Acórdão nº 2072/18.2T8CTB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 22 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelLU
Data da Resolução22 de Junho de 2021
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1] 1 – RELATÓRIO “O..., L.da”, com sede na ..., J... e A...

, ambos residentes na ..., instauraram a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra “BANCO B..., SA”, com sede na ..., pedindo que o Tribunal declare que as transferências bancárias efetuadas a 4 e 6 de Janeiro de 2016, no valor global de €69.200,00, foram ilegitimamente solicitadas por terceiros e que as duas ordens de transferência que as determinaram não foram emitidas em termos idênticos aos das ordens de transferência anteriormente remetidas ao Banco Réu, o que deveria ter suscitado dúvidas aos funcionários que deram cumprimento às referidas ordens de transferência, encontrando-se os mesmos obrigados a confirmar tais ordens junto do cliente.

Para além disso, pretendem os Autores que o Tribunal declare que, por ascenderem a valor superior a €15.000,00, as duas ordens de transferência em causa não poderiam ter sido executadas sem que o ordenante as justificasse, encontrando-se o Banco Réu obrigado a contactá-lo para que fossem cumpridas as obrigações previstas na Lei n.º 25/2008, de 5 de Junho, e que os riscos da falha do sistema informático correm por conta do Banco Réu.

Mais solicitam os Autores que o Tribunal declare a nulidade da cláusula constante da Declaração de Autorização Genérica que imputa ao cliente a assunção de toda a responsabilidade e de todas as consequências que resultem da utilização não autorizada, abusiva ou fraudulenta do fax ou correio eletrónico, suportando todos os prejuízos decorrentes da execução de instruções que tenham sido falsificadas ou deturpadas ou que não tenham tido origem no titular da conta.

Por último, os Autores requerem ainda que o Banco Réu seja condenado a reconhecer o que foi já mencionado e que os Autores não lhe devem nada, seja a que título for, assim como a proceder ao reembolso da quantia correspondente às duas transferências efetuadas e respetivos juros moratórios contados desde o dia 7 de Janeiro de 2016, acrescidos de 10 pontos percentuais, em montante a liquidar em sede de execução de sentença, e ao pagamento de uma indemnização suplementar por danos patrimoniais, no valor de €17.931,12, das demais quantias a liquidar em sede de execução de sentença e de uma indemnização suplementar por danos de natureza não patrimonial no valor de €8.000,00 relativamente ao Autor J... e no valor de €12.000,00 relativamente à Autora A...

Alegam, em síntese, que, no âmbito do contrato de abertura de conta outorgado com o Banco Réu, subscreveram uma Declaração de Autorização Genérica que lhes permitia solicitar a realização de transferências bancárias nacionais e internacionais a partir do endereço eletrónico ..

.com.

Sucede, porém, que, nos dias 4 e 6 de Janeiro de 2016, em consequência da utilização fraudulenta do mencionado endereço eletrónico, foi solicitada, por terceiros, a realização de transferências bancárias no valor de €41.700,00 e de €27.500,00, respetivamente.

Acresce que, por não terem atuado com a atenção que lhes era exigível, os funcionários do Banco Réu efetuaram tais transferências, sendo certo que o teor dos emails através dos quais as mesmas foram solicitadas, por divergir do habitualmente constante dos emails remetidos pela Autora, assim como a circunstância de os mesmos não terem sido precedidos de contactos telefónicos, como sempre sucedera até então, justificariam a existência de dúvidas acerca da proveniência dos pedidos dirigidos ao Banco Réu, motivo pelo qual deveriam os respetivos funcionários ter contactado previamente os Autores, a fim de confirmar esses pedidos.

Assim, sustentando que os riscos da falha do sistema informático utilizado, bem como dos ataques cibernautas que o afetem correm por conta dos Bancos, nos termos do disposto no artigo 796º, n.º 1, do Código Civil, concluem os Autores que o Banco Réu deverá ser condenado a indemnizar todos os danos por si sofridos.

* Devidamente citado, o Réu Banco B..., SA” veio aos autos apresentar a sua contestação, alegando que a Autora “O..., L.da” sempre utilizou a facilidade de proceder ao envio de pedidos e ordens por correio eletrónico, embora não seja verdade que os mesmos fossem sempre antecedidos ou seguidos de contactos telefónicos.

