Acórdão nº 02364/20.0BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 18 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Apar
Data da Resolução18 de Junho de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO A. instaurou processo cautelar contra o Município (...), ambos melhor identificados nos autos, pedindo a adoção da providência cautelar de suspensão da eficácia do despacho proferido pelo Senhor Vereador com os Pelouros da Habitação, Coesão Social e Educação da Câmara Municipal (...) que, em 20 de fevereiro de 2020, determinou a desocupação e entrega voluntária da casa sita na Alameda (…), no prazo de 30 dias.

Por sentença proferida pelo TAF do Porto foi julgada improcedente a providência e absolvido o Município do peticionado.

Desta vem interposto recurso.

Alegando, o Requerente formulou as seguintes conclusões: I – A sentença decidiu: “Nos termos e com os fundamentos expostos, julgo totalmente improcedente o presente processo cautelar e, em consequência, absolvo o Requerido, Município (...), do peticionado nos presentes autos.” II - O acto suspendendo é manifestamente ilegal.

III - Essa manifesta ilegalidade do acto suspendendo justifica o decretamento da providência requerida ao abrigo do artigo 120.º do CPTA.

IV - Na verdade, a ilegalidade do acto suspendendo é por demais notória, resultando de vícios de que aquele padece, concretamente vício por violação do Regulamento de Gestão do Parque Habitacional do Município (...), violação do direito à habitação, constitucionalmente consagrado no artigo 65º da Constituição da República Portuguesa, violação do princípio da proporcionalidade e violação do princípio da protecção da confiança.

V - O que implica que a providência cautelar deveria ter sido deferida.

VI - Nos termos do nº 2 do artigo 23.º do Regulamento de Gestão do Parque Habitacional do Município (...), “Constitui obrigação do pretendente à posição de arrendatário comunicar o óbito no prazo de três meses.

VII - Que terminaria a 10 de Abril de 2020.

VIII - O acto aqui em causa é de 20 DE FEVEREIRO DE 2020.

IX - Não podemos olvidar o regime de estado de emergência que vigorou em Portugal, com estes prazos suspensos.

X - Neste tipo de relações arrendatícias (Autarquias locais versus privados de baixa condição económica) as partes não se encontram em pé de igualdade, como se de um contrato “normal” se tratasse.

XI - Pode-se ver, desde logo, pelos poderes ou faculdades, atribuídos aos poderes públicos para despejar via administrativa os inquilinos para a necessária ou urgente prossecução de interesses sociais ou resolver situações de emergência, a possibilidade de utilização de presunções ou outros expedientes para determinar a situação jurídico – económica do arrendatário.

XII - Ora estes poderes violam desde logo o direito à habitação constitucionalmente consagrado, pois coarctam o direito requerente a ter pelo menos uma palavra a dizer para pelo menos exercer o contraditório.

XIII - O Recorrente tem a sua vida orientada para a vivência naquela casa e naquele Bairro, e será retirado sem qualquer explicação válida, obrigando-o a alterar o seu “modus vivendi”. Vai por isso afastá-lo completamente da sua área de vivência.

XIV - O artigo 65° confere a todos, para si e para a sua família, o direito a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar (n° 1), impondo ao Estado determinadas tarefas para assegurar esse direito (n°s. 2, 3 e 4) XV - O Tribunal deve colocar no “prato da balança” os dois interesses contraditórios aqui em causa.

XVI - A consagração de um direito fundamental à habitação não se compadece com soluções que admitam a privação arbitrária, sem fundamento razoável, do direito a uma morada digna.

XVII - O Recorrente sempre fez bom uso da casa e sempre pagou pontualmente a renda.

XVIII - Neste caso, o direito do Recorrente, deve prevalecer.

XIX - O artigo 65º da CRP defende também que no caso da idade avançada do inquilino, o direito à habitação deste, deve prevalecer.

XX - O acto aqui em causa viola o princípio da proporcionalidade.

XXI - O princípio da proporcionalidade é um princípio fundamental e estruturante do Estado de Direito Democrático pelo qual se rege toda a atividade administrativa.

XXII - Como resulta do nº 2 do artigo 266º da CRP, "os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e boa fé".

XXIII - Por sua vez, o nº 2 do artigo 7º do CPA determina que as decisões da Administração que colidam com direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objetivos a realizar.

