Acórdão nº 5911/18.4T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 27 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelMARGARIDA ALMEIDA FERNANDES
Data da Resolução27 de Maio de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I – Relatório O. P.

, residente na Rua … Braga, instaurou a presente acção sob a forma de processo comum contra X Seguros, S.A.

, com sede na Av. …, nº … Lisboa, pedindo: - a sua condenação a pagar-lhe a quantia € 39.810,85, acrescida de juros de mora a contar da citação; - e no que se vier a liquidar em decisão ulterior, relativamente aos danos patrimoniais e não patrimoniais que resultarem do agravamento das suas lesões, nomeadamente todas as despesas que venha a efectuar quanto a honorários médicos, meios de diagnóstico, medicamentos, despesas hospitalares, taxas moderadoras e quaisquer outras que tenham como causa o acidente dos autos.

Alega, em síntese, que ocorreu um acidente de viação em 21/07/2015, pelas 23h45, em Braga, em que foram intervenientes o autor, que conduzia o motociclo matrícula LQ e o veículo matrícula SE, ligeiro de passageiros, propriedade da sociedade Y, Lda., conduzido na ocasião por T. C. sob as ordens e no interesse desta sociedade, a qual havia transferido para a ré a responsabilidade por danos ocasionados a terceiros pelo mencionado veículo.

O acidente ficou a dever-se a culpa exclusiva do condutor do veículo SE uma vez que circulava em excesso de velocidade e desatento pelo que invadiu a faixa de rodagem por onde circulava o motociclo, embatendo neste e provocando a projecção por 3 metros do autor e queda.

Em razão do sinistro em causa nos autos sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais cujo ressarcimento por esta via reclama.

*A ré contestou invocando a prescrição do direito do autor atenta a data da citação e a data de ocorrência do sinistro.

Requereu a suspensão dos autos por estar pendente processo no Tribunal de Trabalho uma vez que o sinistro foi simultaneamente acidente de trabalho.

A ré aceitou a responsabilidade do seu segurado no sinistro, mas impugnou os danos alegados e considerou excessivos os montantes peticionados tanto mais que devem ser abatidos e considerados os montantes recebidos pelo autor no âmbito laboral.

Mais requereu a Intervenção da W, Companhia de Seguros, S.A., seguradora para a qual a entidade empregadora do autor transferiu a responsabilidade civil emergente de acidente de trabalho, por forma a acautelar o risco de duplicação das indemnizações e assegurar o direito de reembolso daquela seguradora pelos valores já pagos ao autor.

*Foi admitida a intervenção e foi citada a interveniente W PLC, Sucursal em Portugal, que apresentou articulado pedindo a condenação da ré no pagamento da quantia de € 9.019,09 referentes às despesas por si suportadas em virtude do sinistro em causa nos autos.

*Foi realizada audiência prévia, onde se fixou o valor da acção, foi proferido despacho saneador, no qual foi relegado para final o conhecimento da excepção de prescrição, foi indeferida a suspensão requerida uma vez que o processo no âmbito laboral já estava findo, foi identificado o objecto do litígio, foram enunciados os temas de prova, bem como foram admitidos os requerimentos probatórios.

*Procedeu-se a audiência de julgamento reduzindo o autor o pedido no montante de € 1.046,20 atinente com a incapacidade temporária para o trabalho uma vez que já foi ressarcido na íntegra quanto à mesma no âmbito do processo laboral.

* Após foi proferida sentença, cuja parte decisória, na parte que interessa, reproduzimos: “Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente e, em conformidade: - Condeno a R. a pagar ao A. a quantia 11.264,65€ (5000,00€ a título de danos não patrimoniais e 6264,65€ a título de danos patrimoniais, sendo 5500,00€ a titulo de dano biológico), acrescida de juros de mora, à taxa legal anual de 4% desde a citação até efectivo e integral pagamento quanto aos danos patrimoniais.

Quanto aos danos não patrimoniais são devidos juros desde a presente decisão.

Absolvo a R. do mais peticionado pelo A..

- Condeno a R. a pagar à interveniente W a totalidade da quantia peticionada 9019,09€, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde a notificação do pedido à R. até efectivo e integral pagamento Custas pelas partes na proporção do respectivo decaimento. (…)”*Não se conformando com esta sentença veio a ré dela interpor recurso de apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões: “1.ª – No âmbito da responsabilidade civil extracontratual emergente de acidente de viação e no leque dos danos patrimoniais, destacam-se, entre outros, os resultantes das sequelas sofridas que impliquem perda, ainda que abstrata, de capacidade de trabalho e de ganho do lesado.

  1. – Porém, a propósito dos efeitos e ressarcibilidade (ou não) do dano patrimonial resultante da incapacidade, devem projetar-se três hipóteses: a) A perda total ou parcial da capacidade do lesado para o exercício da sua actividade profissional habitual ou específica, durante o período previsível dessa atividade, e a consequente perda efetiva dos rendimentos que dela poderia auferir.

