Acórdão nº 391/21 de Tribunal Constitucional (Port, 07 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução07 de Junho de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 391/2021

Processo n.º 193/2021

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Évora, em que é recorrente A. e recorrida a B., S.A., foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal, de 17 de dezembro de 2020.

2. Pela Decisão Sumária n.º 288/2021, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«4. De acordo com a alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo. Suscitação que há-de ter ocorrido de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (artigo 72.º, n.º 2, da LTC).

Tal requisito não se pode dar como verificado nos presentes autos.

No requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, o recorrente identifica, como objeto do presente recurso, as «normas constantes dos artigos 289.°, n.° 1, 291.°, n.os 1 e 3, 1410.° e 1091.° do CC e ainda dos artigos 3.° e 34.°, n.° 2 do CRPredial quando interpretadas no sentido de que o efeito jurídico da substituição do preferente desencadeado pela procedência da ação de preferência não é afetado pela nulidade do contrato de compra e venda que esteve na base da referida ação de preferência, nulidade, essa que foi declarada no âmbito de uma ação de anulação do referido contrato julgada procedente».

Porém, não suscitou prévia e de forma processualmente adequada a inconstitucionalidade de tal norma perante o Tribunal da Relação de Évora. Com efeito, nem no corpo da alegação, nem nas conclusões formuladas no recurso, chegou o recorrente a suscitar a inconstitucionalidade da norma que agora definiu como objeto do recurso de constitucionalidade. Embora se refira aos «artigos 289.°, n.° 1, 1410.º e 1091.º do CC e ainda dos artigos 3.° e 34.°, n.° 2 do CRPredial» (conclusão 67) e à interpretação e aplicação que deles terá feito o Tribunal recorrido – e para além de, em várias passagens, imputar a inconstitucionalidade à própria decisão –, nunca chegou a identificar a concreta norma, extraída de tais preceitos legais, que reputava inconstitucional. Ora, este Tribunal tem vindo a entender que quando «se suscita a inconstitucionalidade de uma determinada interpretação de certa (ou de certas) normas jurídicas, necessário é que se identifique essa interpretação em termos de o Tribunal, no caso de a vir a julgar inconstitucional, a poder enunciar na decisão, de modo a que os destinatários delas e os operadores do direito em geral fiquem a saber que essa (ou essas) normas não podem ser aplicadas com um tal sentido» (Acórdão n.º 106/99).

Assim, não pode conhecer-se do objeto do recurso, o que justifica a prolação da presente decisão sumária, nos termos do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.»

3. Da Decisão Sumária vem agora o recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, o que fez nos seguintes termos:

«(…)

Por Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, decidiu-se julgar improcedente o recurso interposto pelo Recorrente/Réu, mantendo o Saneador-Sentença objeto de recurso.

Assim, o Recorrente, nas suas alegações de recurso, arguiu a inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 289.°, n.° 1, 291.°, n.os 1 e 3, 1410.° e 1091.° do CC e ainda dos artigos 3.° e 34.°, n.° 2 do CRPredial, quando interpretadas no sentido de que o efeito jurídico da substituição do preferente desencadeado pela procedência da ação de preferência não é afetado pela nulidade do contrato de compra e venda que esteve na base da referida ação de preferência, nulidade, essa, que foi declarada no âmbito de uma ação de anulação do referido contrato julgada procedente, em clara violação do artigo 62.° da CRP (direito da propriedade), do artigo 21.°, n.° 1 da CRP (princípio da autonomia privada), do princípio da retroatividade da declaração de nulidade do negócio jurídico e do artigo 18.°, n.° 2 da CRP (princípio da proporcionalidade), pelo que veio a apresentar recurso, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LTC) com o seguinte pedido:

“... Deve, pois, julgar-se inconstitucional das normas constantes dos artigos 289.°, n.º 1, 291.º, n.os 1 e 3, 1410.º e 1091.º do CC e ainda dos artigos 3.º e 34.º, n.º 2 do CRPredial, quando interpretadas no sentido de que o efeito jurídico da substituição do preferente desencadeado pela procedência da ação de preferência não é afetado pela nulidade do contrato de compra e venda que esteve na base da referida ação de preferência, nulidade, essa, que foi declarada no âmbito de uma ação de anulação do referido contrato julgada procedente, em clara violação do artigo 62." da CRP (direito da propriedade), do artigo 27.º, n.º 1 da CRP (princípio da autonomia privada), do princípio da retroatividade da declaração de nulidade do negócio jurídico e do artigo 18.º, n.º 2 da CRP (princípio da proporcionalidade)."

Sucede, porém, que por Decisão Sumária de fls., decidiu o Exmo. Sr. Dr. Juiz Conselheiro Relator "não tomar conhecimento do objeto do presente recurso", por entender como não verificado o requisito de admissibilidade do recurso que consiste na suscitação de inconstitucionalidade de modo processualmente adequando perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de estar obrigado a dela conhecer (artigo 72.°, n.° 2 LTC), apontando que o Recorrente "nunca chegou a identificar a concreta norma (...) que reputava inconstitucional".

Ora, salvo o devido respeito, que é muito, em face de errónea interpretação, para além de não ter sido administrada a Justiça, foram, na prática, violadas várias normas legais e constitucionais.

10°

Analisemos, pois, o itinerário processual percorrido de forma a identificar as várias invocações pelo Recorrente realizadas, para chegarmos à conclusão que tal ónus de suscitação prévia e adequada foi cumprido.

11º

Primeiramente, relembremos que as inconstitucionalidades invocadas têm, na sua base, a existência de dois direitos em confronto, assim como duas decisões judiciais em confronto que ditam, simultaneamente e em contradição, quem é o verdadeiro titular do direito de propriedade sobre o imóvel em causa ( …).

12°

De um lado temos o direito de propriedade invocado pela Recorrida, que terá emergido do exercício do direito de preferência relativamente ao negócio jurídico realizado entre o Recorrente e a terceira C., direito real de aquisição, esse, que opera retroagindo os seus efeitos ao momento daquela alienação realizada entre o Recorrente e a terceira C., constituindo este momento de alienação o limite temporal que dita o nascimento do direito de preferência, sendo que este direito foi reconhecido pela decisão proferida no âmbito do Processo Principal n.° 578/15.4T8BJA.

13°

Do outro lado, temos o direito de propriedade invocado pelo Recorrente, sustentado por vários fundamentos:

a) Pela repristinação ocorrida através da declaração de nulidade por sentença...

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