Acórdão nº 302/19.2T8MGL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 29 de Junho de 2021

Data29 Junho 2021
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra O Autor intentou a presente ação contra a Ré, pedindo que na procedência da ação seja: - Julgada definitivamente ilegal e abusiva e violadora de direitos a utilização da imagem do Autor por parte da Ré; - Julgado que tal utilização constitui uma lesão grave e dificilmente reparável à manutenção do direito de personalidade, imagem e reserva da intimidade da vida privada do Autor.

- Deve a Ré ser condenada a remover e a destruir os folhetos publicitários/revistas publicitárias “...” de 02 de janeiro de 2019, assim como a remover, do seu website, a fotografia do Autor e todas e quaisquer referências a ele respeitantes.

- Condenada a Ré a não utilizar a imagem do Autor para fins publicitários ou outros de cariz comercial, por qualquer meio, sem a sua obtenção prévia, especifica, negociada e acordada de autorização.

- Deve a Ré, ainda, ser condenada a proceder à entrega de todas as cópias de documentos (cópia do cartão de cidadão, carta de condução, cartão de qualificação de motorista, cartão de condutor (tacógrafo) cartão europeu de saúde, fotografia tipo passe, boletim de vacinas, fotocópia de cartão de cidadão da esposa), que se encontram na sua posse, bem como abster-se de os difundir, divulgar ou publicitar por qualquer forma.

- Deve, também, a Ré ser condenada a pagar ao aqui Autor a quantia de 24.000,00 € (vinte e quatro mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal de 4% desde a sua citação e até integral pagamento.

Para fundamentar as suas pretensões o Autor alegou, conforme consta do relatório da sentença que de seguida se reproduz: ‘... trabalhou para a ré entre os dias 4 de Dezembro de 2018 e 22 de Fevereiro de 2019, data em que acordaram o termo do contrato de trabalho e que no início do mês de Fevereiro de 2019 teve conhecimento de que uma fotografia sua, captada durante o período de formação que efectuou na ré, havia sido colocada numa revista publicitária, designada “...”, pertencente à ré, com uma tiragem ali indicada de 500 exemplares, a qual foi captada, impressa e publicada naquela revista publicitária sem o conhecimento e consentimento expresso do autor, facto de que a ré tinha plena consciência.

Adiantou o autor que até ao dia de hoje aludida revista publicitária permanece em circulação, facto que exterioriza a vontade da ré em fazer perdurar no tempo a divulgação da fotografia do autor, e que dias mais tarde verificou que a mesma fotografia havia sido também afixada no website «www...com/pt/...» e permanece, desde inícios de Fevereiro de 2019 até à data da instauração da acção acessível a qualquer internauta que consulte o referido website, no qual a fotografia foi publicada, novamente, à revelia do autor, sem o seu conhecimento e consentimento expresso.

Mais refere o autor que a ré é um dos maiores grupos ibéricos de transportes, oferecendo serviços de transporte, distribuição e logística em todo o território europeu, tendo, por isso, uma ampla e vasta networking com os mais diversos clientes, razão pela qual a divulgação da imagem do autor, através dos mencionados website e revista publicitária, não se circunscreve apenas ao território português, atravessando fronteiras, impossibilitando o autor de travar ou sequer controlar a aludida divulgação, o que acarreta consequências irreversíveis que jamais poderão ser integralmente reparadas.

Por outra parte, menciona o autor que sempre se pautou por ser uma pessoa muito reservada e discreta, sendo avesso a redes sociais, não tendo, por conseguinte, conta no facebook, instagram, twitter ou qualquer outro website, pois que nunca teve intenção de expor a sua vida nem a sua imagem em qualquer plataforma on-line, acrescentando que é oriundo de famílias de elevado prestígio e consideração no distrito de ..., sendo, inclusivamente, familiar próximo de um ..., sem que, contudo, tenha alguma vez querido obter, com os seus laços familiares, qualquer espécie de relevância mediática.

Afirma o autor que a ré tem conhecimento da origem familiar do autor, pretendendo através da associação da sua imagem à família do autor desenvolver o seu mercado de negócios no distrito de ..., criar uma ligação ainda mais próxima com a cidade e expandir, desta forma, a sua carteira de clientes, sendo que dessa forma o autor vê afectados, ilícita e culposamente, os seus direitos à imagem e à reserva da intimidade da vida privada, o que lhe causou um profundo mau estar e perturbação, sentindo-se vexado, desrespeitado e desconsiderado na sua honra, tanto mais que a ré pretende, unicamente, locupletar-se à sua custa, sendo que depois do termo do vínculo laboral que os uniu jamais pretendeu estar associado à ré.

Acrescenta o autor que em face da utilização da sua imagem por parte da ré tem receio que outros elementos de carácter pessoal por si fornecidos à ré aquando da celebração do contrato de trabalho possam vir a ser por esta também divulgados e difundidos, tanto mais que aquando da celebração do contrato de trabalho a ré ficou na sua posse com cópias de vários documentos, designadamente do cartão de cidadão, da carta de condução, do cartão de qualificação de motorista, do cartão de condutor (tacógrafo), do cartão europeu de saúde, da fotografia tipo passe e do boletim de vacinas do autor e de fotocópia do cartão de cidadão da sua esposa, devendo ser a ré condenada a devolver-lhe tais cópias de tal documentação, bem como a não mais utilizar, difundir ou divulgar, qualquer um daqueles documentos, assim como quaisquer outros que tenha em seu poder.’.

A Ré contestou, concluindo pela improcedência da ação e pela condenação do autor como litigante de má-fé em multa e em indemnização a seu favor, nos termos que constam do relatório da sentença que continuamos a transcrever: ´... como o autor bem sabe, no final do mês de Janeiro de 2019 a ré realizou nas suas instalações uma reportagem fotográfica com o intuito de ilustrar a revista “...”, a qual tem como objetivo divulgar aos seus leitores notícias de relevo e com interesse para o sector dos transportes de mercadorias, bem como as iniciativas e projetos a que a ré se vai dedicando em prol da melhoria do serviço prestado e das condições de trabalho dos seus motoristas, publicação essa sem periocidade regular e que tem um carácter meramente informativo, e não comercial, sem qualquer cariz publicitário, sendo apenas distribuída internamente na empresa e cujo público alvo são os motoristas da ré.

Adianta a ré que para ilustrar a notícia dos bons resultados obtidos com a iniciativa ecodrive adoptada pela empresa, escolheu e publicou em tal revista a fotografia que, durante a supra referida reportagem, havia captado do autor e do colega ..., captação e publicação essas que, como o autor não ignora, fez com o conhecimento e consentimento prévio do autor, tanto mais que no momento que antecedeu a captação da imagem foi transmitido ao autor que as fotografias tiradas seriam publicadas na revista denominada “...” e no site da empresa, tendo o autor compreendido, aceite e consentido em tais factos, mostrando-se, até, encantado com a publicação da sua fotografia.

Nesse sentido, menciona a ré que os direitos à imagem e à reserva da intimidade da vida privada do autor não foram, por qualquer forma, afectados.

Acrescenta a ré que não aufere, nem auferiu, com a referida publicação qualquer proveito económico, nem pretendeu associar a imagem do autor à família deste, designadamente com o intuito de com isso obter algum benefício financeiro, tanto mais que da referida publicação nem sequer consta identificado o nome do autor por forma a que a associação do mesmo a um qualquer seu familiar de prestígio...

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