Acórdão nº 01283/16.0BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 18 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelFrederico Macedo Branco
Data da Resolução18 de Junho de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* I Relatório O Município (...), devidamente identificado nos autos, tendo vindo a “requerer, como preliminar da ação administrativa que intentará sob a forma da Ação Popular, a intimação a Entidade requerida, na pessoa da Direção Regional da Agricultura e pescas do Centro, a decidir o encerramento provisório e a encerrar provisoriamente a exploração agropecuária da contrainteressadas S., Lda., mais tendo apresentado a correspondente Ação Principal sob a forma de Ação Popular, ambos os processos contra o Ministério da Agricultura, não se tendo conformado com a Sentença proferida em 24 de agosto de 2020, no TAF de Aveiro, na qual se decidiu: “1. Absolvo o Requerido da instância, por se verificar a exceção dilatória de falta de interesse em agir, 2. E, caso assim se não entenda, indefiro a providência requerida, por não se verificar o pressuposto do “fumus boni iuris”, de que depende o seu decretamento e improcedente a presente ação, por não provada”, veio interpor recurso jurisdicional da referida Sentença, em 15 de setembro de 2020, no qual concluiu: “Cap. I – Transversalmente: prova e audiência prévia – Primeiro: 1) Existe óbvia contradição entre o juízo de desnecessidade de (mais) prova contido nos despachos recorridos de 20/11/2019 e de 24/08/2020 e o juízo contido na sentença, a final, para afastar o conhecimento e a procedência da segunda causa de pedir da ação, a da violação do direito ao ambiente.

2) Como é óbvio, os maus cheiros alegados não podem comprovar-se sem o recurso a meios de prova como a prova testemunhal ou a prova pericial, que o Tribunal a quo entendeu não serem necessárias, pois o PA e os documentos juntos aos autos não permitem, naturalmente, a prova de cheiros.

3) O que nos leva a concluir pela nulidade dos despachos e da sentença recorridos, ao abrigo do art. 615.º, n.º 1, al. c), do CPC, ex vi arts. 1.º e 140.º, n.º 3, do CPTA, por contradição entre fundamentos decisórios e decisão, ou até por contradição entre juízos decisórios (aplicação da norma a fortiori), à qual acresce erro de julgamento por violação de lei, mormente dos arts. 118.º e 90.º do CPTA, a impor a revogação das decisões recorridas.

– Segundo: 4) Na sequência do exposto, considerando a evidente necessidade de produção de prova testemunhal (no mínimo) e até pericial, temos que concluir que, afinal, o juízo de antecipação da decisão da causa principal padece de erro de julgamento, pois, ao contrário do decidido pelo Tribunal no despacho datado de 20/11/2019, os autos cautelares não contêm todos os elementos necessários para o efeito, nos termos exigidos pelo art. 121.º, n.º 1 do CPTA.

5) Deste modo, ocorre erro de julgamento, por violação do art. 121.º, n.º 1, do CPTA, que comina de ilegalidade quer a decisão de 20/11/2019 que determinou a aplicação do art. 121.º, quer o despacho de 24/08/2020, quer a sentença recorrida, estes últimos consequentes, a nível processual, daquele primeiro.

– Terceiro: 6) A pronúncia do MP foi perfeitamente desconsiderada pelo Tribunal a quo, que nem sequer a refere no Relatório da sentença, sendo que, também aos olhos do MP, atuando no âmbito dos seus amplos poderes de intervenção conferidos pela LAP, era evidente a necessidade da produção de prova no que diz respeito ao julgamento da segunda causa de pedir da ação – os maus cheiros e a violação do direito dos Munícipes da (...) ao ambiente (cfr. pronúncia a fls. 201 do sitaf, autos principais).

7) Aliás, atentos os fundamentos da sentença, mormente a matéria de exceção, e, assim, que o Ministério Público poderia até, face aos poderes do art. 16.º da LAP, continuar os termos da ação, uma vez que, ainda que tal fosse devido no caso (que, veremos, não é), sobre si não recai a obrigação de dirigir requerimento para a prática de ato devido à Administração, temos mesmo que concluir que os Autos foram decididos à revelia do Ministério Público, que não foi chamado sequer a pronunciar-se sobre a possibilidade de antecipação ao abrigo do art. 121.º, n.º 1, do CPTA.

8) Deste modo, ocorre nulidade processual de todo o processado posterior ao despacho de 20/11/2019, este inclusive, pois que, sem ouvir o MP, o Tribunal a quo determinou a aplicação do art. 121.º ao caso, nos termos dos arts. 195.º e 615, n.º 1, al. d), ambos do CPC, aplicáveis ex vi arts. 1.º e 140.º, n.º 3, do CPTA; 9) Bem como, no mínimo dos mínimos, ocorre nulidade da sentença que decide sem considerar a pronúncia do MP, ao abrigo dos arts. 195.º e 615, n.º 1, al. d), ambos do CPC, aplicáveis ex vi arts. 1.º e 140.º, n.º 3, do CPTA; 10) Para além de que, caso se entenda não existirem as nulidades assacadas, ocorre erro de julgamento que emana das decisões recorridas, por violação dos arts. 118.º, 90.º e 121.º, n.º 1, do CPTA (quanto à prova), a impor a revogação das três decisões recorridas; 11) A que se soma o erro de julgamento por afronta aos arts. 13.º e 16.º da LAP, 9.º, n.º 2, e 121.º, n.º 1, todos do CPTA e dos direitos e interesses substantivos que o MP aqui representava também (arts. 52.º, n.º 3, e 66.º, n.º 1, da CRP), tudo a impor a revogação da sentença recorrida.

