Acórdão nº 2255/19.8T8FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 17 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelMATA RIBEIRO
Data da Resolução17 de Junho de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA S…, Lda, intentou ação declarativa com processo comum contra M…, ma… e Herança de J…, a qual corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro (Juízo Central Cível de Faro – Juiz 1), tendo o litígio por objeto um contrato promessa de arrendamento de dois prédios (um rústico e outro urbano), celebrado entre as partes, que a autora alega ter sido incumprido definitivamente pelas rés, pelo que peticiona a condenação das mesmas no pagamento da quantia de € 52 000,00 equivalente ao sinal em dobro, acrescida de juros de mora.

Citadas as rés, veio a ré Ma… contestar, arguindo a ilegitimidade passiva por preterição de litisconsórcio necessário (intervenção de todos os herdeiros na ação) e defender inexistir incumprimento definitivo do contrato promessa e como tal não estarem verificados os pressupostos para resolução do contrato promessa, concluindo pela improcedência da ação.

Foi admitida a intervenção principal provocada de J…, A…, requerida pela autora, que passaram a intervir na posição de réus.

Realizada audiência final, foi proferida sentença “julgando improcedente a ação e absolvendo os réus/intervenientes do pedido”.

* Irresignada com a sentença, veio a autora interpor o presente recurso e apresentar as respetivas alegações, terminando por formular as seguintes conclusões, que se transcrevem: A.

Vem o presente recurso de apelação interposto da sentença que, julgando a ação totalmente improcedente, absolveu os Réus e intervenientes do pedido de condenação no pagamento de sinal em dobro fundado no incumprimento definitivo do contrato-promessa de arrendamento celebrado.

B.

Sucede que, com o merecido respeito, a Recorrente considera que, em face da factualidade trazida ao processo e dada como provada, andou mal o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, estando a decisão ferida de um erro de julgamento, por considerar a Recorrente que existe contradição entre a matéria dada como provada (premissas) e a consequente conclusão, em evidente violação de um silogismo lógico.

C.

Desde logo porque as partes convencionaram na Cláusula Terceira do contrato-promessa, uma cláusula resolutiva expressa, como se retira do teor da mesma através de um simples silogismo lógico: a.

Premissa maior: “1. Os prédios prometidos arrendar carecem de alterações na sua situação jurídica, nomeadamente de legalização de todas as construções que se encontrem edificadas” b.

Premissa menor: “2.

As PROMITENTES SENHORIAS comprometem-se a legalizar a situação dos prédios” c.

Conclusão: “3. Decorridos que esteja seis meses – ou o prazo resultante da prorrogação prevista na cláusula anterior – sem que a legalização dos prédios se mostre concluída, (…), estas devolverão em dobro à PROMITENTE INQUILINA os montantes pagos a título de sinal.

” D.

Com efeito, o não cumprimento de tal obrigação, daria, imediatamente origem à resolução do contrato, mormente, à restituição do sinal em dobro. Ora, E.

Se ficou provado [nos factos 16 e 20 da factualidade dada como provada] que (i) as Recorridas reconheceram que existiam edificações que careciam de legalização, que (ii) se obrigaram a legalizar tais edificações e que (iii) edificações existentes no prédio se encontram por legalizar, e se, por outro lado, (iv) ficou evidenciado que as Recorridas nunca iriam cumprir com a obrigação a que contratualmente se vincularam, então, por inerência (v), não havia que alegar – como consta da douta sentença recorrida - que o atraso no processo de licenciamento fosse imputável às rés, habilitando, desde logo a Recorrente no direito a reclamar as consequências da declarada recusa no cumprimento, já que, também ficou provado que “21. A Câmara Municipal de Tavira emitiu informação de que não existe qualquer pedido de licenciamento ou legalização das edificações existentes no prédio em causa.

” F.

Assim, deveria o Tribunal a quo ter reconhecido como válida a declaração de resolução do contrato, uma vez, as partes, de acordo com o princípio da autonomia da vontade, convencionaram o direito de resolver o contrato, isto é, se a obrigação de legalização das edificações não fosse cumprida conforme o estipulado contratualmente, a outra parte teria o direito de declarar imediatamente a resolução do contrato - como, aliás, fez a Recorrente -, e a peticionar a restituição do sinal em dobro, consequência que resulta da letra do contrato.

G.

