Acórdão nº 459/21 de Tribunal Constitucional (Port, 24 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução24 de Junho de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 459/2021

Processo n.º 540/2021

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é reclamante A. e reclamados o Ministério Público e B., a primeiro reclamou, ao abrigo do artigo 76.º, n.º 4, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do despacho de 5 de maio de 2021, daquele Tribunal, que não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional.

2. O Ministério Público propôs ação tutelar comum contra B. com vista ao regresso à Alemanha de duas menores de nacionalidade alemã e nascidas nesse país, filhas do requerido e da ora reclamante.

Por sentença de 23 de outubro de 2020, a ação foi julgada procedente, tendo sido ordenado o regresso imediato à Alemanha das duas menores para serem entregues à progenitora.

O requerido interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, julgado procedente por acórdão proferido em 21 de janeiro de 2021.

Inconformada com tal decisão, a ora reclamante dela interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, julgado improcedente por acórdão proferido em 8 de abril de 2021.

Foi então interposto o presente recurso de constitucionalidade, através de requerimento com o seguinte teor:

«A., progenitora das menores e nos presentes autos aqui Recorrente,

Não se conformando com o Douto Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça

Vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional do Douto Acórdão aqui recorrido, nos termos, do art.º 280.° da Constituição da República Portuguesa e art.º 70.° e seg. da Lei Orgânica do Processo do Tribunal Constitucional,

Apresentando as suas Alegações e Conclusões.

1- Instrução.

Surge o presente recurso para este Tribunal Constitucional, uma vez que o Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, veio confirmar o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, o qual veio revogar a Sentença proferida do Tribunal de 1.ª Instância.

Nos termos do artigo 70.° da LTC, o objeto do recurso é sempre a decisão do Mm.º Juiz a quo de aplicar ou não a norma cuja constitucionalidade ou ilegalidade foi questionada (artigo 280.°, n.° 6, da CRP e artigo 71.° da LTC), sendo que o Mm.º Juiz deve conhecer ex officio (independentemente de impugnação pelas partes) a inconstitucionalidade ou ilegalidade de uma norma, não aplicada.

Tendo sido suscitada a violação da Convenção Internacional e as normas do Direito Nacional Português, aliás consagradas Constitucionalmente.

***

- A Inconstitucionalidade do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça.

Verifica-se que o Douto Acórdão aqui recorrido, do Supremo Tribunal de Justiça, com todo o respeito, violou norma expressa o Regime legal - A Convenção sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças, concluída em Haia em 25 de Outubro de 1980, ratificada pelo Estado Português pelo DL n.0 33/83, de 11 de Maio e pela Alemanha, de acordo com o seu artigo 1.°, tem por objeto.

"a) Assegurar o regresso imediato das crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado Contratante ou nele retidas indevidamente;

b) Fazer respeitar de maneira efetiva nos outros Estados Contratantes os direitos de custódia e de visita existentes num Estado Contratante."

De acordo com o disposto no artigo 3.° da referida Convenção: «A deslocação ou a retenção de uma criança é considerada ilícita quando:

a) Tenha sido efetivada em violação de um direito de custódia atribuído a uma pessoa ou a uma instituição ou a qualquer outro organismo, individual ou conjuntamente, pela lei do Estado onde a criança tenha a sua residência habitual imediatamente antes da sua transferências ou da sua retenção e b) Este direito estiver a ser exercido de maneira efetiva, individualmente ou em conjunto, no momento da transferência ou da retenção, ou o devesse estar se tais acontecimentos não tivessem ocorrido .

O direito de custódia referido na alínea a) pode designadamente resultar quer de uma atribuição de pleno direito, quer de uma decisão judicial ou administrativa, quer de um acordo vigente segundo o direito deste Estado.» Nos termos da Convenção, o direito de custódia inclui a) o direito relativo aos cuidados devidos à criança como pessoa e em particular o direito de decidir sobre o lugar da sua residência, enquanto o direito de visitas b) compreende o direito de levar uma criança, por um período limitado de tempo para um lugar diferente daquele onde ela habitualmente reside, (vide artigo 5.°) O artigo 12.° da referida Convenção estabelece que: «Quando uma criança tenha sido ilicitamente transferida ou retida nos termos do artigo 3.° e tiver decorrido um período de menos de 1 ano entre a data da deslocação ou da retenção indevidas e a data do início do processo perante a autoridade judicial ou administrativa do Estado Contratante onde a criança se encontrar, a autoridade respetiva deverá ordenar o regresso imediato da criança. A autoridade judicial ou administrativa respetiva, mesmo após a expiração do período de 1 ano referido no parágrafo anterior, deve ordenar também o regresso da criança, salvo se for provado que a criança já se encontra integrada no seu novo ambiente. (...)» As relações entre pais e filhos são reguladas pela lei nacional comum dos pais e, na falta desta, pela lei da sua residência habitual comum, sendo que, se os pais residirem habitualmente em Estados diferentes, é aplicável a lei pessoal do filho (vide artigo 57.°, n.° 1, do Código Civil).

Caso dos autos no caso sub judice, os progenitores das crianças C. e D. residem em Estados diferentes (a mãe na Alemanha e o pai em Portugal), as menores têm nacionalidade alemã, pelo que, é aplicável a lei pessoal das filhas, ou seja a lei alemã e o Código Civil alemão. Conforme resulta da matéria factual provada nos autos, os pais não estavam (nem estão) casados entre si à data de nascimento das crianças e não apresentaram um pedido de custódia conjunta, pelo que, a progenitora tem a guarda exclusiva das menores, por força do disposto no artigo 1626.° do Código Civil alemão. As responsabilidades parentais compreendem o chamado direito de custódia (exclusivo da mãe), o que abrange não só o direito relativo aos cuidados devidos à criança como pessoa, mas também o direito de decidir sobre o lugar da sua residência. A mãe pretende que as crianças residiam com ela na Alemanha, onde residiram desde o seu nascimento, em 29 de janeiro de 2019 até 11 de dezembro de 2019. Considerando a factualidade provada e supra descrita, a situação dos autos configura uma retenção ilícita, por violação do direito de custódia, atribuído à mãe, de acordo com a lei alemã e, consequentemente, deverá ser ordenado o regresso imediato das crianças à Alemanha, a casa da progenitora.

A pretensão do Digno Magistrado do Ministério Público, em representação do Estado Português, procedeu, em sede do Tribunal de 1.ª Instância. E foi ordenado o regresso imediato à Alemanha das crianças C. e D., para entrega à sua progenitora A..

Nos...

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