12) Erro este, ainda, agravado pelo teor do art. 17.º da LAP, que concede uma especial amplitude ao princípio do inquisitório, com amplos e especiais poderes ao juiz no que diz respeito à recolha da prova nos autos, saindo esta norma, também, violada, sempre no sentido do erro de julgamento e da revogação da sentença.

– Quarto (e por fim): 13) As decisões recorridas padecem também de nulidade por preterição da audiência informada e concretizada que é a plasmada no art. 121.º, n.º 1, do CPTA, e, ainda, de nulidade por preterição da audiência prévia prevista nos n.ºs 1 e 2 do art. 87.º-B do CPTA, ambas ao abrigo do art. 195.º, n.º 1, do CPC, ex vi art. 1.º do CPTA; 14) No mínimo, a entender-se não existirem as referidas nulidades, as decisões recorridas incorrem em erro de julgamento por violação dos arts. 121.º, n.º 1, 87.º-B, n.º 2, do CPTA e, duplamente, do princípio da proibição de decisões-surpresa, já que, para além de ter faltado a audiência informada ao abrigo do art. 121.º, n.º 1, do CPTA, as Partes nunca foram notificadas dos fins concretos a que a dispensada audiência prévia se destinaria, como se exige, jamais podendo, assim, as decisões recorridas manter-se na ordem jurídica.

Cap. II – Do objeto da decisão (sentença) – Primeiro: 15) A procedência da exceção dilatória da suposta falta de interesse em agir, com a consequente absolvição da instância, deixa de imediato prejudicado o conhecimento de qualquer razão de mérito, esgota de imediato o poder jurisdicional do Tribunal a quo, razão pela qual existe nulidade por excesso de pronúncia, de acordo com o art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, ex vi arts. 1.º e 140.º, n.º 3, do CPTA, não podendo a sentença recorrida manter-se na ordem jurídica.

– Segundo, sem nunca conceder quanto ao que vimos de alegar: 16) O Tribunal a quo, tudo misturando e parecendo querer decidir ambas as ações, com uma só decisão, decide, de fundo, numa ótica cautelar, isto é, decide materialmente a ação cautelar, julgando os respetivos requisitos consagrados no art. 120.º do CPTA, mormente o fumus boni iuris, quando não podia fazê-lo ao enveredar pela aplicação do art. 121.º do CPTA, de acordo com o qual se opera a convolação da ação cautelar em ação principal, para decisão da pretensão esgrimida nesta última. Deste modo, a sentença recorrida incorre em erro de julgamento, viola o art. 121.º, n.º 1, do CPTA e não pode manter-se na ordem jurídica.

17) Aliás, uma interpretação do mecanismo do art. 121.º, n.º 1, do CPTA diversa da que fazemos é ilegal e concretamente inconstitucional, por violação do princípio da tutela judicial efetiva (art. 268.º, n.º 4, da CRP), dos direitos processuais especiais previstos em matéria de ambiente e que aqui se aplicam (cfr. art. 7.º, n.º 1, da Lei n.º 19/2014), do direito de ação popular consagrado no art. 52.º, n.º 3, al. a), da CRP e, bem assim, do direito substantivo fundamental invocado nos autos (segunda causa de pedir), que é o direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado plasmado no art. 66.º, n.º 1, da CRP, titulado pelos Munícipes da (...), tudo isto porque se decide a pretensão principal de uma forma perfunctória e sumária e sem as exigíveis garantias, próprias de uma ação principal, quanto ao conhecimento sério e profundo da pretensão.

Cap. III – Da falta de interesse em agir – Primeiro: 18) O Tribunal a quo julgou com fundamento no n.º 1 do art. 67.º do CPTA, como se o n.º 4, al. a), da mesma norma não existisse, quando é precisamente esse o aplicável no caso vertente, uma vez que o encerramento imediato das explorações da Contrainteressada decorre diretamente da lei, em concreto, decorre do art. 8.º, n.º 8 do DL n.º 165/2014; 19) Sendo que, quando a ação principal entrou em juízo (em 17/02/2017), estavam ostensivamente ultrapassados os prazos definidos na norma para a Administração decidir, e, no caso, findos os prazos a que se refere o normativo, diz a lei que a Administração tem de encerrar imediatamente, repetimos imediatamente, a exploração.

20) Acrescendo a isto mesmo, o que torna o erro mais cavado e sério, que o Município alegou isto mesmo, expressamente, por diversas vezes e a vários passos nos processos: nos arts. 36.º a 45.º da pi., a fls. 1 do sitaf dos autos principais; nos arts. 20.º a 22.º da réplica, a fls. 210 do sitaf dos autos principais; nos arts. 47.º a 51.º do ri., a fls. 1 do sitaf dos autos cautelares; entre outros, nos arts. 3.º a 6.º do requerimento a fls. 242 do sitaf dos autos cautelares; no art. 17.º da resposta a fls. 268 do sitaf dos autos cautelares.

21) Nesta conformidade, não existindo dúvidas sobre a natureza direta da ação omitida pela Administração (o encerramento), não se revela necessário levar a efeito o requerimento para a prática de ato devido, sendo...

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