Acórdão nº 369/21 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Fernando Vaz Ventura
Data da Resolução27 de Maio de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 369/2021

Processo n.º 1085/2020

2.ª Secção

Relator: Conselheiro Fernando Ventura

Acordam, em conferência, na 2.ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Veio o recorrente A. apresentar reclamação, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da LTC, da decisão sumária n.º 35/2021, que decidiu não conhecer do recurso de constitucionalidade que interpôs, visando os acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 8 de setembro de 2020 e em 17 de novembro de 2020.

Para melhor compreensão da reclamação, importa reter que o presente recurso é incidente de apenso de embargos de executado, deduzidos pelo ora recorrente contra B., S.A., no âmbito do qual, no que ora releva, o Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão proferido em 8 de setembro de 2020, negou provimento ao recurso interposto pelo embargante, confirmando o saneador-sentença que havia julgado improcedentes os embargos. Notificado, o embargante peticionou a nulidade e a reforma da decisão, incidente que foi indeferido pelo mesmo Tribunal, por acórdão proferido em 17 de novembro de 2020.

2. No requerimento de interposição de recurso, peticiona-se que o Tribunal aprecie as seguintes questões de inconstitucionalidade:

«A. Mostra-se inconstitucional, por preclusão do princípio do acesso à tutela jurisdicional efetiva, plasmado no art. 20º CRP a interpretação e dimensão normativa do art. 591º n.º 2 a), ex vi art. 732º n.º 2 CPC segundo o qual "[E]m sede de oposição à execução assente em erro vício ou na determinação da vontade é lícito ao Tribunal decidir do mérito de tal oposição, julgando-a totalmente improcedente e considerando sem interesse para a decisão os factos alegados, sem realização de audiência de discussão e julgamento bem como produção de prova e audição das testemunhas arroladas pelo embargante, as quais têm conhecimento direto dos factos e tiveram intervenção no negócio concreto";

B. Mostra-se inconstitucional, por preclusão do princípio do acesso à tutela jurisdicional efetiva, plasmado no art. 20º CRP a interpretação e dimensão normativa do art. 595º n.º 2 b), ex vi art. 732º n.º 2 CPC segundo o qual "[E]m sede de oposição à execução assente em erro vício ou na determinação da vontade, invocado pelo executado avalista em função do encerramento da subscritora da livrança, é lícito ao Tribunal decidir do mérito de tal oposição, julgando-a totalmente improcedente e considerando sem interesse para a decisão os factos alegados, sem realização de audiência de discussão e julgamento bem como produção de prova e audição das testemunhas arroladas pelo embargante, as quais têm conhecimento direto dos factos e tiveram intervenção no negócio concreto";

C. Mostra-se disforme à lei fundamental, por preclusão do princípio do acesso à tutela jurisdicional efetiva, plasmado no art. 20º CRP, a interpretação e dimensão normativa do art. 17º, ex vi art. 77º, ambas as normas LULL, no sentido de No domínio das relações mediatas entre a Exequente/embargada e o Executado/embargante/recorrente [na medida em que ele não interveio a título pessoal no contrato subjacente à livrança nem no pacto de preenchimento da livrança], este último não podia invocar que o preenchimento era abusivo na sequência do erro na formação do contrato, além de que tudo isso era inócuo e irrelevante para efeitos de apreciação e decisão sobre a responsabilidade do mesmo enquanto obrigado "cambiário" [por força do aval prestado na livrança exequenda];

D. De igual forma é inconstitucional, por preclusão do princípio do acesso à tutela jurisdicional efetiva, plasmado no art. 20º CRP, a interpretação e dimensão normativa do art. 17º, ex vi art. 77º, ambas as normas LULL no sentido de "A responsabilização pessoal do executado decorre de o mesmo ter sido avalista da subscritora da livrança e unicamente por força da prestação do aval nela, na medida em que ele avalista se posiciona fora das relações imediatas que se estabelecem entre o emitente desta e a subscritora [encontrando-se apenas numa relação de imediação com a subscritora avalizada], não podendo opor ao portador os meios de defesa que competem ao subscritor, não obstante a subscritora da livrança (uma sociedade comercial!) se mostrar já encerrada, e consequentemente sem personalidade jurídica.»

3. A decisão sumária reclamada afastou o conhecimento do recurso, com os seguintes fundamentos:

«5. No sistema jurídico-constitucional nacional, os recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade, pese embora incidam sobre decisões dos tribunais, conformam-se como recursos normativos, ou seja, visam a apreciação da conformidade constitucional de normas ou interpretações normativas, e não das decisões judiciais em si mesmas consideradas. Como é amiúde salientado, não incumbe ao Tribunal Constitucional apreciar os factos materiais da causa, definir a correta conformação da lide ou determinar a melhor interpretação do direito ordinário, sendo a sua cognição circunscrita à questão normativa jurídico-constitucional que lhe é colocada. Assim, por imperativo do artigo 280.º da Constituição, o objeto do recurso circunscreve-se exclusiva e necessariamente a normas jurídicas, tomadas com o sentido que a decisão recorrida lhes tenha conferido enquanto ratio decidendi, sem que caiba ao Tribunal Constitucional sindicar a atuação dos demais tribunais, a partir da direta imputação de violação da Constituição - mormente no plano dos direitos fundamentais - por tais decisões.

Por outro lado, tratando-se de recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, como ocorre no presente caso, a jurisprudência constitucional vem entendendo, de modo reiterado e uniforme, que são pressupostos específicos deste tipo de recurso, de verificação cumulativa, para além do esgotamento dos recursos ordinários que no caso cabiam, (i) a suscitação pelo recorrente da questão de inconstitucionalidade «durante o processo» e «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2 do artigo 72.º da LTC), e (ii) a efetiva aplicação, expressa ou implícita, da norma ou interpretação normativa, em termos de a mesma constituir ratio decidendi ou fundamento jurídico determinante da decisão proferida no caso concreto.

Quanto ao ónus de prévia suscitação, como se escreveu no Acórdão n.º 269/94, “suscitar a inconstitucionalidade de uma norma jurídica é fazê-lo de modo tal que o tribunal perante o qual a questão é colocada saiba que tem uma questão de constitucionalidade determinada para decidir”, o que reclama que o recorrente identifique, de modo expresso, direto, claro e percetível, a norma ou um segmento dela ou uma dada interpretação da mesma que tem por violador da Lei Fundamental; constituindo orientação pacífica deste Tribunal que, utilizando a formulação do Acórdão n.º 367/94, “esse sentido (essa dimensão normativa) do preceito há-se ser enunciado de forma que, no caso de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua decisão em termos de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os operadores do direito ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por, deste modo, violar a Constituição. Por outro lado, o apontado ónus só se considera cumprido se a questão de inconstitucionalidade normativa tiver sido suscitada perante o tribunal recorrido, em regra, antes de este proferir a decisão recorrida. Com efeito, constitui jurisprudência consolidada deste Tribunal Constitucional que, uma vez que o poder jurisdicional se esgota, em princípio, com a prolação da decisão final e que a eventual aplicação de uma norma inconstitucional não constitui erro material ou lapso manifesto, nem é causa de nulidade da decisão, os incidentes pós-decisórios previstos na lei do processo, não são já, em princípio, meios idóneos e atempados para suscitar, pela primeira vez, uma questão de constitucionalidade de normas aplicadas na decisão do pleito (cf., por todos, Acórdão n.º...

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