Acórdão nº 0721/19.4BECBR de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 09 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução09 de Junho de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de recurso judicial da decisão de avaliação da matéria colectável por métodos indirectos com o n.º 721/19.4BECBR 1. RELATÓRIO 1.1 Os acima identificados sujeitos passivos, notificados da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra e não se conformando com a decisão da mesma, vêm interpor recurso para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, apresentando com o requerimento de interposição do recurso a respectiva motivação, que resumiram em conclusões do seguinte teor: «i) Vem o presente recurso apresentado da decisão que julgou parcialmente procedente o Recurso e, em consequência, anulou em parte a decisão de avaliação da matéria colectável dos ora Recorrentes por métodos indirectos, proferida pelo Director de Finanças de Coimbra em 08.11.2019, na parte que considerou um rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na Categoria G, excedente a € 19.940,90.

ii) O Tribunal em vez de avaliar a legalidade ou a ilegalidade do acto de acordo com os pressupostos de facto e de direito convocados pela ATA, resolveu ele próprio fazer de administração tributária activa: “Mas não era o n.º 4 do artigo 89.º-A da LGT que deveria ter sido aplicado porquanto, como tivemos ocasião de expor acima, estamos perante um caso de verificação simultânea dos pressupostos de aplicação da alínea d) e da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT, pelo que a avaliação indirecta deveria ter sido efectuada nos termos dos n.ºs 3 e 5 do artigo 89.º-A da LGT, e não nos termos do n.º 4 do mesmo artigo, tal como prevê o n.º 2 do artigo 87.º da LGT”.

iii) Não sendo o tribunal fiscal um órgão de administração activa dos impostos, mas antes um órgão para dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas fiscais (art. 212.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa), não lhe cabe praticar o acto tributário que, como título formal e abstracto, declara constituídos na Ordem Jurídica os efeitos jurídicos próprios de uma obrigação pecuniária.

iv) A tanto se opõe o princípio da separação de poderes entre os tribunais e o executivo ou a administração, consagrado como princípio estruturante do sistema de poderes no artigo 111.º da Constituição.

  1. Na verdade, o que o Tribunal fez corresponde a efectuar uma aplicação directa da lei tributária aos factos tributários e isso corresponde ao desempenho da função tributária da AT, o que é ilegal. A aceitar-se a posição do Tribunal, nunca o acto tributário poderia ser anulado com base em erro nos pressupostos de direito, aplicados pela AT, caso os factos considerados pudessem preencher outra norma tributária material.

    vi) O que há, é outra norma que, se fosse aplicada, mas não foi, permitiria à AT efectuar uma liquidação legal, ainda que parcial.

    vii) O art. 89.º-A da LGT não pode ser interpretado de forma isolada devendo chamar-se à colação, desde logo, outras normas legais que estabelecem regras informadoras de todo o sistema fiscal, designadamente o art. 73.º da LGT, segundo o qual «as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário» e, bem assim, os princípios constitucionais da igualdade, da capacidade contributiva e da tributação dos rendimentos reais.

    viii) Evidenciada a aquisição pela recorrida de um imóvel com valor de aquisição superior a € 250.000,00, quando declara rendimentos líquidos que mostram uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão (que foi fixado pelo legislador em 20% do valor da aquisição, em conformidade com a tabela constante do n.º 4 do art. 89.º-A da LGT), consideram-se verificados os pressupostos legais para a avaliação indirecta do seu rendimento tributável.

    ix) Para prova da ilegitimidade deste acto de avaliação indirecta só deve dar-se relevância à justificação total do montante que permitiu a “manifestação de fortuna”, pelo que a justificação meramente parcial não afasta a aplicabilidade da determinação indirecta dos rendimentos que permitiram tal manifestação de fortuna.

  2. Já assim não será no que respeita à fixação do rendimento sujeito a tributação como “incremento patrimonial” em sede de IRS, onde a justificação parcial há-de relevar para a fixação presuntiva do montante do “acréscimo patrimonial não justificado” sujeito a imposto, por força do disposto no art. 73.º da LGT e, bem assim, dos princípios constitucionais da igualdade, da capacidade contributiva e da tributação dos rendimentos reais.

    xi) Embora a justificação parcial da manifestação de fortuna não afaste a aplicação do método de avaliação indirecta previsto no artigo 89.º-A da LGT, não pode deixar de ser considerada na quantificação do rendimento tributável que vai ser determinado por esse método, entendendo-se que a quantificação do rendimento tributável da recorrida deve ser igual a 20% do valor de aquisição deduzindo-se a este valor de aquisição o montante do empréstimo bancário que a recorrida demonstrou ter efectuado para a aquisição do imóvel, uma vez que esse montante não está nem pode estar sujeito a IRS, não podendo, consequentemente, ser presumido ou considerado como rendimento sujeito a tributação, sob pena de estarmos perante uma tributação em que estaria de todo ausente o critério da capacidade contributiva xii) No caso em apreço, não tendo a Administração Tributária efectuado a dedução relativa ao empréstimo bancário na avaliação do rendimento tributável dos recorrentes, há manifesto excesso na quantificação, o que fere de ilegalidade o acto que lhe fixou o rendimento tributável de € 144.000,00 com recurso a avaliação indirecta.

    xiii) Acrescendo que, considerando-se os empréstimos particulares dados como assentes, se constata inexistir qualquer situação que possibilite qualquer acréscimo.

    xiv) Mesmo considerando-se a existência de uma situação de anulação parcial, ainda assim verifica-se existir erro na quantificação efectuada, porquanto o rendimento a acrescer ao declarado é de 3.988.18 € (19.940.90 € x 20%) e não de 19.940.90 €.

    xv) Normas jurídicas violadas: 111.º da CRP; 73.º e 89.º-A da LGT.

    Termos em que e nos mais de direito, no provimento do presente recurso, deve a sentença recorrida ser revogada, julgando-se inteiramente procedente o recurso apresentado contra a decisão que fixou aos ora recorrentes o rendimento de € 144.000,00 a título de manifestação de fortuna ou, subsidiariamente, parcialmente procedente, porquanto o rendimento a acrescer ao declarado é de 3.988.18 € (19.940.90 € x 20%) e não de 19.940.90 €, assim se fazendo JUSTIÇA».

    1.2 A AT, representada pelo Director de Finanças de Coimbra, apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da sentença.

    1.3 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

    1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e a Procuradora-Geral-Adjunta emitiu parecer «no sentido da improcedência do presente recurso com a manutenção da decisão recorrida nos seus...

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