Acórdão nº 00149/19.3BECBR-S1 de Tribunal Central Administrativo Norte, 02 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelFrederico Macedo Branco
Data da Resolução02 de Junho de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* I Relatório A SANTA CASA DA MISERICÓRDIA – OBRA (...) (MOF), vem recorrer, em separado, do segmento do Despacho Saneador que absolveu parcialmente da instância o Demandado MINISTÉRIO DO PLANEAMENTO E DAS INFRAESTRUTURAS, tendo apresentado as seguintes Conclusões: “I. A Recorrente subscreve, inteiramente, a tese sustentada por FERNANDA PAULA OLIVEIRA no estudo «A impugnação contenciosa, direta e indireta ou incidental, de normas regulamentares contidas nos planos urbanísticos», publicado pelo Centro de Estudos Judiciários no seu e-book intitulado Contencioso dos Planos Urbanísticos.

  1. Conforme aí se defende, «não corresponde à realidade conterem os programas apenas normas meramente programáticas, orientadoras ou consagrando diretivas. Pelo contrário, muitas dessas normas podem ter (e têm) um conteúdo muito preciso, procedendo ora a uma afetação do solo a finalidades e usos específicos, ora definindo comportamentos concretos a adotar pelos particulares ou que lhes são proibidos».

  2. «Também nos agora designados programas especiais encontramos normas precisas de planeamento. Assim, estes instrumentos de gestão territorial, com vista a desempenhar cabalmente a sua função (que é a de estabelecer regimes de salvaguarda de recursos e valores naturais e regimes de gestão compatível com a utilização sustentável do território), devem conter normas que identificam as “ações permitidas, condicionadas ou interditas, relativas à ocupação, uso e transformação do solo” (portanto, com incidência territorial urbanística) – cfr. n.º 2 do artigo 44.º do RJIGT. É este tipo de normas que, segundo o RJIGT, tem de ser integralmente “vertido” para os planos municipais, e que, por isso, vinculará (ainda que por intermédio do plano municipal), os particulares: nestes casos, a afetação da esfera jurídica destes decorre, ao fim e ao cabo, da concreta opção constante do programa, já que o plano é apenas o “veículo de transmissão” do conteúdo definido naquele programa».

  3. Tanto os planos como os programas «devem ser elaborados com respeito por parâmetros de vinculação a que se encontram adstritos. Logo, todos eles, desde que contenham invalidades, devem poder ser objeto de impugnação judicial, sendo a via adequada para o efeito a da impugnação de normas prevista no CPTA».

  4. «Uma vez que o artigo 73.º do CPTA limita a declaração de ilegalidade […] às normas imediatamente operativas, e uma vez que o referido artigo 7.º [do RJIGT apenas se refere à impugnação de normas de planos diretamente vinculativos dos particulares, a conclusão que, em princípio, se imporia é a de que o legislador terá feito corresponder o conceito de instrumento de gestão territorial diretamente vinculativo dos particulares ao conceito de norma imediatamente operativa (e, a contrario, terá feito uma correspondência entre instrumento de gestão territorial não diretamente vinculativo dos particulares ao conceito de norma apenas mediatamente operativa)».

  5. Todavia, «esta leitura é, quanto a nós, de rejeitar.

    Com efeito, o que, na nossa opinião, diferencia os programas dos planos não é o tipo de eficácia (imediata ou mediatamente operativa), mas os respetivos destinatários: todos os instrumentos de gestão territorial são vinculativos: uns vinculam apenas (diretamente) entidades públicas; outros, para além das entidades públicas, vinculam ainda direta e imediatamente os particulares».

  6. «Esta diferença quanto aos destinatários das normas poderá, é certo, ter relevo; não porém quanto às vias a utilizar (declaração de ilegalidade da norma ou sua impugnação apenas a título incidental), mas, quanto muito, quanto à legitimidade para tal impugnação».

  7. «Exemplo de normas que definem, com precisão, as prescrições aplicáveis a uma determinada área territorial, são as diretivas de um programa especial (por exemplo, da orla costeira), que fixam as ações proibidas ou condicionadas com uma determinada incidência territorial».

  8. «Ainda que estas normas, para produzirem efeitos em relação aos particulares e, por essa via, os afetarem, tenham de ser integradas nos planos municipais, a verdade é que, por tal integração ser obrigatória, o proprietário do terreno abrangido por aquela proibição ou condicionamento vai ser, com elevado grau de certeza, direta e imediatamente lesado por essa norma».

  9. «Não vemos, assim, como negar-lhe, se ele assim o pretender, a possibilidade de impugnar diretamente aquela norma sem necessidade de aguardar a respetiva integração nos planos municipais».

  10. «Neste caso, estará em causa, da perspetiva da legitimidade, uma ação particular intentada por quem possa previsivelmente vir a ser afetado pela norma em momento próximo».

  11. Antes mesmo – ou independentemente – de alteração ser vertida no Plano Diretor Municipal, por efeito da alteração da REN operada pelas normas impugnadas nos autos, logo fica diminuído o valor de qualquer terreno (como os que se discutem) cuja capacidade construtiva seja reduzida em virtude da mesma alteração, precisamente porque o estatuto jus-urbanístico fica, com a inclusão em REN, definido.

  12. Não subsistem dúvidas de que a competência para a inclusão de áreas em REN caiba às CCDR, como claramente resulta do Regime Jurídico da Reserva Ecológica Nacional invocado na douta decisão em exame.

  13. Tal inclusão redunda, ope legis, na sujeição dos terrenos abrangidos a restrições, maxime as enunciadas sob o art. 20 do citado Regime Jurídico.

  14. Como bem ensina FERNANDO ALVES CORREIA (Manual de Direito do Urbanismo, cit., p. 275 e ss.), o regime jurídico da REN e a delimitação dos solos que a integram constituem uma disciplina dos solos que deve ser observada pelos planos – funcionando, por isso, como um limite à discricionariedade de planeamento – e, simultaneamente, uma prescrição diretamente vinculativa da Administração e dos particulares com reflexos na ocupação, uso e transformação do solo.

  15. Por tudo quanto antecede, as normas impugnadas nos autos têm de considerar--se imediatamente operativas, para efeitos do disposto no art. 73-1/a do CPTA.

  16. O Tribunal a quo fez, por conseguinte, errada interpretação e aplicação desse preceito legal.

    TERMOS EM QUE, no provimento do recurso, deve revogar-se a douta decisão impugnada e determinar-se que os autos prossigam também quanto aos pedidos enunciados sob as alíneas a) e b) do fecho do libelo.” O Recurso veio a ser admitido por Despacho de 8 de Abril de 2021 Não foram apresentadas contra-alegações de Recurso.

    Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

    II - Questões a apreciar Importa apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, onde se pugna pela impugnação contenciosa imediata das normas regulamentares contidas nos planos urbanísticos, no caso, da...

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