XXIV - Concretamente, o princípio da proporcionalidade implica a adoção de medidas adequadas, necessárias e equilibradas: adequadas no sentido de que "a medida tomada deve ser causalmente ajustada ao fim que se propõe atingir", ou seja, deve ser idónea aos fins a atingir, necessárias porque "dentro do universo das abstratamente idóneas, a que lese em menor medida dos direitos e interesses dos particulares". Por fim, pelo requisito de equilíbrio das decisões, exige-se que "os benefícios que se esperam alcançar com uma medida administrativa adequada e necessária suplantem, à luz de certos parâmetros materiais, os custos que ela por certo acarretará" (Cfr. Freitas do Amaral, in Ob.

cit., pp. 129 a 131).

XXV - Em suma, o que se exige é uma ponderação entre os fins que se visam atingir com a medida e as consequências que a mesma acarretará, adotando-se aquela que terá menor impacto na esfera dos seus destinatários.

XXVI - Ora, in casu, o acto é claramente desproporcionado comparativamente com as consequências que do mesmo resultam para o Recorrente.

XXVII - Desde logo, em virtude de um argumento formal, o autor do acto deveria ter ponderado a realidade subjacente, de modo a, fundamentadamente, concluir pela adopção de uma medida menos gravosa (sub - princípio da necessidade).

XXVIII - E essa medida nunca passaria - sobretudo, atendendo aos valores e interesses envolvidos - pela adoção da "pesada" sanção de desocupação.

XXIX - É por isso claramente desproporcional, não apenas do ponto de vista dos requisitos da adequação e da necessidade, mas também, e em particular, por violação do princípio da proporcionalidade em sentido estrito.

XXX - Além das ilegalidades referidas, o ato impugnado é ainda inválido por ofender os princípios da boa-fé e da confiança legalmente consagrados no artigo 10º do CPA.

XXXI - O princípio da boa-fé, enunciando no artigo 10º do CPA, é de aplicação geral e vincula não só os particulares como a própria Administração.

XXXII - Dele resulta que a Administração está vinculada a comportamentos éticos, isto é, a condutas coerentes, não contraditórias com os procedimentos que ela própria aceitou e apoiou.

XXXIII - E ao promover a desocupação, está a ferir gravemente aquele princípio.

XXXIV - O deferimento de providência cautelar conservatória, como a suspensão de eficácia de acto administrativo, depende da verificação cumulativa dos requisitos seguintes: (i) haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal (periculum in mora); (ii) não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão a formular nesse processo principal (fumus boni iuris).

XXXV - No que respeita ao critério do periculum in mora, o mesmo determina que a providência deve ser concedida se, face à sua não concessão, se vier a verificar uma situação de facto consumado insusceptível de alteração e reparação para os interesses que as requerentes visam assegurar no processo principal. (cfr. neste sentido, Ac. do TCA Sul, de 27.05.2005, proferido no Proc. n.º 00935/05, in www.dgsi.pt) XXXVI - Ou seja, a providência deve ser concedida se, face à sua não concessão, se vier a verificar uma situação de facto consumada insusceptível de alteração e reparação.

XXXVII - É precisamente o que se verifica no caso sub judice, porquanto, o facto do acto em questão determinar a desocupação do locado e consequentemente, a cessação, de imediato, do direito à habitação, implica, obviamente, o cessar da vivência desta pessoa já bastante enraizada e que num determinado momento deixa de existir.

XXXVIII - Ora, de facto, o acto suspendendo acarreta enormes prejuízos de natureza patrimonial, que mais do que de difícil reparação, são claramente irreparáveis, para o Recorrente.

XXXIX - É bastante claro que toda esta situação já está a criar uma série de ansiedades por parte do Recorrente. Situações que não devem ser esquecidas, pois pelo menos o dano não patrimonial está aqui presente. Esta pessoa tem um património sócio – cultural que não deve ser olvidado e precisa desta casa que agora habita! XL - Face ao exposto, tem de se considerar preenchido o (primeiro) requisito do periculum in mora de que depende o decretamento da providência cautelar.

XLI - Impondo-se, por isso, o decretamento do pedido de suspensão de eficácia do acto suspendendo, de modo a evitar uma ulterior situação de impossibilidade de restabelecimento da situação que existiria se não ocorresse a proposta que agora se impugna.

XLII - Nas providências cautelares do tipo conservatório, como a presente, a exigência do fumus boni iuris quanto às condições de interposição da acção ou pressupostos processuais dispensa a convicção da probabilidade do acolhimento da acção, bastando um juízo negativo de que “não seja manifesta” a falta de requisitos de natureza processual impeditivos de conhecimento do mérito (Cfr. neste sentido, Ac. do TCA Norte, de 07.12.2005, proferido no Proc. n.º 01502/04.5BEPRT, in www.dgsi.pt).

XLIII - Deste modo, mesmo que não estejamos perante uma situação de máxima intensidade do fumus boni iuris, como se defende e determina a sujeição do presente caso ao nº 1 do artigo 120.º...

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