Acórdão nº 0229/19.8BESNT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 01 de Julho de 2021
Magistrado Responsável | MARIA DO CÉU NEVES |
Data da Resolução | 01 de Julho de 2021 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO 1. RELATÓRIO A…………, residente na Rua ……………., Amadora, intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra (TAF), previamente à acção principal, a presente providência cautelar de suspensão de eficácia do acto administrativo, que lhe aplicou pena disciplinar de despedimento, contra o Município da Amadora, com sede na Avª do Movimento das Forças Armadas, nº 1, Amadora, doravante MA, requerendo: «A) Seja decretada a providência cautelar de suspensão do despedimento imposto ao funcionário da ……………….. da Câmara Municipal da Amadora, A………….; B) Seja declarada a nulidade ou a invalidação da suspensão preventiva imposta ao aludido trabalhador, na medida em que o mesmo não beneficiou do direito de audição, a que imperativamente se reporta o artigo 269º, nº 3 da Constituição Portuguesa; C) Seja declarado nulo ou anular-se o presente processo disciplinar, na medida em que o visado e ora requerente não beneficiou do direito de audição durante a fase de instrução, em violação explícita dos princípios da dignidade da pessoa humana, do Estado de Direito Democrático, da legalidade, da igualdade de armas, do direito à defesa, incluindo o contraditório, direito a uma decisão justa e imparcial e direito à defesa de funcionários públicos (cfr, entre outros, artigos 1º a 3º, 13º, 32º, 266º, 268º e 269º, nº 3, da Constituição Portuguesa; e ainda artigos 73º, nº 2, c) e 5 do Estatuto dos Funcionários Públicos; D) Deve ainda decidir-se, com os elementos indiciários já disponíveis, não ter sido feita prova das acusações deduzidas contra o aqui requerente, tanto mais que ninguém assistiu aos factos descritos, além do visado e do participante; E) A readmissão do trabalhador, ora requerente, ao seu serviço actual, tanto mais quanto o presente processo tem verdadeiramente como escopo o abandono pelo requerente, das funções que actualmente ocupa; F) Mais se requer que seja ponderado que o direito ao trabalho é inalienável, tanto mais por parte de um cidadão com deficiência, protegido nos termos do disposto nos artigos 27º da Convenção relativa a pessoas Deficientes e ao abrigo do artigo 71º, da Constituição Portuguesa; G) Requer ainda que seja ponderado que o artigo 23º, da Declaração Universal dos Direitos do Homem protege o acesso e a manutenção do emprego e do trabalho por parte de qualquer cidadão, não se podendo limitar a capacidade de ganho de qualquer pessoa com base em simples denúncias e participações não comprovadas nem fundamentadas; H) Mais se requer que seja ponderado que o corte de benefícios sociais ao requerente, nomeadamente da prestação de cuidados de saúde por parte da ADSE - somada a uma manifesta quebra de rendimentos - irá colocar o aqui requerente em situação de manifesta debilidade, senão mesmo de pobreza extrema, situação que será de muito difícil, senão mesmo de impossível quantificação e reversão; I) Finalmente, a pretensão do requerente deverá prevalecer em face do invocado interesse público, na medida em que a expectativa do requerente, dada a sua condição de fragilidade, desemprego e de doença, sempre deverá prevalecer, mais não seja porque a pretensão da Administração Pública em prol do despedimento deste funcionário, sempre poderá ser assegurada e efetivada mais tarde, se o aqui requerente vier a perder a acção principal que intentará como dependência do presente procedimento cautelar de suspensão de despedimento».
*Por decisão de 30.04.2019, o TAF de Sintra, decretou a suspensão de eficácia da deliberação disciplinar de despedimento do requerente, tomada pela Câmara Municipal da Amadora, em 23.1.2019 e, complementarmente, decretou também a suspensão do requerente, inibindo o mesmo de comparecer na ……………… e no edifício desta, onde exercia funções e onde os factos imputados ocorreram, até à decisão final da acção principal, se mais não houver, ficando ao critério do Município recebê-lo ou não, ou dar-lhe tarefa funcional adequada noutro serviço.
