Acórdão nº 01079/20.4BELRA de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 09 de Junho de 2021
Magistrado Responsável | NUNO BASTOS |
Data da Resolução | 09 de Junho de 2021 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1. A…………, contribuinte fiscal n.º ………, com domicílio indicado na Rua ……….., n.º …….., no lugar de …………., 2460-…………… São Martinho do Porto, interpôs, ao abrigo do disposto no artigo 26.º, alínea b), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, o presente recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou totalmente improcedente o pedido de intimação do Serviço de Finanças de Alcobaça para prestação de informações e, consequentemente, absolveu a entidade Requerida do pedido.
Com a interposição do recurso, juntou alegações e formulou conclusões, com numeração sequencial, que a seguir transcrevemos: «(…) 16. Nestes termos, e salvo melhor entendimento, deve de ser julgado procedente o presente recurso e ser revogada a sentença recorrida, por violação do nº1 do artigo 5º da Lei n.º 26/2016, e do nº1 do artº 130º do CIMI, que tem que ser interpretado, sob pena de inconstitucionalidade, ao abrigo do ponto 2 do artigo 268º da Constituição da República Portuguesa (lei superior).
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Suscita-se a inconstitucionalidade da norma do nº 1 do artº 130º do CIMI, caso não seja interpretada no sentido de considerar “um interesse directo, pessoal e legítimo” o direito à informação.
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O pedido se trata de uma mera informação quanto aos documentos já existentes, e não um pedido para criar novos documentos, como facilmente se conclui do pedido feito à AT.
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A informação solicitada não configura a situação prevista no nº 1 do artigo 64º da LGT, como decidiu (erroneamente) o tribunal a quo, porque não diz respeito nem à situação tributária dos contribuintes nem a elementos de natureza pessoal obtidos no procedimento. Quando se está perante dados públicos, que também o são por recurso a outras formas jurídico-institucionais, não se pode estar perante a “intimidade das pessoas”.
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Sendo dados públicos e reais, que também o são por via do registo predial, tem o tribunal a quo de intimar a AT a facultar a informação solicitada, sob pena de violação constitucional do princípio da administração aberta. Não sendo dados protegidos, a regra é o livre acesso.
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Da mesma forma, suscita-se a inconstitucionalidade da norma do nº1 do artigo 64º da LGT, caso seja interpretada no sentido de considerar “intimidade das pessoas” dados que são públicos, ademais reais (números de artigo).
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Por isso, deve a sentença recorrida ser substituída por outra em que o tribunal a quo intime a AT a fornecer: a) O primeiro número de artigo urbano da freguesia de São Martinho do Porto inserido na matriz no ano de 2020; b) O último número de artigo urbano da mesma freguesia que foi inserido na matriz a 31 julho 2020; c) Dos números inseridos entre desde 1 janeiro 2020 e 31 julho 2020, quais OS NÚMEROS DE ARTIGO que foram validados; A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou contra-alegações e formulou as seguintes conclusões, também em numeração sequencial: 36. Conforme exposto, muito bem andou o Tribunal a quo quando decidiu que, “embora a publicidade da propriedade dos prédios esteja garantida pelo Código do Registo Predial, ainda assim o acesso aos elementos constantes das matrizes prediais sofre alguma restrição para impedir que por via do acesso às matrizes, terceiros possam conhecer a capacidade contributiva dos proprietários constituída pelos bens imóveis que lhes pertence, pelo que estará protegido pelo dever de confidencialidade o pedido formulado por quem não demonstre a titularidade de um interesse direto, pessoal e legítimo.” 37. Muito bem andou o Tribunal a quo quando improcedeu o pedido, atendendo que o artigo 64.º da LGT, obriga os dirigentes, funcionários e agentes da AT ao dever de confidencialidade relativamente aos dados pessoais e patrimoniais obtidos no procedimento nomeadamente os decorrentes do sigilo profissional ou qualquer outro dever de segredo legalmente regulado, tendo reconhecido que o motivo aduzido pelo Recorrente, para acesso à informação, não é exercido para juízos de valor nem a ação de intimação o meio próprio para questionar a legalidade na atuação da AT.
A Mm.ª Juiz admitiu o recurso, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo, a coberto dos seguintes dispositivos legais: artigo 279.º, n.º 2 do CPPT e nos artigos 140.º, 141.º, n.º 1, 142.º, n.º 1, 143.º, n.º 1, 144.º, n.ºs 1 e 2 e 147.º, n.º 1, todos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Remetidos os autos a este Tribunal, foram os mesmos com vista à Ex.ma Senhora Procuradora-Geral Adjunta, que lavrou douto parecer, de que transcrevemos o segmento final: «(…) A inscrição de imóveis na matriz e os repectivos artigos não são, salvo melhor opinião, documentos administrativos e não cabem, na previsão do art.º 5º Lei n.º 26/2016.
Aliás, o recorrente não alegou nem demonstrou, muito pelo contrário defendeu que não necessitava fazê-lo, qual o interesse directo pessoal e legítimo, para que ele pudesse aceder às informações pretendidas.
Como muito bem refere o Magistrado do Ministério Público em exercício no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria - parecer de fls 51 do SITAF - “mesmo perante o princípio da administração aberta, a obrigação de prestação de informações pela administração” depende da verificação de certo circunstancialismo, só podendo ser transmitida ao “terceiro” a informação estritamente necessária à realização do interesse directo, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido que fundamenta o acesso, ficando sempre, a informação, condicionada a um real e efectivo interesse na mesma, “o que pressupõe uma avaliação sobre os interesses e valores em confronto e do risco de violação ao acesso a direitos sigilosos, o que não pode deixar de passar por conhecer os fins e interesses subjacentes a esse acesso.
Prossegue aquele Magistrado que, de resto, tal se mostra em consonância com o disposto nos art.s 82º e 85º do CPA ao prescreverem que o acesso a informações administrativas depende da demonstração de um interesse legítimo na sua obtenção. O direito de acesso aos arquivos e registos da Administração não é, nem poderá ser, um direito absoluto, importando equacionar e ponderar o mesmo, em função dos demais direitos e valores constitucionais protegidos, com os quais potencialmente poderá colidir.” – cf. Ac. TCAN de 28/9/2018 no Procº 00517/17.8BECBR), disponível em www.dgsi.pt; O recorrente não demonstrou que tem interesse directo pessoal e legítimo em obter a informação que pretende.
Sendo assim, pelas razões que, sinteticamente deixámos expostas, resulta o nosso entendimento de que o recurso não merece provimento uma vez que a Sentença não padece de qualquer vício e não merece a censura que lhe faz o recorrente.
».
Com dispensa de vistos, atenta a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.
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Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos: «(…) 1. Em 17.08.2020, o Autor solicitou à Autoridade Tributária, através do sítio da internet da sua área pessoal o seguinte: “Que me indique qual o primeiro número de artigo urbano da freguesia de São Martinho do Porto inserido na matriz este ano (desde 1 de janeiro 2020); Que me indique qual o último número de artigo urbano da mesma freguesia que foi inserido na matriz a 31 julho 2020...
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