Posto isto, não será despiciendo evidenciar que as Recorridas não pretendiam cumprir com a obrigação com que se comprometeram contratualmente, tal como resultou de toda a sua postura trazida aos Autos, e inclusivamente, afirmado em sede de Contestação apresentada pela Ré Recorrida.

H.

Ou seja, independentemente de qualquer prazo que estivesse em curso para o efeito, as Recorridas negaram-se, expressa e determinantemente, a cumprir com a obrigação de legalização prévia das edificações existentes que careciam de legalização, sendo irrelevante que ainda estivesse em curso qualquer prazo prorrogado por tempo indefinido diante da declaração antecipada de não cumprir (uma vez que exprime uma vontade de não querer cumprir), diante da qual se vence imediatamente a obrigação, o que gerou, sem necessidade de interpelação [que, à cautela, foi remetida à parte inadimplente], uma constituição automática em mora, equivalendo a declaração de recusa a um incumprimento, legitimando, desde logo, a resolução do contrato.

I.

Se o devedor declara antecipadamente não estar disposto a cumprir a obrigação que assumiu, ou se adota um qualquer comportamento que revela inequívoca ou categoricamente a intenção de não cumprir a prestação (como o fizeram as Recorridas), incorre desde logo em incumprimento, a qualificar como definitivo, ficando a Recorrente automaticamente legitimada a resolver o contrato, não tendo de esperar pelo vencimento da obrigação (ou, no limite, havendo já mora do devedor, fica liberto da compulsão de transformar a mora em incumprimento definitivo habilitante da resolução).

J.

Acresce que, tal como sublinhou, e bem, o Tribunal a quo, a obrigação incumprida não foi a obrigação típica e principal do Contrato-promessa (que é a celebração do contrato definitivo), mas sim uma obrigação secundária que as partes consideraram essencial.

K.

Com efeito, e de todo o modo – ainda que as partes não tivessem expressamente previsto as consequências para o incumprimento desta obrigação secundária no n.º 3 da Cláusula Terceira do Contrato –, sempre seria de concluir que, em face da relevância e essencialidade que as partes lhe atribuíram [podendo ser, inclusivamente, lida como um condição prévia à celebração do contrato definitivo], o incumprimento de tal obrigação, evidenciado pela recusa no cumprimento da mesma, intitulava a Recorrente a resolver o contrato como o fez.

L.

Ademais, e na senda das conclusões anteriores, a essencialidade e natureza de “condição prévia” à celebração do contrato prometido, resulta evidente não só da leitura do texto do contrato, como também resulta da sua própria economia, M.

Ou seja, as partes estipularam (e essa intenção resulta clara), desde logo, que o incumprimento (ou, naturalmente, a recusa no cumprimento) da obrigação de legalização das edificações existentes que carecessem dessa legalização [ainda que tal não fosse a obrigação final/principal do contrato promessa] daria origem à resolução do contrato, mormente, à restituição do sinal em dobro, o que, só por si, denota a sua essencialidade, sem necessidade de produção de prova adicional.

N.

Por seu turno, a essencialidade do cumprimento de tais obrigações para a Recorrente, na vontade de celebrar o contrato definitivo, também decorre da análise à própria economia do contrato, uma vez que, sendo incumprida a obrigação de legalização /demonstração de conformidade das edificações existentes, o contrato prometido não tinha condições para ser celebrado, logo, o seu incumprimento determinaria, de forma automática, o incumprimento definitivo da obrigação de celebrar o contrato definitivo.

O.

Esta obrigação intermédia /secundária (legalização de todas as construções que se encontram edificadas no prédio misto, alteração de finalidade do prédio urbano, obtenção de certificados energéticos e retificação de áreas) era, portanto, essencial e indispensável para a celebração do contrato definitivo, pelo que o incumprimento definitivo da obrigação intermédia justificou, automática e objetivamente, a perda de interesse da Recorrente na celebração do contrato definitivo.

P.

Em suma: para que a Recorrente lograsse, no futuro, em obter a licença de exploração para atividade na zona da maternidade necessitava de levar a cabo obras; tais obras necessitariam de ser licenciadas; tal licenciamento pressupunha a legalidade das edificações existentes, cuja demonstração e conformidade as Requeridas assumiram contratualmente, em sede de contrato promessa, junto da Recorrente.

Q.

Ademais, o todo o investimento da Recorrente a realizar aquando da...

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