Acórdão nº 572/18.3T8OER.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 17 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelARLINDO CUNHA
Data da Resolução17 de Junho de 2021
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte [1]: I – RELATÓRIO.

1– M.

, residente na ……………., veio instaurar acção declarativa constitutiva, sob a forma de processo comum, contra: – S.

(falecida, e entretanto habilitada pelo filho M. F.), residente na ……….. ; – M. F.

residente na ………………………, deduzindo o seguinte petitório: 1.

–Que a acção seja julgada procedente, por provada, e em consequência, seja declarada nula a doação (da nua propriedade, tendo a doadora reservado para si o usufruto) efectuada pela 1ª Ré ao 2º Réu, relativamente: – À fracção autónoma F, correspondente ao 5º andar, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na ……………………, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº. 2..., e inscrito na matriz sob o artigo 1....

Alegou, em súmula, o seguinte: – É filha da 1ª Ré e irmã do 2º Réu ; – No dia 06 de Agosto de 2012, no Cartório Notarial de Lisboa, sito na Rua Visconde de Santarém, n.º 73, perante a notária M. N. a 1.ª R. doou ao 2.º R., reservando para si o usufruto, a fracção identificada, tendo o Réu aceite a doação ; – a Direcção do Conselho Directivo do Instituto dos Registos e do Notariado, I.P. tornou público que, na sequência do processo disciplinar instaurado à Senhora Drª. M. N., com último domicílio profissional na Rua V... S..., nº ..., 1...-2...- L..., por deliberação do Conselho do Notariado, de 13 de Dezembro de 2010, que a mesma foi condenada na pena de interdição definitiva do exercício de funções de Notária ; – Por despacho da Senhora Ministra da Justiça, de 16 de Maio de 2012, ficou decidido, que a Senhora Drª. M. N. violou os deveres consignados no artigo 23.º, n.º 1, alínea a), b) e h) e no artigo 11.º, alínea a) do Estatuto da Ordem dos Notários, ficando obrigada a cessar definitivamente o exercício da actividade notarial ; – Pelo que a Senhora Dr.ª M. N. está inibida do exercício de funções, com todas as legais consequências ; – A Drª. M. N. estava pessoalmente impedida de praticar actos de notariado, foi condenada na pena de interdição definitiva do exercício de funções de Notária e, por consequência, desde o dia 16 de Maio de 2012 ficou obrigada a cessar definitivamente o exercício da actividade notarial – artigos 11.º, n.º 2, al. a) e 41.º do Estatuto do Notariado ; – Pelo que a doação celebrada no dia 06 de Agosto de 2012, no Cartório Notarial de L..., sito na Rua V... S..., n.º ..., perante a notária M. N., é nula – artigos 286.º e 289.º, n.º 1 do Cód. Civil.

2–Citados os Réus, vieram apresentar contestação e requerer a intervenção acessória provocada do I., IP, fazendo-o, em resumo, nos seguintes termos: Por excepção: – A acção deveria ter sido intentada também contra a Notária que outorgou a escritura pública, sob pena de preterição do litisconsórcio necessário, conducente á absolvição dos Réus da instância ; – no momento presente (Abril de 2018), desconhecem a eficácia e os efeitos sancionatórios da decisão tomada pela administração publica em sede de processo disciplinar e as suas consequências limitativas da competência da notaria Senhora Dra. M. N., em especial se o mesmo transitou em julgado ou foi anulado e, bem assim, a data de eficácia ; – ou seja, desconhecem se a Senhora Dra. Notária foi condenada ou absolvida e, tendo sido condenada, se transitou em julgado a pena ; – sendo que a não ter transitado em julgado a pena, o processo burocrático gracioso ou o processo contencioso de anulação existente é causa prejudicial ao presente processo uma vez que sendo possível e expectável a absolvição a mesma teria efeitos retroactivos sanando qualquer vício de competência ; – a Dra. M. N. celebrou milhares de escrituras antes da referida data de 6 de Agosto de 2012 e continuou a celebrar escrituras, em número de centenas, após a referida data e pelo menos até Fevereiro de 2013 ; – todas estas escrituras, quando respeitantes a bens ou direitos sujeitos a registo, foram regularmente registadas nos registos prediais, comerciais e automóveis sem que uma única conservatória tivesse questionado a competência da notária ; – isto é, a estar suspensa nas suas competências, o que não se admite, nem mesmo a Direcção Geral dos Registos e Notariados / Instituto de Registo e Notariado e os seus vários órgãos e conservatórias questionaram e apresentaram reticencias aos actos notariais da Senhora Dra. M. N. ; – é manifesto que a Senhora Dra. M. N. exercia em 6 de Agosto de 2012 publicamente o seu cargo e que existia a convicção generalizada e pública de que o exercia de modo regular, estando-se assim estamos perante a noção clássica e geralmente aceite de “funcionário de facto” ; – pelo que a escritura em crise nestes autos é absolutamente válida e eficaz perante as partes contratantes e quaisquer terceiros, nomeadamente a autora, atento prescrito no nº. 2, do artº. 369º, do Cód. Civil.

