Acórdão nº 02302/16.5BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 09 de Junho de 2021
Magistrado Responsável | ANABELA RUSSO |
Data da Resolução | 09 de Junho de 2021 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
ACÓRDÃO 1. RELATÓRIO 1.1.
A…………..intentou no Tribunal Administrativo do Porto acção administrativa contra a Caixa de Providência de Advogados e Solicitadores, pedindo, a final, que a acção fosse julgada procedente e, em conformidade “a) ser declarada a ilegalidade das normas jurídicas que constituem o teor dos artigos 29.º e 31.º do RCPAS, com efeitos circunscritos ao caso sub judice, qualificando-se o conteúdo jurídico dos artigos em causa como normas emanadas no exercício da função administrativa, com a consequente desaplicação das referidas normas, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 73.º, nº 2, do CPTA"; b) "Serem desaplicadas, por ilegais, as normas jurídicas que constituem o teor dos artigos 29.º e 31.º do RCPAS, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 73.º, nº 3, do CPTA"; c) "Ser declarada a invalidade (nulidade / anulação) do ato administrativo praticado pela Ré consubstanciada na deliberação constante da ata n.º 106 de 15.06.2016, na parte que indeferiu o pedido da A. de que fosse dada sem efeito a interpelação para pagamento das contribuições dos anos de 2004 a fevereiro de 2016, por considerar que não se encontra enquadrada no regime da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores"; d) "Ser declarada a invalidade (nulidade / anulação) de todos os atos consequentes, subsequentes e de execução do referido ato administrativo praticado pela Ré consubstanciado na deliberação constante da ata nº 106 de 15.06.2016, na parte que indeferiu o pedido da A. de que fosse dada sem efeito a interpelação para pagamento das contribuições dos anos de 2004 a fevereiro de 2016, por considerar que não se encontra enquadrada no regime da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores"; e) "Ser a Ré condenada a abster-se da prática de atos administrativos de conteúdo idêntico ao ora em crise e que serão ofensivos do direito da Autora».
1.2.
Concretizando a sua pretensão, alegou a Autora na petição inicial, em resumo nosso, que com a instauração da presente acção pretende impugnar normas emitidas ao abrigo de disposições de direito administrativo, mormente os artigos 29.º e 31.º do Regulamento da CPAS e de ato administrativo praticado pela Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores e constante da deliberação da ata nº 106, na parte em que indeferiu o pedido da A. de que fosse dada sem efeito a interpelação para pagamento de contribuições dos anos de 2004 a Fevereiro de 2016, por considerar que não se encontra enquadrada no regime da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores; ter celebrado contrato de trabalho com o Hospital …………….., onde exerce as funções de advogada, representando aquele através de mandato forense, mercê do qual aufere a remuneração equivalente à categoria de técnica superior, efectuando os descontos legalmente devidos para a Segurança Social; que foi interpelada pela Ré para o pagamento de EUR 46.460,29 a título de contribuições vencidas, tendo requerido que essa interpelação fosse dada sem efeito, por se encontrar abrangida por outro regime de protecção social, o que veio a ser indeferido e, por fim, que os artigos 29.º e 31.º do Regulamento da CPAS, que impõe a obrigatoriedade de inscrição e pagamento de contribuições, é violador do princípio da igualdade para os trabalhadores abrangidos pelo regime da Segurança Social, e dos princípios de justiça e proporcionalidade, de dupla tributação e da liberdade do indivíduo.
1.3.
O Tribunal Administrativo do Porto - depois de (i) afirmar que é manifesto que as normas jurídicas que a Autora pretende que sejam declaradas ilegais e se desapliquem ao seu caso, in casu os artigos 29.º e 31.º do Regulamento da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, por constarem de um Decreto-Lei, não são normas regulamentares emitidas ao abrigo de disposições de direito administrativo, por órgãos administrativos, mas sim normas legais emitidas ao abrigo do exercício do poder político e legislativo, pelo que, por força da alínea a) do n.º 3 do artigo 4.º do ETAF, não podiam ser objecto de impugnação; (ii) admitir que, não obstante, ser ainda possível concluir-se, atento, designadamente, a conformação do objecto da acção realizada na “réplica”, que a Autora pretende a anulação do acto que indeferiu a sua pretensão por violação de preceitos constitucionais e que, neste contexto factual e jurídico, não está vedado ao Tribunal conhecer dessa pretensão e, verificando que lhe assiste razão, proceder à sua desaplicação no caso concreto e, por fim, (iii) após ter classificado as contribuições para a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, tributos, nomeadamente os parafiscais - declarou-se, por sentença de 24 de Março de 2017, incompetente em razão da matéria e competente para apreciar o seu mérito a “jurisdição tributária”, absolvendo, em conformidade, a Ré da instância.
1.4.
Requerida e deferida a remessa dos autos ao Tribunal Tributário do Porto, foi a acção aí tramitada, tendo, por sentença de 30 de Setembro de 2020, sido julgados improcedentes o pedidos formulados e fixado, como valor da acção, € 30.000,01 (valor indicado pela Autora na petição inicial e não impugnado.