Deste modo, tendo as duas mensagens de correio eletrónico atrás mencionadas sido enviadas a partir do endereço da Autora “O..., L.da” e, portanto, do seu servidor, sustenta o Réu ter agido, por intermédio do seu funcionário, com a diligência normal e exigível ao nível da verificação da ordem recebida.

Por fim, acrescenta ainda o Banco Réu que, tendo o ataque informático identificado pelos Autores afetado o sistema informático por estes utilizado, ao qual o Banco é alheio, o risco de utilizações fraudulentas correrá por conta dos próprios Autores, que não protegeram de forma adequada e eficaz o seu sistema informático e os dados nele contidos.

Nestes termos, conclui o Banco Réu pela improcedência da presente ação declarativa, devendo ser proferida decisão de absolvição do pedido.

* A audiência prévia foi dispensada, tendo sido proferido despacho saneador, bem como despacho de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova (cfr. fls. 166 a 170).

Procedeu-se à realização da audiência final, com observância de todas as formalidades legais aplicáveis, conforme resulta das atas respetivas.

Na sentença considerou-se, em suma, que o Banco Réu incumpriu os deveres de cuidado que lhe eram impostos, pelo que, na medida em que se encontravam preenchidos todos os pressupostos de que dependia a responsabilidade civil do Banco Réu (sendo certo que não se verificava nenhuma conduta culposa dos próprios Autores quanto aos danos invocados), se passou a determinar os danos sofridos em consequência da atuação do Banco Réu e a ponderar o valor da indemnização devida aos Autores, relativamente ao que se concluiu pela fixação do montante de €69.200,00, acrescido dos juros e demais despesas que lhe foram, efetivamente, cobrados pelo Banco Réu no âmbito dos movimentos efetuados através da conta-corrente caucionada, estes a serem determinados em sede de incidente de liquidação, o que tudo se traduziu no seguinte concreto “dispositivo”: «Decisão Em face do exposto, nos termos e com os fundamentos já indicados, decido julgar a presente ação parcialmente procedente, condenando o Banco Réu a reconhecer que a Autora O..., L.da não lhe deve qualquer quantia por conta das transferências bancárias executadas nos dias 4 e 6 de Janeiro de 2016, no montante global de €69.200,00 (sessenta e nove mil e duzentos euros), e, em consequência, a restituir à Autora esse montante, bem como os juros e demais despesas e acréscimos sobre o mesmo calculados que foram cobrados à Autora, em montante a determinar em sede de incidente de liquidação, a que acrescem juros de mora calculados à taxa legal desde as datas em que a Autora ficou desembolsada de tais quantias até integral pagamento.

Mais decido julgar improcedentes os restantes pedidos formulados pelos Autores, deles absolvendo o Réu.

Custas a cargo dos Autores e do Banco Réu, na proporção do respectivo decaimento, que fixo em 15% e 85%, respectivamente (cfr. artigo 527º, n.º 1 e 2, do CPC).

Registe e notifique.

» Inconformado com essa sentença, apresentou o Réu recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: ... Contra-alegaram os AA., relativamente ao que formularam as seguintes conclusões: ...

Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

2 – QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelo Réu nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº 4, 636º, nº 2 e 639º, todos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº 2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detetar o seguinte: - erro na decisão da matéria de facto, quanto ao elenco da matéria de facto dada como “não provada” descrita sob os números “26., 27., 28. e 29.” (relativamente aos aos quais pugna no sentido de que deviam figurar nos pontos de facto “provados”)?; - incorreto julgamento de direito no que respeita à condenação que teve lugar [mormente porque não houve violação do dever de diligência e cuidado que se lhe impunha – «não praticou qualquer ato ilícito, como não teve qualquer culpa na produção de qualquer dano que a A. tenha sofrido»]? 3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO 3.1 – Como ponto de partida, e tendo em vista o conhecimento dos factos, cumpre começar desde logo por enunciar o elenco factual que foi considerado fixado/provado pelo tribunal a quo, ao que se seguirá o elenco dos factos que o mesmo tribunal considerou/decidiu que “não se provou”, sem olvidar que tal enunciação terá um carácter “provisório”, na medida em que o recurso tem em vista a alteração...

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