Acórdão nº 370/21 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Fernando Vaz Ventura
Data da Resolução27 de Maio de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 370/2021

Processo n.º 86/2021

2.ª Secção

Relator: Conselheiro Fernando Ventura

Acordam, em conferência, na 2.ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Vêm os arguidos/recorrentes A. e B. reclamar, ao abrigo do n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, da decisão sumária n.º 289/2021, que decidiu não conhecer do recurso por eles interposto, ao abrigo das alíneas b) e g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa de 30 de dezembro de 2020.

2. Releva para melhor compreensão da presente reclamação que o recurso de constitucionalidade encontra inscrição incidental em processo criminal, no âmbito do qual, através da decisão recorrida, foi julgado improcedente o recurso interposto pelos aqui recorrentes, mantendo a condenação de cada um dos arguidos pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos 103.º, n.º 1, alíneas b) e c), e 104.º, n.º 3, do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), na pena de três anos de prisão, suspensa por igual período, condicionada à entrega à Autoridade Tributária e Aduaneira, durante o período de suspensão, das quantias de € 100.000,00 (arguido A.), e de € 150.000,00 (arguido B.).

3. Nessa sequência, vieram os arguidos interpor recurso para o Tribunal Constitucional, enunciando três questões de inconstitucionalidade, com o seguinte teor:

«a) Artigos 38.º, n.º 2, da LGT e 63.º do CPTT, quando interpretados no sentido de o Tribunal poder aplicar materialmente um instituto - a cláusula geral anti-abuso - da competência da autoridade tributária, e, consequentemente, quando interpretados no sentido do Tribunal poder liquidar o imposto fixando cabalmente o valor do mesmo, por violação do princípio da separação de poderes, consagrado no artigo 2.º da Constituição.»

«b) Artigo 7.º do C.P.P, quando interpretado no sentido do Tribunal poder aplicar materialmente um instituto - a cláusula geral anti-abuso (Artigos 38.º, n.º 2, da LGT e 63.º do CPTT) - da competência da autoridade tributária administrativa, não judicial, e, consequentemente, quando interpretado no sentido do Tribunal poder liquidar o imposto fixando cabalmente o valor do mesmo, por violação do princípio da separação de poderes, consagrado no artigo 2.º da Constituição.»

«c) Artigos 61.º, n.º 1, alínea d), 125.º e 126.º, n.º 2, alínea a), todos do CPP, na interpretação normativa segundo a qual os documentos fiscalmente relevantes obtidos ao abrigo do dever de cooperação previsto no artigo 9.º, n.º 1, do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira e no artigo 59.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária ("LGT") por uma inspeção tributária realizada a um contribuinte, durante a fase de inquérito de um processo criminal pela prática de crime fiscal movido contra o contribuinte inspecionado e sem o prévio conhecimento ou decisão da autoridade judiciária competente, podem ser utilizados como prova no mesmo processo, por violação do princípio do nemo tenetur se ivsum accusare ínsito no artigo 32.º, n.º 1, da CRP.»

As questões enunciadas sob as alíneas a) e b) foram colocadas ao abrigo da via de recurso prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC e a terceira, sob a alínea c), ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.

4. Admitido o recurso, remetidos os autos a este Tribunal e feita a sua distribuição, o relator proferiu a decisão sumária reclamada.

Nos termos da mesma, entendeu-se, quanto à terceira questão enunciada, que inexiste identidade entre a interpretação normativa efetivamente aplicada na decisão recorrida e aquela julgada inconstitucional pelo acórdão-fundamento, afastando, por inverificação do pressuposto específico da via de recurso prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, o conhecimento do recurso nessa parte.

Relativamente às duas outras questões, entendeu-se que comportam o mesmo conteúdo, para além da invocação do mesmo parâmetro, divergindo apenas nas fontes normativas que se diz serem interpretadas: enquanto a primeira indica a conjugação do disposto no n.º 2 do artigo 38.º da LGT e no artigo 63.º do CPTT, a segunda questão, voltando a fazer referência aos mesmos preceitos, enuncia um outro: o artigo 7.º do CPP. Sendo que ambas consubstanciam a colocação de um problema de legalidade, discutindo o que os recorrentes entendem constituir a aplicação material de um «instituto» em invasão da esfera de competência de outro órgão: a “autoridade tributária administrativa”, objeto inidóneo a ser conhecido, razão por que afastou igualmente o prosseguimento do recurso

A título subsidiário, quanto à primeira questão enunciada, entendeu a decisão reclamada que o conhecimento do recurso sempre se encontra vedado, por inutilidade, em virtude de desconformidade com a efetiva ratio decidendi em que assenta o acórdão recorrido. E, quanto à segunda questão, que os recorrentes não asseguraram a sua legitimidade formal para o recurso, porquanto não respeitaram o ónus de suscitação prévia e processualmente adequada, imposto pelo n.º 2 do artigo 72.º da LTC, existindo, também quanto a esta questão, desconformidade substantiva entre o sentido normativo efetivamente aplicado como critério de decisão e o sentido normativo complexo avançado pelos recorrentes.

5. Na peça de reclamação, relativamente à terceira questão de inconstitucionalidade, dizem os recorrentes/reclamantes que «assumindo o sentido normativo enunciado pelos Reclamantes identidade com aquele julgado inconstitucional no acórdão fundamento deverá sempre ser conhecida, sem prejuízo de melhor opinião».

Sobre as duas outras questões, dizem o que segue:

«No que diz respeito às duas primeiras questões colocadas (cfr. alíneas a) e b) supra), o que os Reclamantes questionam é, sem dúvida, o sentido normativo extraído dos preceitos supra indicados pelo Tribunal de Primeira Instância, corroborado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que, ao contrário do defendido na...

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