Acórdão nº 0219/13.4BEAVR de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 23 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelJOSÉ GOMES CORREIA
Data da Resolução23 de Junho de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1. – Relatório Vem interposto recurso jurisdicional por Z……………………..

e X…………………….

, com os demais sinais dos autos, em representação da extinta sociedade “V………………. – SOCIEDADE COMERCIAL DE PAPELARIAS LDA.”, visando a revogação da sentença de 21-01-2021, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que julgou totalmente improcedente a impugnação que apresentaram contra os atos de liquidação de retenção na fonte de IR n.º 2012 6410000921 e de juros compensatórios n.º 2012 00002062990, num total de €34.142,80.

Inconformados, nas suas alegações, formularam os recorrentes Z…………..

e X……………..

as seguintes conclusões: “1ª) Contrariamente ao que foi decidido na Sentença recorrida, é manifesto que as liquidações impugnadas padecem de ilegalidade decorrente de pressuporem como sujeito passivo de imposto uma entidade que, na data em que foram efectuadas tais liquidações, já havia sido extinta – e que, assim, para além de ter deixado de ter personalidade jurídica, também já havia deixado de ter personalidade tributária.

  1. ) No caso das pessoas colectivas, e em particular no que respeita às sociedades comerciais, a extinção da respectiva personalidade jurídica ocorre com o registo do encerramento da liquidação, extinguindo-se nesse momento, igualmente, a sua personalidade tributária, conforme resulta, a contrario, do disposto no art. 2º do CIRC.

  2. ) A partir da realização desse registo, deixa de existir pessoa colectiva, e, consequentemente, deixa igualmente de existir, em termos jurídico-tributários, a pessoa que era sujeito passivo de imposto, uma vez que, nesse caso, a extinta sociedade, ex vi dessa extinção, não mais pode ser sujeito de relações jurídicas tributárias.

  3. ) As relações jurídicas (entre as quais, as tributárias) de que a extinta sociedade era titular subsistem, considerando-se a mesma substituída pela generalidade dos sócios (assim acontece, designadamente, no que respeita às acções em que a sociedade seja parte) e passando estes a ser responsáveis, forma ilimitada e solidária, pelas dívidas de natureza fiscal ainda não exigíveis à data da dissolução da sociedade.

  4. ) A partir de 30/12/2011 – data em que foi efectuado o registo da sua dissolução e do encerramento da respectiva liquidação – a sociedade “V……………., LDA.” deixou de existir, pelo que, de forma distinta do que foi considerado na Sentença recorrida, não mais poderia ela ser sujeito passivo de imposto ou sujeito de qualquer relação jurídica, tributária ou de qualquer outra natureza.

  5. ) Em consequência, os actos de liquidação impugnados, que, em 25/10/2012, tiveram como destinatário ou sujeito passivo a sociedade “V………………., LDA.”, que havia sido extinta em 30/12/2011, são nulos, por falta de elementos essenciais no que respeita à pessoa do destinatário, tudo nos termos art. 133º-1 do CPA, na redacção então em vigor.

  6. ) De todo o modo, os actos sempre seriam nulos por impossibilidade do objecto, ao abrigo do disposto no referido artigo 133º-2/c do CPA.

  7. ) Sendo os actos nulos, não produzem quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade (cfr. art. 134.º-1 do CPA, e art. 162.º-1 do NCPA), podendo a nulidade ser invocada a todo o tempo por qualquer interessado e podendo, também a todo o tempo, ser conhecida por qualquer autoridade e declarada pelos tribunais administrativos ou pelos órgãos administrativos competentes para a anulação (cfr. art. 134º-2 do CPA e art. 162º-2 do NCPA).

    Sem conceder, 9ª) Ainda que o indicado vício dos actos impugnados não gerasse a nulidade destes (no que não se concede e por mera cautela se refere), sempre esses actos seriam anuláveis, por ilegalidade consubstanciada em falta de verificação dos respectivos pressupostos legais.

  8. ) Uma vez que, por um lado, as normas de incidência positiva de imposto (na vertente da incidência pessoal/subjectiva) constituem um pressuposto da tributação, e, por outro lado, as liquidações em causa consideraram como sujeito passivo de imposto uma sociedade comercial que, na data em que tais liquidações foram efectuadas (25/10/2012), já não existia, verifica-se que essas mesmas liquidações padecem de manifesta ilegalidade, por violação do disposto, v.g.

    , nos arts. 15º e 18º-3 da LGT, no art. 2º do CIRC, e nos arts. 147º-2 e 163º do CSC.

  9. ) A chamada à colação do instituto da representação da extinta sociedade pelo seu ex-sócio também não teria fundamento legal, desde logo porque, sendo a existência jurídica da pessoa do representado como centro de imputação de efeitos jurídicos pressuposta por esse instituto, no caso sub judice inexistia essa pessoa jurídica do representado.

  10. ) O afastamento do instituto da representação decorre ainda de, fazendo parte desse instituto a possibilidade de o representante renunciar a essa representação, os ex-sócios da sociedade extinta não poderem renunciar ao respectivo estatuto, o que resulta de eles não serem os seu representantes mas sim os seus substitutos ou sucessores, a título definitivo e por imposição legal, na titularidade das relações jurídicas das quais a sociedade era sujeito no momento da sua extinção.

