Acórdão nº 26275/19.3T8LSB.L1-8 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 01 de Julho de 2021
Magistrado Responsável | TERESA PRAZERES PAIS |
Data da Resolução | 01 de Julho de 2021 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa M… S.A.
(antes … S.A. - cfr. certidão de fls. 126 a 130) intentou ação declarativa de condenação, na forma comum, contra N…., S.A.
, pedindo a condenação do Réu nos termos seguintes: A indexar a renda à Euribor mensal, mesmo quando apresente valores negativos, acrescida do spread de 3,50 %; A restituir o capital indevidamente retirado à Autora, que, à data da propositura da presente ação, totalizava a quantia de € 103 306,77 (cento e três mil, trezentos e seis euros e setenta e sete cêntimos), e os correspondentes juros de mora, desde a data em que o Réu retirou o dinheiro até efetivo e integral pagamento, que, até ao dia 15 de novembro de 2019, totalizavam o valor de € 8 599,71 (oito mil, quinhentos e noventa e nove euros e setenta e um cêntimos); A restituir os valores que, entretanto, a Autora se veja obrigada a pagar por errada aplicação da taxa, cujo valor deverá ser calculado de acordo com a soma da Euribor mensal e o spread, acrescidos dos respetivos juros de mora até efetivo e integral pagamento ou, em alternativa, a sua liquidação em execução de sentença ; (...) Bem como nas custas judiciais e no que demais estiver legalmente obrigado.
Alegou factos tendentes a sustentar um incumprimento contratual do banco Réu, no âmbito de contrato de locação financeira imobiliária celebrado com a Autora, na operação de indexação das rendas convencionadas, redundando num cálculo excessivo, na medida em que o banco desconsiderou a circunstância de a Euribor ter descido para valores negativos, desde 19 de Janeiro de 2015, e o montante desse decréscimo não se reflectiu no spread, tal como deveria. Deve o Réu ser condenado a restituir os valores em excesso que a Autora pagou no cumprimento do contrato e que, entretanto, ela se veja obrigada a suportar por errada aplicação da taxa, cujo montante deverá ser calculado de acordo com a somada Euribor mensal e o spread, acrescidos dos respectivos juros de mora, ou, em alternativa, a sua liquidação por via de execução de sentença.
*** Pessoal e regularmente citado, o Réu contestou a acção, com vista à sua total improcedência, por não provada, e consequente absolvição dos pedidos formulados.
Referiu, em suma, que não ocorre qualquer incumprimento pela sua parte, não fazendo qualquer sentido tratar da mesma forma a taxa de referência e o spread, e somar as duas como se fossem uma taxa de juro unitária, por simples cálculo matemático. Na realidade, é necessário ter presente que a Euribor e o spread têm lógicas diferentes e autónomas: os factores que determinam o valor daquela taxa mensal - variável - são distintos dos que condicionam o valor do spread. Este deve ser visto como uma "margem a acrescer" (na terminologia do Decreto-Lei n.° 74-A/2017, de 23 de Junho), mas não como uma componente de uma taxa unitária, sendo o referido spread tendencialmente fixo.
*** Pessoal e regularmente citado, o Réu contestou a ação, com vista à sua total improcedência, por não provada, e consequente absolvição dos pedidos formulados.
Referiu, em suma, que não ocorre qualquer incumprimento pela sua parte, não fazendo qualquer sentido tratar da mesma forma a taxa de referência e o spread, e somar as duas como se fossem uma taxa de juro unitária, por simples cálculo matemático. Na realidade, é necessário ter presente que a Euribor e o spread têm lógicas diferentes e autónomas: os factores que determinam o valor daquela taxa mensal - variável - são distintos dos que condicionam o valor do spread. Este deve ser visto como uma "margem a acrescer" (na terminologia do Decreto-Lei n.° 74-A/2017, de 23 de junho), mas não como uma componente de uma taxa unitária, sendo o referido spread tendencialmente fixo.
