Acórdão nº 0540/10.3BELRS de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 09 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução09 de Junho de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Apreciação preliminar da admissibilidade do recurso excepcional de revista interposto no processo n.º 540/10.3BELRS Recorrente: A………… Recorrida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) 1. RELATÓRIO 1.1 O acima identificado, inconformado com o acórdão de 20 de Fevereiro de 2020 do Tribunal Central Administrativo Sul (Disponível em http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/-/7b838e64841cc5968025851f004d0a5c.) – que, concedendo parcial provimento ao recurso por ele interposto, revogou a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa na parte em que esta recusou apreciar da relevância da sentença penal absolutória no processo de oposição à execução fiscal e, procedendo a essa apreciação, julgou improcedente a invocação da falta de gerência de facto, enquanto pressuposto da responsabilidade subsidiária, assim como também manteve o julgamento de improcedência quanto à falta de culpa –, dele recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo, mediante a invocação do disposto no art. 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), apresentando com o requerimento de interposição do recurso a respectiva motivação, com conclusões do seguinte teor: «a. Revestindo as questões em apreço nos autos uma relevância manifestamente prática, em atenção à susceptibilidade da questão controvertida de se expandir para além dos limites da situação singular, independentemente da sua relevância teórica, resultando da mesma a possibilidade de repetição da questão noutros casos e da necessidade de garantir a uniformização do direito pela instância de cúpula do sistema judicial tributário, verifica-se – à luz da interpretação que vem sendo firmada pelo Supremo Tribunal Administrativo quanto a cada um dos requisitos legais previstos n.º 1 do artigo 285.º do CPPT, para a admissão do Recurso de Revista quanto a uma decisão de mérito emanada pelo Tribunal Central Administrativo – estarem reunidos os pressupostos para o conhecimento do mérito do presente Recurso de Revista; b. Atendendo ao disposto no artigo 624.º do CPC que confere valor probatório legal extraprocessual à decisão penal absolutória, verifica-se que considerando a factualidade dada como provada na decisão penal absolutória, era à Autoridade Tributária a quem caberia a prova de que o Recorrente havia exercido a gerência de facto da sociedade, nos termos do artigo 74.º da LGT e do artigo 342.º do Código Civil, não podendo prevalecer a presunção de culpa (a favor da Autoridade Tributária) a que alude a alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, concluindo-se que “as instâncias [trataram] a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema”, verificando-se, assim, estar preenchido o segundo requisito a que alude a 2.ª parte do n.º 1 do artigo 285.º do CPPT (necessidade de garantir a melhor aplicação do direito) para efeito de admissão do Recurso de Revista; c. No presente recurso discute-se uma questão que não é de natureza meramente casuística, sendo previsível que a sua solução tenha, ou possa vir a ter, repercussões noutras situações, dada a sua abrangência, que de facto é extensível a todas as situações em que se verifica a existência de uma decisão penal absolutória em que foi reconhecido o não exercício da gerência de facto e em que a Autoridade Tributária reverteu a dívida fiscal contra o gerente de direito com base na presunção prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, estando, portanto, verificado o requisito da relevância social fundamental da referida questão a que alude a 1.ª parte do n.º 1 do artigo 285.º do CPPT, pelo que, estando preenchidos, in casu, os pressupostos legais para a admissão do presente Recurso de Revista, deverá o mesmo ser admitido por Vossas Excelências; d. Nos termos dos artigos 619.º e 621.º do CPC, a sentença transitada em julgado passa a ter força obrigatória dentro e fora do processo, constituindo caso julgado (material) nos termos em que julga, o qual abrange não só a parte final da sentença como também os fundamentos ou motivos da decisão “necessário(s) para interpretar o verdadeiro sentido da decisão e o seu exacto conteúdo”, respeitantes a pontos susceptíveis de serem objecto de processo autónomo e que constituem antecedente lógico, necessário e indispensável da decisão; e. A autoridade do caso julgado de uma decisão estender-se-á a outros casos, designadamente quanto aos chamados fundamentos lógico-jurídicos indispensáveis à decisão ou a questões que sejam consideradas antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado, concluindo-se, assim, que dado que a sentença penal, tal como a sentença judicial, também adquire força obrigatória dentro e fora do processo e faz caso julgado material, em virtude do disposto nos artigos 619.º e 621.º do CPC; f. O artigo 624.º do CPC não pode ser interpretado nos termos efectuados pelo Tribunal recorrido, porquanto, considerando que na decisão penal absolutória o Tribunal criminal considerou como provado que “A………… foi gerente de facto e de direito da 1.ª arguida desde 1991 até Setembro de 2001, altura em que faleceu um dos seus filhos; após essa data, esteve cerca de seis anos sem exercer a gerência, posteriormente administração, de facto da sociedade arguida” (cfr. ponto b) da matéria de facto dada como provada), caberia à Autoridade Tributária a prova de que o ali Arguido, aqui Recorrente, havia exercido a gerência de facto da sociedade; g. Do despacho de reversão nenhuma prova é efectuada quanto à efectiva gerência de facto por parte do Recorrente, na medida em que a reversão operou contra o Recorrente atendendo à presunção de culpa (a favor da Autoridade Tributária) a que alude a alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, constatando-se, assim, que o órgão de execução fiscal, na qualidade de autor da execução instaurada contra o Recorrente, não efectuou a prova de que o mesmo exerceu a gerência de facto; h. Qualquer outro entendimento implicaria uma violação da presunção de inocência, enquanto princípio fundamental do direito português, porquanto o Recorrente seria deixado à mercê de uma decisão que viola ofensivamente outros princípios de relevo: o princípio do Estado de direito, o princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança legítima, o princípio da descoberta da verdade material e, bem assim, o princípio da justiça material, como, aliás, entendeu o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que no caso MELO TADEU C. PORTUGAL, condenou o Estado Português por violação do n.º 2 do artigo 6.º da Convenção dos Direitos do Homem (presunção de inocência); i. Constatando-se que a Autoridade Tributária nada alegou quanto à efectiva gerência de facto do Recorrente, não podia o Tribunal recorrido substituir-se à Autoridade Tributária e considerar como provado uma alegação que não foi efectuada por parte daquela entidade, na medida em que não obstante no contencioso tributário vigore o princípio do inquisitório (e da investigação) – segundo o qual o tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos...

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