Acórdão nº 27/21.9BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 02 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelANA CELESTE CARVALHO
Data da Resolução02 de Junho de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO A.........

, por si e como legal representante dos seus dois filhos menores, natural de Angola, com a demais identificação nos autos de ação administrativa urgente instaurada contra o Ministério da Administração Interna, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida em 12/02/2021, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que julgou a ação improcedente, absolvendo a Entidade Demandada do pedido de anulação do ato administrativo impugnado.

* Formula a Recorrente, nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem: “1. De acordo com a matéria considerada provada pelo Tribunal a quo entende-se que estão preenchidos os requisitos para a concessão de asilo nos termos do artigo 3.º, n.º 2 da Lei 27/2008.

  1. Ou seja, resultou provado que a Recorrente e a sua família, após ter havido uma alteração no sistema político angolano, começaram a sofrer várias ameaças, foram assaltados, o marido da Recorrente foi sequestrado e queimado vivo, a Recorrente foi violada na sua casa, sofreu e continua a sofrer várias ameaças. É certo que a Recorrente apresentou queixa, mas as ofensas e ameaças continuaram, pelo que se conclui que o sistema policial não é capaz de proteger os cidadãos.

  2. Ora, atendendo à natureza dos atos de perseguição previsto no artigo 5.º da Lei 27/2008 conjugado com o artigo 6.º deveria ser procedente o pedido de asilo formulado pela Recorrente.

  3. Mesmo que não se entenda que estão preenchidos os requisitos para atribuição de asilo, de acordo com os artigos supra referidos, deveria ser concedida a proteção subsidiária à Recorrente, uma vez que, de acordo com a matéria provada se verificam os requisitos para tal atribuição, nos termos do artigo 7.º da Lei 27/2008.

  4. Considerou a Entidade Recorrida que das declarações prestadas pela Autora havia algumas imprecisões, contudo não se poderá considerar que apenas tenham sido invocadas questões não pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerado refugiado ou pessoa elegível para proteção subsidiária.

  5. Tenha-se aqui em consideração que se exige nesta sede ao Estado que aprecia o pedido de asilo uma cooperação ativa com a Autora, havendo que recolher junto de diversas fontes não estatais – como o ACNUR, a EASO ou outras organizações de defesa de direitos humanos – as informações mais atuais e reais e se relevem necessárias para apreciar aquele pedido (cf. Ana Rita Gil, “A garantia de um procedimento justo no Direito Europeu de Asilo”, CEJ - O contencioso do direito de asilo e proteção subsidiária, 2016, págs. 242/243).

  6. No caso sub judice estamos ainda numa fase liminar de apreciação do pedido, em que se atendeu unicamente aos documentos de carácter genérico e vago obtido junto das entidades não estatais e às declarações prestadas pela Autora, desconsiderando-se os esclarecimentos desta em sede de audiência prévia e desvalorizando-se as ofensas graves que a Recorrente sofreu.

  7. Tal como resultou provado, mas que não foi tido em consideração, a Recorrente foi violada, ameaçada e sofreu ofensas, bem como a sua família. Não obstante ter apresentado queixa nas autoridades, as ameaças continuaram, não ficando em segurança no seu país e muito menos em sua casa com os seus filhos. Ora, é sabido que as graves violações dos direitos humanos surgem em contexto de falência de estado com as consequentes situações de anarquia generalizada e de sistemática violação dos direitos humanos, acompanhadas pela ausência de estruturas capazes de conseguirem adequadamente proteger as populações.

  8. É notório tal como resulta da matéria provada, que Angola não foi e não é capaz de, através de uma estrutura adequada, proteger a Recorrente e os seus filhos.

  9. Pelo exposto, deverá o presente recurso ser julgado procedente.”.

    Pede que o recurso seja julgado procedente.

    * O Recorrido, notificado, não contra-alegou o recurso, nada tendo dito ou requerido.

    * O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso.

    Sustenta que se imputa à Requerente o ónus da prova dos factos que alega, mas exige-se também ao Estado que aprecia o pedido de asilo que coopere ativamente, recolhendo junto de diversas fontes não estatais, as informações mas atuais e necessárias para apreciar o pedido.

    A Requerente não pode ser expulsa ou reenviada para um local onde a sua vida ou liberdade estejam ameaçados.

    Entende não haver factos provados para fundar o pedido de asilo, mas que haverá para o pedido de proteção subsidiária.

    Pugna por o SEF dever emitir uma autorização de residência provisória, nos termos do artigo 27.º da Lei de Asilo e concedido tal pedido, nos termos do artigo 67.º, n.º 2 da Lei de Asilo.

    Conclui pelo erro de julgamento da sentença recorrida, devendo ser revogada e substituída por outra que conceda a autorização de residência, extensível às suas duas filhas menores.

