Acórdão nº 632/20.0T8FAF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 27 de Maio de 2021
Magistrado Responsável | RAQUEL BAPTISTA TAVARES |
Data da Resolução | 27 de Maio de 2021 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I. Relatório M. L.
intentou ação declarativa em processo comum contra M. G. e C. M., peticionando a condenação dos mesmos a restituírem-lhe a quantia recebida a título de sinal e pagamento, no valor de €6.000 (seis mil euros), acrescida de juros legais, desde 16 de janeiro de 2020 até efetivo e integral pagamento.
Alega para tanto e em síntese que celebrou com os Réus um contrato promessa de compra e venda, prometendo comprar um prédio de que os mesmos eram proprietários, tendo pago €6.000,00 de sinal.
Alega ainda que de acordo com cláusula celebrada entre as partes, ficou fixada como condição imprescindível para a celebração do negócio a aprovação da construção dum Lar Sénior no prédio objeto do mesmo, sendo que se a mesma não viesse a ser aprovada ou fosse ultrapassada a data de janeiro de 2020, os Réus teriam de devolver as quantias recebidas até essa data.
Mais alega que não conseguiu obter a aprovação da construção do edifício, por razões alheias à sua vontade pois a não aprovação da construção não se deveu à vontade da Autora, sendo uma decisão de terceiras entidades, razão pela qual pediu a devolução da quantia de €6.000,00 paga a 16 de janeiro de 2020 e que os Réus negaram-se a tal restituição, pese embora também não tenham procedido ao destaque da parcela necessária para a celebração do negócio prometido, pelo que também por aí incumprem o contrato promessa celebrado.
Regularmente citados os Réus contestaram defendendo que a Autora não lhes fez comprovação da submissão de qualquer projecto para aprovação e financiamento do “Lar Sénior”, que desse origem a qualquer decisão de não aprovação e consequente denegação do financiamento e que a Autora ou se desinteressou do local ou da construção do “Lar Sénior”, não se verificando assim a condição imprescindível em que lhe seria devolvido o sinal pois que ao informar que não obteve a aprovação e consequente financiamento, tal informação teria que ser o corolário necessário da submissão de um projecto a aprovação, para financiamento.
Mais alegam que não tendo submetido qualquer projecto, a Autora devia saber que não podia accionar a condição, tendo que cumprir o contrato o consubstanciará, inclusive, litigância de má-fé, tendo assim os Réus direito a reterem o sinal nos termos do artigo 442º n.º 2 do Código Civil.
Mais referem que não procederam ao destaque da parcela a vender em virtude de tal operação apenas se impor após aprovação da construção e financiamento do Lar.
Foi proferido despacho saneador e despacho destinado à identificação do objecto do litígio e à enunciação dos temas da prova.
Veio a efectivar-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva: “Nestes termos, julgo a ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e em consequência condeno os Réus ao pagamento da quantia de € 6.000,00 à Autora, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados sobre a referida quantia desde 31 de janeiro de 2020, até efetivo e integral pagamento.
Custas por Autora e Réus na proporção do decaimento – cfr. art. 527º do CPC. Registe e notifique.” Inconformados, apelaram os Réus da sentença, concluindo as suas alegações da seguinte forma: “I. Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou a acção parcialmente procedente, por provada, e em consequência condenou os réus, aqui recorrentes, ao pagamento da quantia de € 6.000,00 à autora, acrescida de juros de mora, contados sobre a referida quantia, desde 31 de Janeiro de 2020 até efectivo e integral pagamento; II. O inconformismo dos réus relativamente à sentença recorrida prende-se com a existência de erro de julgamento da matéria de facto; e verificação ou não da condição resolutiva de que as partes fizeram depender a celebração do contrato definitivo, consequências em relação ao negócio condicionado, e erro na aplicação do direito; III. Pelos fundamentos de facto melhor expressos no corpo das alegações, a factualidade do ponto 10 dos factos provados deverá ser eliminada, pois trata-se de uma conclusão que decorre da prova dos factos constantes dos pontos 14 e 15 e não propriamente da prova fundamentada de que a não aprovação da construção e financiamento ocorreram pelo indeferimento do projecto de construção e ou pela não aprovação do financiamento projectado para a construção do edifício; IV. E, se assim não se entender, também pelos fundamentos constantes do corpo das alegações, deve a factualidade do ponto10 dos factos provados transitar para os factos não provados; V. Pelos fundamentos melhor expressos no corpo das alegações e pela análise dos documentos juntos aos autos na petição inicial e contestação, deve ser aditada aos factos provados a seguinte factualidade: A autora, por carta registada comunicou, no dia 16 de Janeiro de 2020, aos réus que não obteve aprovação e consequente financiamento para a construção do