena detentiva. Daí que se justifique a sua notificação não apenas ao defensor ou mandatário, mas também ao próprio arguido porque esta forma se mostra mais consentânea com as garantias de defesa que, constitucionalmente, lhe são asseguradas.

Assim, o despacho de conversão da multa em prisão subsidiária, traduzindo uma modificação do conteúdo decisório da sentença de condenação, que tem como efeito direto a privação da liberdade do condenado, deve ser colocado no mesmo plano da sentença condenatória no que se refere ao modo de ser levado ao conhecimento do arguido, sendo sujeito à disciplina prevista no art. 113.º, n.º 10, 2.ª parte, do CPP, ou seja, a sua notificação deve ser efetuada quer ao defensor ou mandatário quer ao arguido.

Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26/04/2012, «(…) apesar de este tipo de despacho não se conter na letra do n.º 9 do art. 113.º do CPP, deve entender-se que tem de ser integrado no núcleo essencial defesa do arguido, sendo de exigir a notificação pessoal de decisões que podem conduzir a uma privação de liberdade como de resto ocorre com a eventual revogação da suspensão da execução da pena.

Na verdade, exigindo o citado preceito a notificação pessoal quando estão em causa garantias patrimoniais e dedução de pedido cível, não se vê como não albergar as hipóteses em que poderá haver lugar a privação da liberdade. Aliás, nestes casos, em que a posteriori a decisão versa sobre a execução da pena de substituição é ainda a sentença condenatória que está presente, tratando-se da sua execução, e portanto, devem estes casos ser considerados como abrangidos pela existência de notificação pessoal – proferido no processo n.º 1302/05.5GBFSNT-B.S1, pelo relator Raúl Borges, in www.dgsi.pt.

Neste sentido também se tem pronunciado a jurisprudência dos Tribunais da Relação (cfr., entre outros, Ac. da RG de 03/12/218, proferido no processo n.º 733/09.6PBGMR.G1, pela relatora Ausenda Gonçalves; Ac. da RG de 17/12/2013, proferido no processo n.º 46/11.3PTBRG-A.G1, pelo relator Fernando Monterroso; Ac. da RG de 04/03/2013, proferido no processo n.º 157/05.4TAPVL.G1, pelo relator Paulo Fernandes da Silva; Ac. da RG de 03/07/2012, proferido no processo n.º 449/98.7PCBRG.G1, pelo relator Fernando Chaves; Ac. da RP de 14/12/2011, proferido no processo n.º 80/10.0PTPRT-A.P1, pela relatora Eduarda Lobo; Ac. da RP de 20/04/2009, proferido no processo n.º 732/06.0PBVLG-A.P1, pelo relator Artur Oliveira; Ac. da RP de 23/04/2008, proferido no processo n.º 0810622, pelo relator João Ataíde; Ac. da RC de 07/03/2012, proferido no processo n.º 334/07.3PBFIG.C1, pelo relator Alberto Mira; Ac. da RE de 28/02/2012, proferido no processo n.º 150/05.7PAOLH-B.E1, pela relatora Ana Barata Brito; Ac. da RE de 20/01/2011, proferido no processo n.º 247/06.6PAOLH-B.E1, pelo relator Sénio Alves, todos in www.dgsi.pt).

A contumácia apenas pode ser declarada quando se conclua que o condenado se furtou dolosamente à execução da pena de prisão (arts. 97.º, n.º 2 e 138.º, n.º 4, al. x), ambos do CEP), o que pressupõe, desde logo, que o mesmo tenha conhecimento de que lhe foi imposta tal pena.

Como se refere no Acórdão da Relação de Évora de 22/04/2008, «[s]ó a partir do trânsito em julgado do despacho que decretou a conversão da pena de multa em pena de prisão, é que o condenado pode ser colocado em cumprimento de pena, ou constatar-se que se eximiu ao cumprimento, abrindo-se então, neste último caso, a possibilidade da sua declaração como contumaz» - proferido no processo n.º 545/08-1, pelo relator Fernando Ribeiro Cardoso, in www.dgsi.pt).

Concluímos, assim, que a declaração de contumácia pressupõe a existência de um despacho de conversão da pena de multa em prisão subsidiária transitado em julgado e que o trânsito exige que o arguido seja notificado desse mesmo despacho, não se bastando a sua notificação ao defensor ou mandatário. Assente a necessidade de notificação do despacho de conversão da multa em prisão subsidiária ao arguido, importa esclarecer a modalidade que a mesma deve revestir, designadamente, e no que ora nos interessa, se basta a notificação por via postal simples ou se a notificação terá que ser pessoal.

A notificação por via postal simples pressupõe que o arguido tenha prestado Termo de Identidade e Residência (TIR) – cfr. arts. 113.º, n.ºs 1, al. c), e 3 e 196.º, n.º 2, al. c), ambos do CPP – e, obviamente, que o mesmo tenha eficácia ao tempo da notificação.

De acordo com o art. 214.º, n.º 1, al. e) do CPP, na redação anterior à Lei n.º 20/2013, de 21/02, o TIR extingue-se com o trânsito em julgado da sentença condenatória, sendo certo que o legislador não admitiu qualquer exceção a essa regra, ao contrário do que sucede quanto à caução, estabelecendo que, quando o arguido vier a ser condenado em prisão, a mesma só se extingue com o início da execução da pena (art. 214.º, n.º 4 do CPP).

Tal significa que, nesse regime, após o trânsito em julgado da sentença condenatória, o arguido deixa de estar vinculado às obrigações decorrentes do TIR, pelo que o despacho de conversão da multa em prisão subsidiária lhe deve ser pessoalmente notificado, não podendo tal notificação ser efetuada por via postal simples. Tem sido este o entendimento da jurisprudência maioritária (cfr. entre outros, Ac. da RG de 03/12/218, proferido no processo n.º 733/09.6PBGMR.G1, pela relatora Ausenda Gonçalves; Ac. da RG de 04/03/2013, proferido no processo n.º 157/05.4TAPVL.G1, pelo relator Paulo Fernandes da Silva; Ac. da RP de 14/12/2011, proferido no processo n.º 80/10.0PTPRT-A.P1, pela relatora Eduarda Lobo; Ac. da RP de 20/04/2009, proferido no processo n.º 732/06.0PBVLG-A.P1, pelo relator Artur Oliveira; Ac. da RP de 23/04/2008, proferido no processo n.º 0810622, pelo relator João Ataíde; Ac. da RC de 07/03/2012, proferido no processo n.º 334/07.3PBFIG.C1, pelo relator Alberto Mira; Ac. da RE de 28/02/2012, proferido no processo n.º 150/05.7PAOLH-B.E1, pela relatora Ana Barata Brito; Ac. da RE de 20/01/2011, proferido no processo n.º 247/06.6PAOLH-B.E1, pelo relator Sénio Alves; todos in www.dgsi.pt).

Não diremos muito para deixar expresso que, no nosso entendimento, a doutrina do Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 6/2010, segundo a...

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