    1. A incapacidade funcional que, mesmo não importando perda ou redução efetivas da capacidade para o exercício profissional da atividade habitual do lesado, implique, ainda assim e pela sua relevância, um considerável maior esforço no exercício dessa atividade e/ou a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais.

    2. A incapacidade funcional que, pelas suas escassas expressão ou relevância, não implique perda de rendimentos, nem imponha que o lesado tenha de empregar esforços suplementares sensíveis no desempenho das suas tarefas profissionais.

  2. – Nas primeiras duas mencionadas hipóteses, o dano emergente da incapacidade permanente geral poderá ser qualificado como dano de natureza patrimonial.

  3. – Porém, o mesmo não sucederá na terceira hipótese, pois não existe qualquer repercussão sensível na atividade profissional do lesado, nem perda, ainda que abstrata ou potencial de perda de capacidade de ganho.

  4. – Portanto, nesta terceira hipótese, em que inexiste considerável rebate profissional, em que as sequelas não afetam a atividade profissional do lesado e os seus proventos salariais, o inerente dano terá de ser qualificado e indemnizado como dano de cariz não patrimonial.

  5. – No caso dos autos, a IPG de 2 pontos de que padece o recorrido, sendo residual, apenas se traduz em meros incómodos, não se verificando a existência de rebate profissional sensível, nem perda de rendimentos ou de oportunidades.

  6. – Assim sendo, o dano biológico correspondente à Incapacidade Permanente (de 2 pontos apenas) reveste-se, manifestamente, de natureza não patrimonial.

  7. – A douta sentença arbitrou ao recorrido, de acordo com os critérios que se lhe afiguraram justos e equitativos, uma indemnização pelo dano não patrimonial no montante de 5.000,00 euros.

  8. – Pelo que, na ausência de um dano patrimonial efetivo e indemnizável, é esta a (única) indemnização a que o recorrido terá direito, sob pena de ocorrer uma indevida duplicação do montante ressarcitório.

    Sem prescindir: 10.ª – Quando se decida que o dano decorrente da IPG de 2 pontos deverá ser qualificado como dano biológico de caráter patrimonial, haverá que convir em que a respetiva indemnização se mostra quantificada com exagero.

  9. – Na Jurisprudência dos nossos Tribunais apresenta-se como dominante a corrente segundo a qual a indemnização destinada a compensar o dano material resultante da IPG deve representar um capital que reponha a perda de capacidade de trabalho e de ganho perdida e que se extinga no fim do tempo provável de vida ativa do lesado.

  10. – À míngua de critérios de quantificação exatos, no sentido de evitar indesejáveis disparidades entre as decisões dos vários Tribunais para casos similares, tem-se entendido – e bem – que o recurso às fórmulas e tabelas matemáticas, financeiras, ou outras similares, constitui um precioso auxiliar do cálculo.

  11. – Os resultados que sejam obtidos mediante estas fórmulas terão, forçosamente, de ser “corrigidos” à luz dos princípios da equidade.

  12. – Mais precisamente, será pertinente e adequado utilizar no caso concreto as denominadas Tabelas Financeiras, como auxiliar de cálculo.

  13. – Através das mencionadas Tabelas Financeiras, considerando o salário que o recorrido auferia, que ele tinha 51 anos à data do acidente, que a incapacidade permanente geral se cifra em 2 pontos e que o seu período de vida laboral ativa irá, previsivelmente, até aos 66 anos (idade “normal” da reforma), chega-se a um valor indemnizatório de 4.000,00 €, por arredondamento.

  14. – Porém, há que “temperar” o citado valor encontrado (4.000,00€) à luz da equidade, através de desconto que tenha em consideração o benefício inerente ao recebimento antecipado e de uma só vez da totalidade do capital indemnizatório.

  15. – Afigura-se justo e equitativo descontar 1/4 pelo sobredito benefício da antecipação e fixar, assim, a indemnização pelo (suposto) dano biológico patrimonial resultante do défice funcional permanente (IPG) de 2 pontos em montante não superior a 3.000,00€.

  16. – Por outro lado, caso venha a decidir-se no sentido de que a IPG de 2 pontos que afeta o recorrido deverá ser ressarcida enquanto dano de natureza patrimonial, importa, ainda, retirar os devidos efeitos da circunstância provada de o recorrido ter recebido, em sede de acidente de trabalho, o capital de remição da pensão que aí lhe foi fixada, no montante de 2.155,44€.

  17. – Resulta da lei e é pacífico na doutrina e na jurisprudência a regra da não cumulação das indemnizações por acidente de viação e trabalho, as quais se complementam até ao ressarcimento integral do dano.

  18. – Assim, caso se entenda ressarcir como dano patrimonial futuro o dano emergente da IPG, deverá à indemnização respetiva ser deduzido o montante do capital de remição recebido em sede de acidente de trabalho, também ela destinada a ressarcir o dano da incapacidade permanente, isto sob pena de duplo ressarcimento do mesmo dano.

  19. – De resto, a recorrente terá de pagar à interveniente W, seguradora do risco laboral, a mencionada quantia de...

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