1.5. Interposto recurso pela Autora, doravante Recorrente, e apresentadas as respectivas alegações, conclui-se aí nos seguintes termos: «1.
Visa o presente recurso a revogação da sentença proferida pela Mma. Juiz a quo que, julgando a ação improcedente, absolveu a R. dos pedidos, decidindo pela manutenção do ato impugnado, não impedindo a R., ora, recorrida, da prática de atos administrativos idênticos ao sindicado.
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É de vício de interpretação da Lei e, por isso, na aplicação do Direito que padece a sentença em crise! Funda-se, assim, o presente recurso exclusivamente em matéria de Direito! 3.
A deliberação constante da Ata nº 106/2016 de 15.06.2016 tem por fundamento o disposto nos artigos 29.º, nº 1, 31.º do RCPAS; 4.
Os artigos 29.º, nº 1, 31.º do RCPAS são normas que padecem do vício de ilegalidade; 5.
Os artigos 29.º e 31.º, nº 1, do Regulamento da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, aprovado pelo Dec. Lei 119/2015 de 29 de Junho impõe à A./Recorrida a obrigatoriedade de inscrição e pagamento das contribuições à Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, quando a A./Recorrida está sujeita, obrigatoriamente, a outro regime contributivo de segurança social, enquanto, trabalhadora subordinada e dependente, ao abrigo de um contrato de trabalho, em regime de exclusividade, no exercício das funções de advogada; 6.
In casu, estamos face a um alegado tratamento igual de situações diferenciadas, o qual reside na sujeição a inscrição obrigatória e pagamento de contribuições à Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, (CPAS) de advogados em regime de trabalho por conta de outrem, (trabalho dependente) cujos rendimentos são já sujeitos ao pagamento de contribuições para a segurança social, e de advogados por conta própria (trabalhador independente), cujos rendimentos são apenas sujeitos ao pagamento para o CPAS e isentos de pagamento para a segurança social, bem como tratamento diferenciado de situações laborais idênticas; 7.
Todo e qualquer trabalhador dependente/subordinado, em regime de exclusividade, está obrigatoriamente enquadrado no regime da Segurança social e não obrigado a inscrição obrigatória/enquadramento em qualquer outro sistema previdencial público ou privado, o que não acontece na situação da A. que, com o mesmo vínculo jurídico (trabalhadora dependente/subordinada), em regime de exclusividade, está obrigatoriamente sujeita a duplo enquadramento: para a Segurança Social, e sujeita ao regime das contribuições para o CPAS, ou seja, a dois regimes contributivos de igual natureza e finalidade; 8.
A Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores é uma instituição de previdência autónoma e visa fins de previdência e de proteção social (art. 1.º do RCPAS), tendo por fim conceder pensões de reforma e subsídios por invalidez aos seus beneficiários (art. 3.º do RCPAS); 9.
O sistema da segurança social, no âmbito do subsistema da solidariedade visa, entre outros fins de previdência (proteção na velhice - reforma) e de proteção social (art. 52.º, 54.º e 56.º da Lei de Bases da Segurança Social); 10.
Não é economicamente comportável, nem de exigir que sobre o mesmo rendimento da A. incidam obrigatoriamente contribuições da mesma natureza, com o mesmo fim, nomeadamente invalidez e velhice, ainda que, para diferentes entidades (art. 1.º, nº 1 e art. 3, do RCPAS e art. 51.º, 53.º da Lei 4/2007 de 16 de Janeiro, que aprova as Bases Gerais do Sistema da Segurança Social); 11.
Inexiste no regime jurídico Português qualquer Lei ou Regulamento que, para o exercício de qualquer outra atividade profissional, ainda que enquadrada ou não em qualquer outra ordem profissional, imponha a um trabalhador enquadramento contributivo e obrigatório em dois regimes; 12.
A Segurança Social (art. 139.º, da Lei 110/2009 de 16 de Setembro) prevê expressamente que os advogados e solicitadores que exerçam atividade como trabalhadores Independentes, ou seja, como profissionais liberais, estejam isentos de contribuir para o regime da segurança social, por já terem um regime contributivo obrigatório- CPAS; 13.
A A. está sujeita a uma duplicação contributiva que incide sobre um único rendimento (proveniente do trabalho dependente/subordinado auferido com base num contrato de trabalho) o que não sucede com os restantes trabalhadores por conta de outrem, em regime de subordinação e em exclusividade, ou advogado profissional liberal, o que consubstancia numa nítida violação do Princípio Constitucional da Igualdade, justiça e proporcionalidade; 14.
A contribuição para a CPAS funciona, ou terá sido pensada, como um modo de proteção do advogado/solicitador profissional liberal contribuinte na situação de reforma e invalidez, em abstracto funciona como um aliud de benefício futuro do interessado e as normas que a preveem terão...
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