    * O processo vai sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de processo urgente, indo à Conferência para julgamento.

    II.

    DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

    As questões suscitadas no presente recurso resumem-se, em suma, em determinar se procedem os seguintes fundamentos: Erro de julgamento, por de acordo com a matéria de facto provada se verificarem os requisitos para a concessão de asilo, nos termos do artigo 3.º, n.º 2 da Lei n.º 27/2008 ou para a proteção subsidiária de autorização de residência, nos termos do artigo 7.º da Lei n.º 27/2008, por o Estado dever colher as informações mais atuais e se revelem necessárias para apreciar o pedido.

    III.

    FUNDAMENTOS DE FACTO A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos: “1) A Autora, nacional de Angola, em 21/10/2020, formulou um pedido de protecção internacional junto das autoridades portuguesas, extensível aos seus filhos menores C......... e J........., após terem sido transferidos no âmbito de um pedido de tomada a cargo formulado pelo Estado Francês a Portugal – cfr. fls. 1-147 do Processo Administrativo (PA) junto aos autos; 2) Em 12/11/2020, a ora Autora prestou declarações no Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF, nos termos do instrumento de fls. 168-174 do PA, que aqui se considera integralmente reproduzido e de cujo teor se extrai, designadamente, o seguinte: “(…) Pergunta (P). Relativamente a informação prestada compreendeu tudo? Resposta(R). Sim P. Tem alguma questão que queira colocar relativamente ao procedimento? R. Não.

    Pergunta (P). Que língua(s) fala? Resposta (R). Português.

    1. Em que língua pretende efetuar esta entrevista? R. Em português.

    2. Tem advogado? R. Não P. Em Portugal é-lhe concedido apoio por uma Organização Não Governamental designada por Conselho Português para os Refugiados (CPR) durante todo o procedimento de proteção internacional. Autoriza que seja comunicado ao Conselho Português para os Refugiados, de acordo com o previsto no nº 3, do artigo 17º, da Lei nº 27/08 de 30.06, com as alterações introduzidas pela Lei nº 26/14 de 05.05, as suas declarações e as decisões que vierem a ser proferidas no seu processo? R. Sim.

    3. Tem algum problema de saúde? R. Sim. Antes de sair de Angola fiquei doente, fiz umas análises e os médicos disseram-me que eu tinha um câncer no útero. Não acabei o tratamento por causa das circunstancias que me levaram a sair de Angola.

    4. Neste momento, sente-se capaz e em condições de realizar esta entrevista? R. Sim.

    5. Esta primeira parte da entrevista serve para conhecermos melhor a sua pessoa, os seus antecedentes, a traçar o seu perfil. Pode falar sobre a sua pessoa, dando o máximo de detalhes sobre si.

    6. Nasci na província do Zaire e vivia com a minha mãe na cidade de Mbanza Congo. Somos uma família de 9 irmãos que vivem espalhados pelas várias províncias do país. Fui para Luanda aos 17 anos. Comecei a escola ainda em Mbanza Congo, mas depois com as guerras fui para Luanda e continuei lá até ao 9º ano. Em Luanda vivi em casa da minha irmã até aos 23 anos altura em que casei e fui viver com o meu marido e tive 3 filhos. Dois viajaram comigo e o outro, que é mais velho, tem 23 anos, ficou em Luanda. Trabalhei sempre como cozinheira e pasteleira até me vir embora.

    7. Tem familiares em Angola? Mantém contacto com eles? R. Tenho as minhas irmãs e o meu filho mais velho, mas não tenho contacto com eles. Não tenho notícias do meu filho. Tento ligar-lhe mas o telefone está desligado.

    8. Vamos agora falar sobre o percurso que fez desde que saiu do seu país até chegar a Portugal. Pode descrever todo o trajeto que efetuou, dando o máximo de detalhes.

    9. Sai de Angola no dia 17.01.20 e vim para Portugal, fiquei 2 a 3 dias e depois fui de autocarro para França.

    10. Quando passou pela fronteira do seu país teve algum problema? R. Não.

    11. É a primeira vez que vem à Europa? R. Em 2017 eu vim em passeio a Portugal, fiquei cerca de 15 dias.

    12. Nessa altura já tinha tido alguns problemas em Angola? R. Não.

    13. Tem agora a oportunidade de fornecer, sem interrupções, o seu relato pessoal sobre os motivos que o levaram a sair do seu país de origem. Se possível inclua o máximo de detalhes sobre esses motivos.

    14. Eu saí de Angola por causa de uma situação com o meu marido. Ele era polícia de emergência, fazia a guarda pessoal à família do ex presidente E.......... Ele era muito dedicado ao serviço e por causa disso eles tratavam-no bem. Por causa disso alguns colegas parecia que tinham inveja dele. Começou a...

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