Acórdão nº 0157/16.9BEMDL de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 09 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução09 de Junho de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Apreciação preliminar da admissibilidade do recurso excepcional de revista interposto no processo n.º 157/16.9BEMDL 1. RELATÓRIO 1.1 A sociedade acima identificada, não se conformando com o acórdão proferido em 14 de Janeiro de 2021 nos presentes autos pelo Tribunal Central Administrativo Norte (() Disponível em http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/-/edb8078ee07b69e580258669006509b2.

) – que, negando provimento ao recurso por ela interposto, manteve a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) do ano de 2014 –, interpôs recurso de revista excepcional, nos termos do art. 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), apresentando as alegações de recurso, com conclusões do seguinte teor: «I.

Dispõe o art.

285.º, n.º 1, do CPPT que «Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

  1. A primeira questão que a recorrente pretende ver reapreciada consiste em saber se, para efeitos do disposto no n.º 4 do art. 6.

    o do CIRS, o ónus da prova de que o contrato não corresponde efectivamente a um mútuo se devolve à Autoridade Tributária (AT), ora recorrida, quando esta, sem por em causa a contabilidade do contribuinte, se limita a concluir que o valor registado na conta 26.8.5.12.01, de sócio-gerente, não resulta de nenhum mútuo (apenas) por esse contrato não ter sido celebrado por escritura pública.

  2. A relevância social fundamental verifica-se porque a situação acima identificada apresenta contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, até porque, está em causa questão que revela especial capacidade de repercussão social ou de controvérsia relativamente a casos futuros do mesmo tipo, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio.

    IV.

    De facto, o douto acórdão recorrido considerou que «..

    .

    no caso em apreço o ónus da prova (de que o contrato não corresponde efectivamente a um contrato de mútuo) é devolvido à recorrente (art. 74.º da LGT, não tendo esta provado a existência do mútuo (...)», quando a Recorrente entende que esta não é a interpretação correcta da regra tributária de distribuição do ónus da prova, pois este deve ser devolvido à AT, como se irá demonstrar.

  3. Em situação semelhante, na qual estava em causa a interpretação da regra tributária de distribuição do ónus de prova, o Supremo Tribunal Administrativo já se pronunciou no sentido de se justificar a admissão da revista “atento o interesse social fundamental da questão cuja decisão pode servir de paradigma para casos futuros” (Ac. de 02.06.2020, proc. 0614/16.7BEAVR).

  4. As instâncias entenderam, tal como a AT, que o contrato de mútuo não respeita os requisitos exigidos pelo art. 1143.º do Cód. Civil (CC), por não ter sido celebrado por escritura pública, razão pela qual não é válido. Assim, consideraram que estamos perante adiantamentos de lucros, os quais deviam ser tributados em IRS.

    VII.

    Decorre do art.

    294.º do CC que os negócios jurídicos celebrados contra disposição de carácter imperativo, como é o caso, são nulos.

  5. Efectivamente, estamos perante matéria de direito civil, pelo que, face ao disposto no n.º 2 do art. 11.º da LGT, as normas fiscais devem ser interpretadas recorrendo aos termos próprios desta área do direito. Por outro lado, a lei fiscal, ou a aplicação que dela é feita, não pode criar previsões diferentes das existentes nos diplomas próprios.

  6. O Código Civil prevê que os contratos de mútuo que não cumpram os requisitos de forma legalmente estabelecidos são nulos, devendo ser restituído o que houver sido prestado.

  7. É esta a cominação legalmente prevista para a falta de cumprimento dos requisitos de forma associados ao contrato de mútuo.

  8. É esta a única consequência do não cumprimento dos requisitos formais previstos na lei. Não resulta, todavia, que do contrato de mútuo nulo possam advir outras consequências. Assim, XII. Não pode aplicar-se a lei fiscal no sentido de retirar do incumprimento de tal formalidade consequências diferentes das legalmente previstas – n.º 2 do art. 11.º da LGT. Ou seja, XIII. Se o mútuo é nulo por falta de forma, pode determinar-se a restituição do que foi prestado, mas não pode considerar-se que da invalidade resulta que os montantes pagos ao abrigo do contrato têm outra natureza que não a de mútuo.

  9. Assim, tem de concluir-se que, o facto de terem sido preteridas as formalidades previstas na celebração do contrato não pode ter como consequência que o contrato não existiu e, portanto, estamos perante uma realidade diferente - no caso, um adiantamento de lucros.

  10. E não pode considerar-se que, por falta de cumprimento das formalidades que estão associadas à celebração deste tipo de contrato, a operação substancialmente praticada (um mútuo) deve ser qualificada de outra forma.

  11. De acordo com o n.º 1 do art.

    74.º da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos recai sobre quem os invoque, e segundo o n.º 1 do art. 75.º do mesmo diploma, presumem-se verdadeiros e de boa-fé os registos contabilísticos dos contribuintes, quando realizados nos termos da legislação fiscal e comercial.

  12. Acresce que, nos termos do disposto no art.

    293.º do CC “O negócio nulo ou anulado pode converter-se num negócio de tipo ou conteúdo diferente, do qual contenha os requisitos de substância e forma, quando o fim prosseguido pelas partes permita supor que elas o teriam querido se tivessem previsto a invalidade”.

  13. Assim, no limite, poderia considerar-se estarmos perante um contrato-promessa de mútuo, o qual não teria de respeitar as exigências de forma, conforme o disposto no n.º 1 do art. 410.º do CC, sendo os pagamentos realizados por conta de um contrato de mútuo definitivo, a celebrar em data a indicar, tal como veio efectivamente a acontecer, através da escritura referida em 8. dos factos provados, na qual a recorrente formalizou o mútuo, pagando o respectivo imposto do selo, e facultando uma cópia à AT, como resulta do RIT anexo ao PA.

    XIX.

    De referir ainda que, o registo contabilístico dos montantes pagos à sócia, com o descritivo “empréstimo2013”, foi realizado em 31.03.2014 numa conta “268” que é uma conta de “accionistas/sócios - outras operações” - cfr.

    4.

    dos factos provados.

  14. Habitualmente, são registadas nesta conta as operações com os sócios que não sejam adiantamentos de lucros, resultados atribuídos ou lucros disponíveis, entre outros. O registo a débito reflecte um pagamento realizado pela sociedade, pelo que, o registo feito para efeitos contabilísticos é coincidente com o enquadramento que foi dado à operação.

  15. Portanto, verifica-se que o registo contabilístico dos movimentos associados a esta operação, no exercício em causa, está realizado em termos semelhantes ao do contrato de mútuo.

  16. Também aqui deve ser referido o disposto no n.º 1 do art.

    75.º da LGT, ou seja, não tendo a contabilidade da recorrente sido posta em causa, deverá considerar-se que a mesma espelha a realidade dos factos – e, portanto, que foi efectivamente...

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