Acórdão nº 886/20.2BELRA de Tribunal Central Administrativo Sul, 02 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelJORGE PELICANO
Data da Resolução02 de Junho de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul.

A sociedade S...–S..., Lda, vem interpor recurso da sentença que, no âmbito da presente acção de contencioso pré-contratual que intentou contra a A..., S.A.

e contra-interessadas a sociedade V... – S..., S.A.

e outras, declarou a improcedência dos seguintes pedidos: “A) Anular o ato de adjudicação de ambos os lotes praticado pelo Conselho de Administração da R., (…), e, caso já tenha sito celebrado, o contrato a que deu origem; B) Condenar a R. (…) na prática do ato administrativo devido, consubstanciado na adjudicação de ambos os lotes do procedimento pré-contratual em apreço às propostas apresentadas pela A., por se tratarem das propostas economicamente mais vantajosas, na modalidade de preço enquanto único aspeto da execução do contrato a celebrar, nos termos da alínea b), do n.º 1, do artigo 74.º do CCP, e do artigo 12.º, do Programa de Concurso; C) Fixar um prazo de 10 (dez) dias para o cumprimento do dever melhor identificado na alínea anterior (…).

D) Condenar a R. no pagamento das custas da ação, a que deu causa”.

Apresentou as seguintes conclusões com as suas alegações de recurso: “1. A douta sentença recorrida entendeu que o ato impugnado não padece da invalidade que lhe foi apontada com fundamento, no essencial, na discricionariedade técnica do júri na análise dos esclarecimentos referentes ao preço anormalmente baixo e na consequente impossibilidade de sindicar esse juízo perante os tribunais. Entendeu ainda, de forma muito superficial, que da leitura dos esclarecimentos prestados e dos argumentos apresentados, não existe qualquer erro grosseiro, crasso ou palmar, tendo os argumentos empregues pelo júri em sede de relatório final convencido o tribunal que a adjudicação do procedimento à proposta da Contrainteressada não afronta a lei.

2. Esse entendimento, que “contamina” todo o processo decisório materializado na douta sentença recorrida, por si só, constitui um obstáculo intransponível à pretensão da Autora, ora recorrente, e conduziu à improcedência da ação mostra-se eivado de erro de julgamento.

3. A sentença ora recorrida sofre de erro de julgamento por insuficiência de fundamentação da tese aí sufragada, cingindo-se à mera afirmação de que não existe qualquer erro crasso ou manifesto do júri, na medida em “que argumentos empregues pelo júri não se revelaram ténues e imprecisos, tendo logrado convencer este tribunal que a proposta da Contrainteressada ao ter sido adjudicada não afronta a lei e que apresentou uma justificação suficiente para demonstrar a sua seriedade”.

4. Apesar do pedido da Recorrente, o tribunal a quo decidiu não se debruçar sobre o enquadramento normativo do regime do preço anormalmente baixo, não avaliar se a proposta apresentada pela contrainteressada observava a disciplina jurídica do CCP e das peças dos procedimento quanto à justificação apresentada para o seu preço anormalmente baixo, nem se o ato de não exclusão da sua proposta pela entidade adjudicante era ou não legal. Em suma, não apreciou o mérito da pretensão da Recorrente limitando-se a concluir e a adjetivar, sem qualquer sustento de facto ou de direito, os fundamentos do júri, invocando invariavelmente o corolário do poder discricionário da Administração em prejuízo da legitimidade dos tribunais para julgar atos exercidos no âmbito deste poder.

5. Não discutimos o entendimento de que a sindicância sobre as análises efetuadas pelas entidades adjudicantes (ou pelos júris dos procedimentos), quanto à recusa ou aceitação dos fundamentos justificativos relacionados com a apresentação de um preço anormalmente baixo, por consistirem em matérias eminentemente técnicas, encontram-se, em larga medida (mas nunca totalmente), subtraídas ao poder judicial.

6. Com o devido respeito pelo tribunal a quo, isso não veda em absoluto a possibilidade dos tribunais de sindicarem a validade das decisões tomadas pela administração a coberto do seu poder de discricionariedade. E isto, por dois motivos.

7. Primeiro, face ao pedido e à causa petendi formulados na Petição Inicial, em que a Autora aponta um erro grosseiro sobre os pressupostos de facto, designadamente, um erro manifesto de apreciação, decorrente de um muito deficiente juízo técnico ou de valor. Estão aí em causa, portanto, pressupostos, condicionantes ou limites à discricionariedade administrativa, perfeitamente enquadráveis no âmbito da sindicância jurisdicional.

8. Depois, porque a Entidade Demandada se auto vinculou a um princípio de atuação, quando, no programa de procedimento, definiu desde logo dois valores abaixo do quais todos os preços seriam considerados anormalmente baixos. Mas também porque o júri, em sede de relatório preliminar, se auto vinculou a apreciar os esclarecimentos prestados sobre os preços anormalmente baixos tendo em consideração o leque exemplificativo de justificações constante do n.º 4 do artigo 71.º do CCP (como é reconhecimento pelo tribunal a quo – [“Prevendo-se no nº. 4 do artigo [71] “um guião” ainda que exemplificativo das considerações que possam levadas pelo júri quando analisa os esclarecimentos prestados (como foi o caso)”].