    Ainda sem conceder, 13ª) Contrariamente ao alegado no RIT em que se fundamenta a liquidação de imposto impugnada e ao que foi considerado na Sentença recorrida, não existe fundamento legal para que, sem mais, a AT pudesse ter imputado aos sócios da sociedade extinta, “na proporção das suas quotas”, o valor do crédito que alegou que essa sociedade extinta detinha sobre outra, quer porque esse crédito não existia quer porque, em todo o caso, nunca o mesmo poderia ser considerado como um rendimento sujeito a tributação nas mãos dos ex-sócios da sociedade extinta, e muito menos, não tendo havido qualquer partilha após a dissolução e liquidação da mesma, sem que ele fosse pago ou colocado à disposição desses mesmo ex-sócios.

  11. ) No caso de, à data da dissolução de uma sociedade, existir activo respeitante a dívidas de clientes cujo esforço de cobrança se afigura moroso e complexo, nada obsta a que a sociedade seja imediatamente extinta, ficando por partilhar esses bens.

  12. ) Do art. 164º do CSC resulta que os bens que não foram partilhados – e que, por isso, se mantêm numa situação de indivisão – pertencem aos sócios, competindo aos liquidatários propor a partilha adicional, reduzindo esses bens a dinheiro na hipótese de não ser unanimemente acordada a partilha em espécie.

  13. ) Ora, no caso em apreço, sem que, para tanto, tivesse fundamento legal, a AT ficcionou, presumiu, um activo inexistente e uma partilha do que alegou serem “benefícios económicos futuros incorporados num activo”, apesar de, não tendo esses alegados benefícios existência real, não poderem fluir para qualquer entidade, e, de todo o modo, não ter havido deles qualquer partilha.

  14. ) Com efeito, na falta de quaisquer elementos que lhe permitissem concluir pela respectiva partilha e não tendo a mesma ocorrido, nunca poderia a AT ter considerado que esses alegados “benefícios económicos futuros” foram partilhados ou, por falta de fundamento legal para tanto, ter presumido essa partilha para efeitos de concluir pela existência de um rendimento tributável distribuído aos sócios da extinta sociedade.

  15. ) Assim, tendo-se mantido o alegado crédito que pela AT foi considerado como benefício económico futuro, após a extinção daquela sociedade, numa situação de indivisão entre os respectivos sócios, sem que tivesse havido partilha, nunca o alegado “valor atribuído aos sócios em resultado da partilha” (objecto de ficção pela AT) poderia ser sujeito a retenção na fonte a título de IRS como se a partilha desse valor tivesse sido realmente efectuada.

  16. ) Assim, contrariamente ao alegado pela AT e sufragado pela decisão recorrida, no caso em apreço não foi pago ou colocado à disposição dos sócios da “V…………………, LDA.” qualquer rendimento susceptível de retenção na fonte.

  17. ) Resultando do art. 34º da LGT, a contrario, que a retenção na fonte não incide sobre quaisquer benefícios económicos futuros, mas antes sobre concretos rendimentos pagos ou colocados à disposição do respectivo titular, na falta de qualquer outra norma especial que determinasse noutro sentido, não poderia haver lugar, no caso sub judice, à retenção na fonte sobre esses benefícios económicos futuros alegados no RIT.

  18. ) Sendo certo que só por erro a AT pode ter considerado que, no activo por ela alegado (mas realmente inexistente), se encontravam incorporados “benefícios económicos futuros incorporados”, verdade é que, ainda que esse activo existisse (no que não se concede), nunca o mesmo poderia ser considerado como um rendimento sujeito a tributação nas mãos dos ex-sócios da “V…………….., LDA.”, e muito menos, não tendo havido qualquer partilha após a dissolução e liquidação da mesma, sem que ele fosse pago ou colocado à disposição desses mesmos ex-sócios.

  19. ) Pelo exposto, não se verificando os pressupostos de facto descritos no tatbestand das concretas normas citadas no RIT e a que é feita alusão na Sentença recorrida, ou seja, das normas dos arts. 5º-2/i e 7º-1-3/a/2 do CIRS, na redacção vigente à data dos factos, ou de quaisquer outras que pudessem dar origem à ocorrência do facto tributário pressuposto pela liquidação de imposto impugnada, essa liquidação encontra-se enferma de ilegalidade, por manifesto erro nos respectivos pressupostos, pelo que a mesma deveria ter sido anulada pela decisão recorrida.

  20. ) Contrariamente ao alegado na Sentença recorrida, do Acórdão do STA por ela citado (que se pronuncia unicamente sobre o que deve ser entendido como “activo superveniente” para efeitos do disposto no artigo 164º do CSC) não decorre qualquer “entendimento que, ressalvadas as especificidades dos casos concretos, permite ramificações passíveis de serem estendidas para o caso concreto”, não se descortinando nele qualquer ponto de sustentação para a parte da Sentença recorrida a propósito da qual...

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