Factos apurados 1)-Em 15 de setembro de 2008, a Autora celebrou um acordo escrito intitulado "Contrato de Locação Financeira Imobiliária/Financiamento de Imóvel a Construir", sob a proposta número 2044628, com a entidade B… Leasing e Factoring - Instituição Financeira de Crédito, S.A. (cfr. documento de fls. 24 a 34v, aqui dado por integralmente reproduzido); 2)-No mês de outubro de 2008, a entidade B… Leasing e Factoring Instituição Financeira de Crédito, S.A., foi incorporada, por fusão, no B…, S.A. (…); 3)-No mês de agosto de 2014, a posição do BES foi integralmente transferida para o banco Réu, transmitindo-se, na íntegra, todos os direitos, obrigações e responsabilidades advenientes dos contratos e relações jurídico-bancárias; 4)-O imóvel objeto do contrato é um prédio rústico, com a área de 200.000 m2, composto de olival, solo subjacente cultura arvense em olival, cultura arvense solo subjacente (solo coberto) e cultura arvense, sito no…, freguesia de…, concelho do …, descrito na Conservatória do Registo Predial do …sob a ficha número 841 (oitocentos e quarenta e um), da mencionada freguesia, e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 6-J da freguesia do Entroncamento (cfr. documento de fls. 24 a 34v); 5)-Relativamente às rendas, cuja periodicidade é mensal, ficou acordado que as mesmas "(...) serão indexadas à Euribor Mensal crescidas de um spread de 1,25%" (cf. cláusula VI das condições particulares do contrato, a fls. 25); 6)-Nesse propeto, foi contratualmente fixada uma taxa de juro variável; 7)-Essa taxa de juro, porque variável, resulta da soma do indexante (Euribor) com o spread, que é calculado tendo em conta o risco do crédito, o valor do empréstimo e o valor do imóvel; 8)-Na cláusula décima segunda das condições gerais do contrato (sob a epígrafe "Indexação de rendas"), ficou acordado: "UM — As rendas indicadas nas condições particulares serão indexadas à Euribor, conforme previsto nas condições particulares" (cf. fls. 30); 9)-Em 18 de fevereiro de 2009, foi celebrado um aditamento ao aludido contrato que aumentou o plafond para construção, aumento esse no valor de € 1 700 000,00 (cf. documento de fls. 35v a 38, aqui dado por integralmente reproduzido); 10)-As restantes cláusulas e condições originais mantiveram-se inalteradas; 11)-Em 14 de julho de 2009, foi celebrado outro aditamento ao mesmo contrato que aumentou o financiamento, aumento esse no valor de € 1 000 000,00 (cf. documento de fls. 122 a 123v, aqui dado por integralmente reproduzido); 12)-As restantes cláusulas e condições mantiveram-se inalteradas; 13)-Em 10 de julho de 2012, foi celebrado um novo aditamento ao contrato que alterou o spread acordado (cfr. documento de fls. 38v e 39, aqui dado por integralmente reproduzido); 14)-Em consequência, a mencionada cláusula VI passou a ter a redação seguinte: "As rendas serão indexadas à Euribor Mensal acrescida de um spread de 3,5%" (cf. fls. 38v); 15)-As restantes cláusulas e condições mantiveram-se inalteradas; 16)-Em 20 de novembro de 2017, o referido contrato sofreu um novo aditamento, agora no que concerne ao prazo do mesmo, passando o seu término a ser no dia 2 de maio de 2022 (cf. documento de fls. 39v a 41, aqui dado por integralmente reproduzido); 17)-As restantes cláusulas e condições mantiveram-se inalteradas; 18)-O valor do indexante está dependente da política financeira seguida pelo Banco Central Europeu (BCE); 19)-No mês de março de 2015, o Réu debitou da conta bancária da Autora, por referência ao contrato acima identificado, o montante de € 63 438,87 (cf. documento de fls. 54, aqui dado por integralmente reproduzido); 20)-Nos meses de abril a dezembro de 2015, janeiro a dezembro de 2016, e janeiro a março de 2017, o Réu debitou-lhe a quantia (mensal) de € 63 429,44 (cfr. documentos de fls. 54v a 66, aqui dados por integralmente reproduzidos); 21)-Nos meses de abril a dezembro de 2017, e janeiro a junho de 2018, o Réu debitou-lhe a quantia (mensal) de € 63 430,06 (cf. documentos de fls. 66v a 68v e 70 a 74v, aqui dados por integralmente reproduzidos); 22)-Nos meses de julho a dezembro de 2018, e janeiro a novembro de 2019, o Réu debitou-lhe a quantia (mensal) de € 63 430,36 (cf. documentos de fls. 75 a 83, aqui dados por integralmente reproduzidos); 23)-Tais valores englobam a amortização do capital, os juros, os portes c o IVA aplicado, conforme a tabela constante do documento junto a fls. 84 e 84v (aqui dado por integralmente reproduzido); 24)-O Banco de Portugal pronunciou-se sobre o assunto/temática das "Taxas de juro em contratos de crédito com consumidores e empresas", através da Carta Circular n.° 26/2015/DSC, datada de 30 de março de 2015, afirmando a ideia de proibição de limites à variação do indexante "que impeçam a plena produção dos efeitos decorrentes da aplicação" da regra da indexação a um índice de referência; e acrescentou, ainda, que tais orientações deveriam ser observadas "por todas as entidades habilitadas a exercer, a título profissional, a atividade de concessão de crédito em Portugal, sendo aplicáveis a todos os contratos de crédito e de financiamento celebrados com consumidores e com outros clientes bancários,Incluindo, designadamente, contratos de locação financeira e de factoring" (cfr. documento de fls. 41v e 42); 25)-A Euribor mensal tem apresentado valores negativos desde março de 2015 (inclusive) e, segundo as previsões, assim se manterá nos próximos anos; 26)-Em face desse cenário de valores negativos, e no âmbito do contrato acima identificado, o Réu limita-se a aplicar apenas o spread de 3,5 %, tendo assim chegado aos valores debitados na conta bancária da Autora e discriminados nos pontos 19 a 22 supra; 27)-Insurgindo-se contra a descrita atuação do banco Réu, a Autora enviou-lhe a comunicação/reclamação escrita datada de 25 de fevereiro de 2019, por carta sob registo e com aviso de receção constante de fls. 89 e 90 (aqui dada por integralmente reproduzida); 28)-O Réu respondeu nos termos descritos na sua comunicação escrita de 14 de março de 2019, de fls. 91, e reiterados na comunicação escrita de 11 de junho de 2019, de fls. 91v (aqui dadas por integralmente reproduzidas), opondo-se à aludida reclamação da Autora; 29)-Aí se referiu, entre...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO