Acórdão nº 15932/16.6T8LSB-A.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Junho de 2021
Magistrado Responsável | ROSA TCHING |
Data da Resolução | 17 de Junho de 2021 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 2ª SECÇÃO CÍVEL *** I. Relatório 1. Por apenso à execução ordinária para pagamento da quantia de € 43 962,99 que a sociedade Santamaro - Empreendimentos Imobiliários Lda instaurou contra a Caixa Geral de Depósitos S.A., apresentando como título executivo, a «GARANTIA BANCÁRIA (Operação n.° 0614.00…19.4…3) », veio esta executada deduzir os presentes embargos, contrapondo que a exequente atuou com abuso de direito ao intentar a execução, por nunca ter informado a executada que o auto de receção provisória da obra já se verificara em 25 de Junho de 2014, o que determinava, nos termos da referida garantia bancária, a imediata redução da garantia para 21 880,78 €; que os sucessivos atrasos de pagamento da sociedade Santamaro S.A. estiveram na origem da declaração de dívida de acordo e pagamento e revogação e que os trabalhos de empreitada foram integralmente executados pela Build Down & Build Up Lda., estando a exequente a acionar a garantia de forma abusiva e ilegal.
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Após a audiência de discussão e julgamento, foi proferida, em 14.12.2018, sentença que julgou os embargos de executado improcedentes e, em consequência, determinou que a execução prosseguisse os ulteriores trâmites legais.
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Inconformada com esta decisão, dela apelou a embargante, Caixa Geral de Depósitos para o Tribunal da Relação ….., tendo o Senhor Juiz Desembargador proferido decisão sumária que julgou procedente a apelação, revogou a sentença recorrida e reduziu para o montante de 21 880,78 €, a garantia bancária a que a recorrente está obrigada a pagar à recorrida sociedade Santamaro - Empreendimentos Imobiliários Lda.
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Desta decisão sumária reclamou a exequente/embargada para a conferência, tendo o Tribunal da Relação .....proferido acórdão que confirmou esta decisão.
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Inconformada com este acórdão, a exequente/embargada Santamaro - Empreendimentos Imobiliários Ldª, dele interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões, que se transcrevem: «A) Entendeu o Tribunal da Relação ….. que “a exequente acionou em violação contratual do clausulado acordado, quando rececionando provisoriamente a obra, ainda que não na totalidade, exigiu o valor máximo de € 43.761,57.”; B) Para o Tribunal da Relação ..... ….., a expressão recepção provisória abrange receção provisória parcial ou total; C) Pelo contrário entende a recorrente que, ao não prever expressamente a possibilidade de redução da garantia bancária com uma mera receção provisória parcial da obra com defeitos, a garantia bancária em causa só determina a redução da garantia quando a obra na sua totalidade é rececionada; D) O objetivo da garantia é não se tendo verificados defeitos na obra, a garantia é reduzida para metade e quando for efetuada a receção definitiva sem defeitos (findo o prazo de garantia de 5 anos) extingue-se; E) Não faz sentido é que, detetando-se defeitos na obra, o empreiteiro e o garante CGD tenham direito a fazer reduzir uma garantia que serve exatamente para garantir a resolução desses defeitos; F) Conforme resulta dos autos, aquando da elaboração do auto de receção provisória, foram detetados vários defeitos que nunca foram resolvidos pela empreiteira; G) De acordo com o entendimento do Tribunal da Relação ....., a ora recorrente teria de suportar a redução da garantia, mesmo recebendo uma obra com vícios que não foram corrigidos pela empreiteira, o que, considera a recorrente, não é o que está estabelecido no texto da garantia bancária; H) Um declaratário normal, medianamente instruído, terá de interpretar o texto da garantia no sentido de que, quando se fala em recepção provisória, é da totalidade da obra e não uma mera parte dela; I) A interpretação do Tribunal da Relação …. não coincide, assim, com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, pudesse deduzir do comportamento do declarante nos termos do nº 1 do artigo 236º do Código Civil; J) Não se vê como possível, que a garantia possa ser interpretada no sentido de que, mesmo havendo defeitos na obra (e por isso a obra não ser recepcionada na totalidade), o garante tenha o direito de ver a garantia reduzida para metade.
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Não existiu verdadeiramente uma recepção provisória.
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Relativamente à receção provisória da obra, estabelece a cláusula 6.2 do contrato de empreitada junto aos autos celebrado entre a exequente (dona da obra) e o empreiteiro que “se na vistoria acima referida, se verificarem deficiências na obra ou em parte dela, que impeçam o seu funcionamento e/ou que não cumpra as especificações do caderno de encargos, no todo ou em parte, será elaborado o respetivo auto, identificando as partes da obra não rececionada, estabelecido os prazos para a eliminação das deficiências detetadas.
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Nos termos da cláusula 6.3 do mesmo contrato, após nova vistoria requerida pelo empreiteiro, que incidirá apenas sobre as partes consideradas defeituosas, e no caso de todos os trabalhos se encontrarem nas condições devidas, se procederá à receção provisória, da qual será lavrado o correspondente auto.
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Em 25 de junho de 2014, aquando da primeira vistoria da receção provisória, foi verificada a existência de diversas deficiências na obra efetuada pela empreiteira e que ficaram ressalvadas pelas partes (doc. n.º 6 junto com a oposição e facto 8) dado como provado); O) A empreiteira BUILD DOWN & BUILD UP, Lda não conclui os trabalhos necessários no referido prazo; P) Nunca foi efetuada a segunda vistoria para finalização da receção provisória; Q) As partes remeteram na cláusula 11.3 do contrato de empreitada para o Decreto-Lei 18/08 (código dos contratos públicos); R) Conforme consta do artigo 395.º n.º 5 do referido código: No caso de serem identificados defeitos da obra que impeçam, no todo ou em parte, a receção provisória da mesma, a especificação de tais defeitos no auto nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 é acrescida da declaração de não receção da obra ou da parte da mesma que não estiver em condições de ser recebida e dos respetivos fundamentos; S) O artigo 395.º n.º 5 do referido código estabelece também que logo que os trabalhos de correcção de defeitos estejam concluídos, há lugar a novo procedimento de receção provisória, o que, aliás, foi exatamente o que ficou definido pelas partes nas cláusulas 6.2 e 6.3 do contrato de empreitada; T) A recorrente procurou concluir a receção provisória da obra, com a reparação por parte da empreiteira dos defeitos existentes e realização de nova vistoria, mas sem qualquer sucesso conforme comunicações remetidas Build Down & Build Up, Lda. e seu legal representante Eng. AA que se juntaram no articulado de contestação dos embargos, pelo que não chegou a existir receção provisória nos termos previstos entre as partes; U) Através da garantia dos autos a recorrida ficou constituída na obrigação de pagar imediatamente, a simples pedido do beneficiário (exequente) sem poder discutir os fundamentos e pressupostos que legitimam o pedido de pagamento, designadamente, nomeadamente sem poder discutir o incumprimento do devedor; V) Conforme tem sido decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça o Banco garante não pode recusar o pagamento a menos que tenha sérios indícios de conduta dolosa, fraudulenta, que evidencia ser abusiva e ilegítima a pretensão do beneficiário; W) Não se vislumbra dos autos a existência clara, inequívoca e manifesta de qualquer má-fé ou abuso de direito, por parte da ora recorrida, ao reclamar o pagamento da quantia inserida na garantia bancária».
Termos em que requer seja julgada improcedente a oposição à execução apresentada pela executada Caixa Geral de Depósitos.
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A executada Caixa Geral de Depósitos respondeu, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões, que se transcrevem: «1. O banco garante pode sempre discutir as exceções que expressamente se encontram previstas no próprio texto da garantia bancária, estando-lhe apenas vedado – no caso de garantias bancárias automáticas, à primeira interpelação, como é o caso – invocar defesa por impugnação ou por exceção fundada na relação jurídica causal que deu azo à emissão da garantia bancária; 2. O texto da garantia bancária sub judice, tal como foi considerado provado pelas instâncias estipula o seguinte: “…válida, por esse montante, até à receção provisória, data em que a beneficiária se obriga a comunicar à CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A., o valor da garantia bancária será reduzido para € 21.880,78, correspondente a 5% do valor da empreitada, permanecendo válido por esse montante desde a data da receção provisória até à receção definitiva.”; 3. No “AUTO DE RECEPÇÃO PROVISÓRIA” – assim livremente denominado por exequente/impugnante e ordenante da garantia – consta expressamente que, “a obra atrás...
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