9. Portanto, ao contrário do que decidiu o tribunal a quo, e com estes pressupostos, julgamos não estar arredada a possibilidade de sindicar o acerto da decisão impugnada e, por isso, não devia aquele tribunal ter-se escusado da análise e decisão sobre a seriedade e congruência dos esclarecimentos prestados pela contrainteressada, e, por conseguinte, da existência de erro manifesto do júri na sua apreciação.

10. Erro que conduziu à não aplicação do regime previsto nas disposições conjugadas dos artigos 71.º, n.ºs 3 e 4 e 70.º, n.º 2, alínea e) do CCP, que claramente se impunha, em razão da materialidade resultante do procedimento.

11. Não tendo a sentença recorrida analisado, em face dos erros de julgamento atrás apontados, os esclarecimentos prestados pela Contrainteressada à luz do regime legal efetivamente aplicável, deverá este Tribunal fazê-lo, ao abrigo dos poderes que lhe são conferidos pelo disposto no 149.º, n.º 2 do CPTA.

12. Os esclarecimentos apresentados pela Contrainteressada não são mais do que um conjunto de asserções vagas, genéricas e infundamentadas, não contendo qualquer elemento concreto de onde se pudesse inferir uma influência na formação do preço proposto por aquela concorrente.

13. Razão pela qual é inevitável concluir que o ato impugnado, ao considerar os esclarecimentos justificativos do preço anormalmente baixo apresentados pela Contrainteressada, admitindo a proposta desta concorrente, incorre em erro manifesto ou grosseiro de apreciação, atenta a evidente ineptidão do seu conteúdo para esse efeito, bem como em violação do disposto nos artigos 70º, nº2, al. e) e 71.º, n.º 4 do CCP.

14. O Tribunal pode e deve sindicar a decisão da entidade demandada de considerar justificado o preço e admitir a proposta da Contrainteressada, cujos esclarecimentos se mostram, como vimos, manifestamente ineptos, à luz das exigências legais.

15. Deverá, assim, este Venerando Tribunal Central Administrativo Sul anular o ato impugnado, e, em consequência, julgar também procedente, o pedido de condenação da entidade demandada à prática de ato administrativo consubstanciado na adjudicação da sua proposta, ordenada em 2.º lugar no relatório final do júri.

”.

* A Recorrida, A..., S.A., contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões: A) É unanimemente aceite que a definição em concreto e casuisticamente do valor abaixo do qual o preço proposto é considerado anormalmente baixo resulta do exercício de poder discricionário da Entidade Adjudicante, a definir o critério de determinação da anomalia nas peças de procedimento; B) Quanto a esta questão a Recorrente não se insurge; o que questiona é a falta de apreciação do Tribunal a quo sobre um muito deficiente juízo técnico ou de valor e que se deveria ter pronunciado sobre a seriedade e congruência dos esclarecimentos prestados pela contrainteressada, pois, em seu entendimento houve erro manifesto na apreciação do Júri e como este existiu não se aplicaram as disposições conjugadas dos artigos 71.º ns 3 e 4 e 70.º n.º 2 alínea e) todos do CCP.; C) A Entidade Adjudicante, A... considera que a alegação da Recorrente não deve proceder, por várias ordens de razão: D) Não é da competência do tribunal determinar quais os elementos relevantes a considerar como fundamento justificativo de apresentação de um preço anormalmente baixo, nem apreciar, em concreto, da aptidão de cada um deles para relevar como fundamento justificativo da indicação na proposta de um preço mais baixo; esse é um juízo que só ao júri do procedimento compete, em termos que não podem ser replicados pelo tribunal, cfr Acórdão do TCAN de 16.12.2016, processo n.º 00181/16.1 BEDL; E) Caso se verifique algum erro crasso, grosseiro, palmar, na avaliação efetuada por um júri de um concurso público, o tribunal pode corrigir esse erro, cfr Acórdão do TCAN de 16.12.2016, processo n.º 00181/16.1 BEDL; F) Sucede que no presente procedimento concursal e no que diz respeito aos esclarecimentos justificativos do preço anormalmente baixo apresentada pela Contrainteressada V..., o Júri não cometeu qualquer erro grosseiro ao considerá-los como suficientes e aptos às exigências das normas conjugadas da alínea e) do n.º 2 do art. 70º e n.º 4 do art.º 71º todos do CCP.

G) O Júri apreciou as justificações e considerou-as tecnicamente adequadas e justificativas do preço anormalmente baixo apresentado, tendo feito uma apreciação aos elementos apresentados pela contrainteressada; H) O júri, na fase de análise de propostas verificou que a proposta apresentada pela V... foi elaborada com base nos seguintes elementos: I) a) Decomposição detalhada dos preços unitários incorporados no preço proposto, e que estes se enquadram nos preços de mercado, suportando os custos para os trabalhos previstos na...

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