edifício, e por isso informou os réus que o contrato promessa de compra e venda ficaria sem qualquer efeito; Os réus, em resposta à carta enviada pela autora e referida no ponto 11, por carta registada datada de 4 de Fevereiro de 2020, interpelaram a autora para comprovar a submissão do projecto que diz não ter tido aprovação e consequente financiamento para a construção do edifício destinado a “Lar Sénior”, carta que a mesma recebeu; VI. De igual modo, pelos fundamentos melhor expressos no corpo das alegações, deve ser considerado como provado que “a autora se desinteressou da construção do “Lar Sénior” após a celebração do contrato promessa, e dando-se tal factualidade como provada deve parte da al. b) dos factos não provados passar para o elenco dos factos provados, o que se impõe e requer ao abrigo dos poderes atribuídos a esta Relação pelo número 1 do artigo 662º do C. P. Civil; VII. Analisados os temas de prova propostos pelo tribunal a quo no despacho saneador, facilmente se conclui que, numa primeira fase, a preocupação do tribunal a quo seria de verificar se a aprovação ocorreu ou não, como efectivamente verificou, e numa segunda fase, seria de verificar a razão pela qual a mesma não se verificou, o que incompreensivelmente não fez; VIII. Considerando os temas de prova enunciados no despacho saneador e a factualidade dada como provada e não provada, parece-nos que o tribunal a quo, aquando da prolação da sentença, desviou-se do caminho previamente traçado, ao considerar como verificada a condição prevista no contrato promessa e ao condenar os réus a devolver as quantias entregues a título de sinal; IX. Pois resulta claro que a autora não praticou qualquer acto no sentido de viabilizar a autorização e financiamento da construção do Lar Sénior; X. Foi a inércia da autora que levou a que não tivesse obtido qualquer autorização de construção, que nem sequer sujeitou a apreciação; XI. Foi a autora quem abandonou o projecto de aprovação e construção do Lar Sénior, conforme supra articulado, pelo que a não celebração do contrato prometido a ela exclusivamente se deve; XII. Nos termos do art. 270º do Código Civil. “As partes podem subordinar a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio jurídico ou a sua resolução: no primeiro caso, diz-se suspensiva a condição; no segundo, resolutiva”; XIII. No caso concreto estando previsto que a escritura pública deveria ser realizada até ao final de Janeiro de 2020, data acordada como limite para a autora obter a aprovação da construção do Lar Sénior, sobre a promitente compradora impendia a obrigação de demonstrar o facto-condição, ou seja, devia dentro daquele prazo diligenciar pela obtenção da autorização da construção e, caso não conseguisse, deveria, como se impunha, comunicar aos promitentes vendedores essa impossibilidade, cessando assim o contrato os seus efeitos, por verificação da condição resolutiva; XIV. É inquestionável que o ónus da prova de verificação da cláusula recaía sobre a autora, promitente compradora, nos termos do art. 342º, nº1, do Código Civil; XV. Ao contrário do que entendeu o tribunal a quo, a jurisprudência dos nossos tribunais superiores tem entendido que “a questão da prova da verificação do facto despoletador da condição resolutiva, o facto-condição, constitui ónus probatório da autora – art. 342º, nº1, do Código Civil, e como se trata, pela aposição da condição de um negócio jurídico subordinado cuja eficácia está umbilicalmente ligada ao negócio jurídico contrato de compra e venda, há que ponderar a utilidade económica dos contratos prometidos, as regras da boa fé, do agir diligente, probo e a actuação que harmonicamente salvaguarde os interesses dos contraentes; não devemos proceder hermeneuticamente como se a cláusula resolutiva tivesse estanquicidade tal, que deva ser interpretada desligadamente do contrato subordinado”. (Vide Ac. STJ de 13-01-201, publicado in www.dgsi.pt; XVI. Como resulta do corpo das alegações a autora não agiu com boa fé negocial e não se comportou como um bonus pater familias, pois, não preparou qualquer projecto de construção, não diligenciou pelo seu licenciamento e nem sequer pela aprovação ou informação prévia junto das entidades administrativas; XVII. A autora incumpriu o contrato nos termos do n.º 1 e 2 artigo 762.º do Código Civil; XVIII. A comunicação da autora aos réus (dar sem efeito o contrato) feita antes mesmo de terminar o prazo para se verificar ou não o evento, autorização da construção, é a manifestação clara do seu incumprimento, pois, com a comunicação dirigida aos réus, confirmou que não iria celebrar o contrato definitivo e que pretendia a devolução do sinal entregue, o que acarreta incumprimento definitivo do contrato nos termos e para os efeitos do 790.º, n.º 2 do Código Civil; XIX. O comportamento da autora, que, pela sua gravidade e relevância, é gerador da verificação da condição, nos termos e para os efeitos do nº 2 do artigo 275º do Código Civil, e leva a concluir que a mesma não se verificou, o...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO