Acórdão nº 397/21 de Tribunal Constitucional (Port, 07 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução07 de Junho de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 397/2021

Processo n.º 382/21

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. No âmbito dos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Évora, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, o primeiro veio, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), interpor recurso da decisão proferida por aquele Tribunal no dia 23 de fevereiro de 2021, que negou provimento aos recursos interpostos pelo arguido dos despachos proferidos no Juízo de Instrução Criminal de Setúbal nos dias 22 de setembro de 2020 e 1 de outubro de 2020. O primeiro ordenou a notificação do arguido para se pronunciar sobre a declaração de especial complexidade do processo requerida pelo Ministério Público. O segundo indeferiu o requerimento apresentado pelo arguido relativamente ao primeiro, requerimento onde o arguido invocou a irregularidade da referida notificação, por lhe não terem aí sido comunicados os fundamentos para tanto invocados e não poder, consequentemente, pronunciar-se sobre eles.

2. O recurso de constitucionalidade – interposto conjuntamente por vários arguidos mas admitido apenas no tocante ao ora recorrente (cf. a fl. 107 dos autos) – apresenta o seguinte teor:

«(...)

[E]m sede de recurso para o Tribunal da Relação, os recorrentes suscitaram a seguinte inconstitucionalidade:

"Nessa medida, os despachos proferidos em 22.09 e 01.10 violaram a obrigatoriedade legal de audição do arguido consagrada no artigo 215º, nº 4, do Código de Processo Penal, os princípios da igualdade de tratamento e de concessão de oportunidades de intervenção no processo, bem como os princípios constitucionais das garantias de defesa, do contraditório e do direito a um processo justo e equitativo, consagrados nos artigos 20.º, n.º 1 e 4 e 32.º, n.º 1; 2 e 5 da Constituição da República Portuguesa.

Interpretação diversa, no sentido de que o despacho que determina a notificação dos arguidos para se pronunciarem sobre a declaração de excecional complexidade requerida pelo Ministério Público não tem de ser acompanhada dos concretos fundamentos por aquele apresentados, viola as normas constantes nos artigos 215.º, n.º 4 do CPP, e nos artigos 20.º, n.º1 e 4 e 32.º, n.º1; 2 e 5 da Constituição da República Portuguesa.

A interpretação da norma do artigo 215.º, n.º 4 do CPP, segundo a qual se entenda que a notificação dos arguidos para se pronunciarem sobre a declaração de excecional complexidade requerida pelo Ministério Público não tem de ser acompanhada dos concretos fundamentos por aquele apresentados, inquina de inconstitucionalidade material a referida norma por contender com o estatuído nos artigos 20.º, n.º 1 e 4 e 32.º, n.º 1; 2 e 5 da Constituição da República Portuguesa."

O douto acórdão recorrido dirimiu esta questão com os seguintes argumentos:

Aliás, tal restrição quanto ao contraditório extrai-se com apoio no n.º 5 do art. 32.º da CRP, na medida em que a exigência de que assim não seja só sucede em audiência de julgamento e em atos instrutórios que a lei determine, sendo certo que, segundo o n.º 3 do art. 20.º da CRP, também o segredo de justiça goza de proteção constitucional.

Todavia, não se descura que, na situação aqui em análise, o despacho que determinou a notificação, e como os recorrentes alegam, foi totalmente desacompanhado de qualquer elemento ou súmula do requerido, o que torna de mais difícil aceitação a perspectiva de que baste para o efeito de consubstanciar a audição em vista.

É que, tendencialmente, a notificação em causa deve efetuar-se de molde a que se dê a conhecer algum(ns) elemento(s), desde que através dos mesmos não se façam perigar sensivelmente as finalidades prosseguidas pelo segredo de justiça.

Deste modo, em concreto, tem de passar pelo crivo do que se pretende com a previsão daquele art. 215.2, n 4 no confronto do que o segredo de justiça exige, mediante proporcional ponderação de que não resulte irremediavelmente preterida qualquer uma dessas vertentes.

Se assim é, afigura-se que a comunicação dos fundamentos do requerimento da excepcional complexidade do processo, encontrando-se este em segredo de justiça, como aqui sucede, não é necessariamente imposta como meio para garantir o contraditório.

(...)

Não fica, porém, inviabilizada ou substancialmente diminuída a possibilidade de os recorrentes se pronunciarem acerca da excepcional complexidade, atendendo à devida compatibilização entre as garantias de defesa e a tutela do segredo de justiça e, não menos importante, que têm de reconhecer que a decisão a tomar se reporta àquela questão concreta e não a outra qualquer, susceptível, pois, de ser encarada como suportada em elenco de circunstâncias a que, conquanto sem caráter exaustivo, o n.º 3 do art. 215.º alude.

Resulta, em síntese, que a interpretação do Tribunal quanto à notificação aos recorrentes, sem lhes facultar elementos que constassem do requerimento do Ministério Público, não merece, em concreto, ser cominada da pretensa irregularidade.

Acresce que não se descortina que a mesma, dentro dos parâmetros explicitados, contenda com as garantias de defesa, do contraditório e do processo justo e equitativo, o mesmo é dizer, não se mostram violados os invocados preceitos constitucionais.

Esta interpretação colide com os princípios da igualdade de tratamento e de concessão de oportunidades de intervenção no processo, assim como com os princípios constitucionais das garantias de defesa, do contraditório e do direito a um processo justo e equitativo.

Os recorrentes para se pronunciarem sobre a declaração de excecional complexidade requerida tem o direito de ter conhecimento dos concretos fundamentos indicados pelo Ministério Público para requerer tal declaração, ou pelo menos uma súmula dos mesmos.

Não se vislumbra que nesta situação - em que está em causa exatamente o prolongamento da prisão preventiva - os recorrentes não possam ter acesso a esses fundamentos através dos quais o MP sustenta a sua pretensão.

Os recorrentes não podem pronunciar-se sobre a pretensão do MP caso não tenham acesso aos fundamentos concretos, ou pelo menos a uma súmula dos mesmos, com base nos quais promove a especial complexidade do processo.

Deve, pois, a interpretação da referida norma ser declarada inconstitucional.»

3. O recorrente apresentou as suas alegações, o que fez, essencialmente, nos seguintes termos:

«(...)

O objeto do presente recurso delimita-se à norma constante do artigo 215º, n.º 4, do CPP, na interpretação de que promovendo o Ministério Público a excecional complexidade do processo, o arguido não tem direito de conhecer os concretos fundamentos - ou pelo menos uma súmula dos mesmos - em que se funda a pretensão do Ministério Público.

Esta interpretação inquina aquela norma de inconstitucionalidade material por afrontar o estatuído nos artigos 20.º, n.º 1 e 4, e 32.º, n.º 1, 2 e 5 da Constituição da República Portuguesa.

A natureza do nosso sistema processual penal assume um pilar garantístico na medida em que visa proteger o arguido dos poderes do Estado.

Por outro lado, compete ao Estado proteger a sociedade e acautelar os interesses das vítimas.

É o equilíbrio desta permanente tensão que o juiz – no caso concreto, o juiz de instrução criminal – exulta os seus poderes de árbitro no sentido de, aplicando a lei, encontrar o caminho processual mais adequado em cada momento, que é chamado a decidir.

A função do Juiz assume ainda maior relevância no momento em que o arguido está completamente desprotegido, como é o caso de um processo em segredo de justiça.

Relevância essa que encontra o seu expoente cimeiro quando o arguido se encontra privado da liberdade.

O contexto da problemática a dirimir centra-se, pois, no momento em que o Ministério Público dirige a investigação contra cidadãos privados da liberdade sem possibilidades de, nesta fase processual, controlarem a atividade processual da acusação.

O legislador entendeu que, em determinadas circunstâncias, se justificava vedar o acesso do arguido ao conhecimento da investigação, sujeitando a fase de inquérito ao segredo de justiça, conforme artigo 86º, nº 2 do CPP.

É uma restrição que prejudica o direito de defesa do arguido, mas que se justifica na apontada tensão entre o combate ao crime e a defesa dos direitos fundamentais do cidadão.

Mesmo nesta compressão dos direitos fundamentais o legislador entendeu que em determinadas circunstâncias o arguido tinha o direito de conhecer determinados factos concretos e aceder a determinados elementos do processo, designadamente quando seja submetido a 1º interrogatório, conforme decorre do artigo nº 4, al. d) e e) do CPP.

O artigo 215º, nº 3 do CPP veio alargar os prazos de prisão preventiva, no caso do inquérito para o dobro do prazo normal.

Portanto, no caso concreto, o prazo de duração máxima de prisão preventiva passou de 6 meses para 12 meses.

Este alargamento do prazo de prisão preventiva depende da verificação dos requisitos estabelecidos no nº 3 do referido preceito.

Contudo, o legislador fez depender a declaração da verificação desses requisitos da audição do arguido.

É exatamente este o ponto controvertido da questão colocada ao Tribunal Constitucional: esta audição do arguido consubstancia-se em que moldes? O arguido apenas deve ser ouvido? A sua posição não deve basear-se nos argumentos avançados pelo Ministério Público?

Se o legislador entendeu que o arguido apenas deve de ser ouvido, então, a lei é completamente inócua, uma vez que, naturalmente, o arguido não quer ver a privação da sua liberdade alargada.

Se o legislador entendeu que este direito de...

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