Concluem pela procedência das excepções invocadas, ou de outras de oficioso conhecimento ou, subsidiariamente, pela improcedência da acção, com a absolvição dos Réus do pedido, devendo, ainda, ser aceite a intervenção acessória e provocada do I., IP.

3–Conforme requerimento de 23/04/2018, veio a Autora deduzir incidente de intervenção principal provocada de M. N., Notária que outorgou a escritura, como associada dos Réus.

4–Por despachos de 25/05/2018 –cf., fls. 30 a 32 -,foram admitidos a intervir nos presentes autos: - como parte principal, ao lado dos Réus, M. N.

; - como parte acessória, assumindo a posição de assistente (auxiliar na defesa), o I., IP.

5–Citados os Intervenientes, veio o I., IP, apresentar contestação, aduzindo, em súmula, o seguinte: – falha legitimidade á Autora para instaurar a presente acção ; – como resulta da própria petição inicial e da escritura pública aí reproduzida, a Autora não teve qualquer intervenção neste negócio jurídico, nem tinha que ter, uma vez que não tem nenhum direito sobre o prédio objecto da doação ; – efectivamente, a Autora, não só não teve qualquer intervenção directa no negócio que pretende ver anulado como também não retirará qualquer benefício de uma eventual procedência do seu pedido uma vez que não tem (nem se arrogar ser titular de) qualquer direito sobre o prédio a que respeita a doação ; – tal situação, por si só, leva-nos a concluir que a Autora não dispõe de legitimidade por inexistir qualquer evidência de um benefício resultante da procedência do seu pedido – cfr. art. 30.º do CPC. ; – por outro lado, não se pode aceitar que a circunstância de a Autora ser herdeira de uma das Rés lhe possa conferir legitimidade ad causam, dado que o herdeiro, em vida do de cujus, é mero titular de uma expectativa, incerta e indefinida, quanto ao património deste ; – ora, para ter legitimidade activa torna-se indispensável que a Autora demonstre ser titular de um interesse directo em demandar e, tal interesse, exprime-se pela utilidade derivada da procedência do seu pedido – cfr. artigo 30.º do CPC. ; – a utilidade da procedência do pedido, por sua vez, deve respaldar-se necessariamente num direito, sendo que, as meras expectativas só serão juridicamente relevantes se tal resultar expressamente da lei ; – a Autora não colherá qualquer benefício directo com a presente demanda, nem do seu pedido resulta qualquer benefício indirecto, eventual ou potencial, mesmo considerando a sua condição de herdeira da Ré ; – poder-se-ia, ainda assim, alvitrar que, estando em causa a invocação de uma nulidade, a Autora teria a sua legitimidade amparada no artigo 286.º do CC e que prevê que este vício «é invocável a todo o tempo e por qualquer interessado» ; – todavia, não pode a Autora enquadrar-se no conceito de «interessada», sendo que o artigo 286.º do CC deve estar em perfeita conjugação com o conceito de legitimidade ; – interessado será, pois, apenas aquele a quem a lei reconheça o direito de impugnar em juízo o facto hipoteticamente gerador da nulidade e esse interesse directo remete para um juízo avaliativo do interesse substantivo subjacente ; – pelo que, assumindo este conceito de interessado, não se pode aceitar que nele caiba o herdeiro legitimário porque o mesmo não assume uma posição substantiva geradora de um direito, ou, sequer, de uma expectativa que legalmente o habilite a impugnar um negócio jurídico celebrado em vida pelo “de cujus” ; – não existe na lei uma intenção geral e objectiva de protecção dos herdeiros, conferindo-lhes legitimidade para impugnar negócios jurídicos susceptíveis de atingir as suas expectativas em relação à futura sucessão nos bens da herança dos seus antecessores ainda vivos ; – sendo que só em situações excepcionais é reconhecida essa legitimidade mas, para que tal ocorra, é necessária uma consagração legal expressa da legitimidade – cf., o nº. 2, do artº. 242º, do Cód. Civil ; – não estando a Autora inserida em qualquer destas situações excepcionais ; – pelo que deve ser considerada a ilegitimidade da Autora, como excepção dilatória conducente à absolvição da instância ; – por outro lado, é indubitável que a Notária que lavrou o acto em apreço exercia, em 06/08/2012, publicamente, funções notariais, em termos que não denotavam, para o cidadão comum, a ilegitimidade desse exercício ; – pelo que, provado tal exercício público, a causa de pedir invocada pela Autora só poderia proceder se se provasse que os Réus , no momento da sua celebração tinham conhecimento daquela decisão disciplinar aplicada á Notária, ou seja, que estavam de má fé ; – o que não se provou ; – inexistindo, por outro lado, qualquer responsabilidade da assistente.

Conclui, no sentido da improcedência da acção, com a absolvição dos Réus e Assistente da instância, por falta de legitimidade da Autora, ou, caso assim não se entenda, absolvendo-os do pedido.

6–Em idêntico sentido, veio igualmente contestar a Interveniente Principal M. N.

, alegando, em resumo, o seguinte: – a Autora funda a sua legitimidade unicamente na relação de parentesco que a une à 1.ª e ao...

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