*O MA apelou para o TCA Sul, e este por acórdão proferido a 18.03.2021, com um voto de vencido, decidiu negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
*O MA, inconformado, veio interpor presente recurso de revista, tendo na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões: «(i) O recurso justifica-se, quer pelo facto de a situação sub judice ter relevância social e revestir importância fundamental a sua apreciação, quer pelo facto de o tribunal a quo ter incorrido em manifesto erro aquando da aplicação do direito, tudo quanto decorre do artigo 150º do CPTA; (ii) A situação presente encerra em si uma questão suscetível de se repetir no futuro, pois versa em saber (i) se se impõe ao Requerente, aqui Recorrido, a prova do fundado receio quanto à produção de danos irreparáveis ou se pode o tribunal substituir-se ao Requerente e socorrer-se do senso comum para o efeito, atendendo que o Recorrido não carreou factos que permitam aferir o seu real rendimento (mediante a junção da declaração de IRS), desconhecendo-se em concreto as despesas mensais, (ii) se o tribunal se pode substituir ao Recorrente e, assim, ao órgão com competência disciplinar, quanto à determinação da medida da pena disciplinar a aplicar e, em concreto, se face à fundamentação subjacente à aplicação da sanção disciplinar de despedimento, a mesma pode ser considerada como desproporcional, ou seja que o Recorrente tenha incorrido em erro manifesto ou grosseiro e (iii) se a não execução imediata da sanção disciplinar de despedimento (pena expulsiva) é ou não suscetível de causar grave lesão ao interesse público, o que determina a sua superioridade em face dos interesses do Recorrido; (iii) Situação, esta, que não pode ser caracterizada como sendo singular, pelo contrário, atendendo à temática, suspensão da eficácia do ato que determina a aplicação de sanção disciplinar expulsiva, e que detém uma relevância jurídica, uma vez que abrange o universo de todos os trabalhadores a quem seja aplicada este tipo de sanção disciplinar, e que exorbita a do caso em concreto; (iv) A isto acresce o facto de o tribunal a quo ter feito uma incorreta interpretação do disposto nos artigos 120º, nºs 1 e 2 do CPTA e 297º, nºs 1 e 3, alínea a), da LTFP, bem como o entendimento jurisprudencial assente quanto à matéria em discussão, mormente no que diz respeito à necessidade de o Requerente demonstrar e provar os factos que consubstancia na verificação do periculum in mora, e ao reconhecimento do poder discricionário ao órgão com competência disciplinar na determinação da sanção disciplinar a aplicar – cfr. voto de vencido do douto acórdão recorrido e douto parecer do Ministério Público; (v) Pelo que, o presente recurso de revista se justifica para uma melhor e igualitária aplicação do direito, pelo facto de o tribunal a quo ter incorrido em erro ostensivo; (vi) Ora, incumbe ao Requerente alegar e provar os factos que permitam concluir pela verificação do periculum in mora, através de factos e circunstâncias determinadas - cfr. doutos Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 22.09.2011, processo nº 7727/11, e do Tribunal Central Administrativo Norte, de 20.05.2011 e 03.05.2013, processos nºs 62/11.5BEPRT e 2565/12.5BEPRT, respetivamente, todos disponíveis em www.dgsi.pt; (vii) Não podendo, por isso, o tribunal substituir-se ao Requerente.
(viii) In casu, o Recorrido alegou de forma genérica, vaga e imprecisa, que se reconduz à alegação da privação de rendimentos, da necessidade de assegurar a sua subsistência e satisfação de necessidades básicas e do não acesso ao sistema de saúde da ADSE; (ix) Alegação vaga e genérica assumida pela douta sentença de fls., e desconsiderado pelo tribunal a quo; (x) Não restam dúvidas que, se executando o ato administrativo que determinou a aplicação da sanção disciplinar de despedimento, que o Recorrido deixa de auferir o vencimento e que deixa de ter acesso ao sistema de saúde da ADSE; (xi) Todavia, este simples facto não demonstra por si a verificação de um prejuízo irreparável e assim a impossibilidade de subsistência do Recorrido, uma vez que se desconhecem os reais rendimentos do Recorrido; (xii) Para o efeito, tornava-se necessário que estivesse provado que o vencimento é o seu único rendimento, e como resulta do probatório, não é.
(xiii) Por outro lado, desconhecem-se as despesas mensais do Recorrido, se é que existem! Refira-se, que instado pelo digno tribunal a juntar os documentos considerados necessários e a esclarecer a existência de outros rendimentos, o mesmo nada fez; (xiv) Ou seja, não foi demonstrado pelo Recorrido que os rendimentos de que dispõe não lhe vão permitir manter o mesmo nível de vida e fazer face às suas necessidades normais, correspondentes ao padrão de vida médio das famílias de idêntica condição social; (xv) Mais se diga que os factos dados como provados não permitem concluir, de forma razoável, pela verificação do periculum in mora.
(xvi) Do probatório resulta que o Recorrido detém um rendimento mensal de pelo menos 746,21 € e não de 186,93 € tal como concluído na douta sentença; (xvii) Pelo que a privação do vencimento in casu não configura um prejuízo irreparável; (xviii) Por sua vez, o douto acórdão recorrido, confirmou a douta sentença, e assim, a verificação do fumus malus iuris quanto à “negação dos factos imputados”, à “nulidade do processo disciplinar” e quanto à “falta de fundamentação” e por sua vez, concluiu pela existência de fumus boni iuris quanto “aos factos invocados pelo ora A., que não teriam sido tidos em conta”, mais concretamente à aplicação da pena disciplinar de despedimento; (xix) Tal como alegado em sede de recurso de apelação, o Recorrido em momento algum invocou no seu requerimento inicial a “inadequação” da pena disciplinar de despedimento; (xx) Ora, o tribunal a quo encontrava-se limitado a decidir quanto às questões que lhe tinham sido submetidas para apreciação e não outras, relativamente às quais o...
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