Acórdão nº 363/21 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução27 de Maio de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 363/2021

Processo n.º 291/21

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é reclamante o Município do Óbidos e são reclamados A. e B., o primeiro interpôs recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão proferido por aquele Tribunal no dia 29 de janeiro de 2019, que negou provimento ao recurso interposto pelo réu e julgou parcialmente procedente o recurso interposto pelos autores, em ação declarativa com processo ordinário na qual os segundos pediam que fosse reconhecido e declarado assistir-lhes o direito de modificação de contrato de compra e venda.

2. Do recurso de constitucionalidade constam as seguintes conclusões:

«A. Nas alegações de recurso de Apelação que apresentou, em 24.11.2014, junto do Juiz 3 da Secção Cível da Instância Central do Tribunal da Comarca de Leiria, no âmbito do Processo n.º 951/06.9TBCLD, o ora Recorrente suscitou a inconstitucionalidade das normas que se retiram do disposto dos artigos 154.º do CPC e do artigo 437.º do CC;

B. Apesar disso, o Tribunal a quo, no Acórdão de que ora se recorre, aplicou as normas cuja inconstitucionalidade havia sido suscitada, interpretando-as precisamente no sentido que havia sido alegado como sendo inconstitucional.

C. O presente recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, já que está em causa a aplicação, por parte do Tribunal a quo, de normas (e sua interpretação) cuja inconstitucionalidade foi suscitada pelo Recorrente de modo processualmente adequado durante o processo e antes da prolação do Acórdão, de 29.01.2019.

D. As normas cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal Constitucional venha a apreciar são as que se retiram dos artigos 154.º do CPC e do artigo 437.º do CC, quando interpretadas normativamente no sentido de que a fundamentação de uma decisão judicial que aprecia o instituto da alteração das circunstâncias pode não ser feita com base em fundamentos puramente legais, podendo incluir juízos políticos, ou seja, juízos que integrem considerações sobre a conveniência e/ou oportunidade da atuação em causa.

E. Esta interpretação normativa padece de inconstitucionalidade por violação do princípio da separação de poderes, previsto nos termos do artigo 111.º da CRP; do princípio da independência dos tribunais, previsto nos termos do artigo 203.º da CRP, do princípio da fundamentação das decisões judiciais, previsto nos termos do artigo 205.º da CRP, e, por fim, o disposto no artigo 202.º, também da CRP, concernente ao âmbito da função jurisdicional.

F. Com efeito, permitir que, no âmbito do exercício da função jurisdicional, um tribunal possa, em sede de fundamentação de uma decisão judicial, utilizar considerações que não sejam exclusivamente atinentes a aspetos relacionados com fundamentos legais e, nesta medida, tecer considerações que claramente se enquadram em juízos de oportunidade ou de conveniência - e que, nessa medida, se integram exclusivamente no âmbito da função administrativa, sendo acometidos também exclusivamente à Administração Pública no exercício desta função - é algo manifestamente violador do princípio da separação de poderes e, nesta medida, do dever de fundamentação das decisões judiciais.

G. O Recorrente suscitou a inconstitucionalidade das normas que se retiram do disposto no artigo 154.º do CPC e do artigo 437.º do CC nas alegações de recurso de Apelação que apresentou, em 24.11.2014, junto do Juiz 3 da Secção Cível da Instância Central do Tribunal da Comarca de Leiria, no âmbito do Processo n.º 951/06.9TBCLD.

H. Mais se refere que a questão da inconstitucionalidade das normas legais foi suscitada perante o Tribunal a quo, antes de este Tribunal proferir o Acórdão do qual presentemente se recorre, de modo inequívoco, com menção expressa das competentes normas da LTC.»

3. Por despacho datado de 28 de setembro de 2020, o tribunal a quo rejeitou a interposição do recurso de constitucionalidade, por considerar, no essencial, que o mesmo foi interposto de modo intempestivo, por um lado, e que, de todo o modo, as questões apresentadas não apresentam o necessário caráter normativo. Sugere ainda o Supremo Tribunal de Justiça que a questão de constitucionalidade não encontra correspondência em qualquer norma que tenha tido efetiva aplicação na decisão recorrida. Foi a seguinte a fundamentação apresentada.

«1. O Réu Município de Óbidos, a 8 de janeiro de 2020, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do art. 70º, al. b), da LTC, tendo por objeto a interpretação, preconizada pelo acórdão recorrido – de 29 de janeiro de 2019 -, dos arts. 154º do CPC e 437º do CC, que apreciou o mérito da causa.

2. Está, pois, em causa um recurso de constitucionalidade, interposto ao abrigo do art. 70º, nº 1, al. b), da LCT. Nos termos do nº 2 do mesmo preceito, apenas cabe recurso de “decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam, salvo os destinados a uniformização de jurisprudência”. Conforme o art. 75º da LTC, o prazo de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional é de dez dias.

3. In casu, o objeto do recurso de constitucionalidade é o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça a 29 de janeiro de 2019, cujo trânsito em julgado ocorreu em 15 de fevereiro de 2019 – em conformidade com o decidido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de dezembro de 2019 a propósito da emissão de certidão com data de trânsito. Afigura-se, por isso, evidente que a interposição do recurso para o Tribunal Constitucional apenas a 8 de janeiro de 2020 é claramente intempestiva.

4. Com efeito, conforme referido supra, não impedindo o pedido de dispensa ou redução da taxa de justiça subsequente, apresentado sob a forma de pedido de reforma quanto a custas, o trânsito em julgado do acórdão recorrido – de 29 de janeiro de 2019 – que apreciou do mérito da causa, não aproveita ao Réu a pretensa interrupção do prazo de interposição de recurso até que esse pedido fosse apreciado.

5. Por conseguinte, tendo decorridos mais de dez meses desde a data do trânsito em julgado do acórdão recorrido – de 29 de janeiro de 2019 – até à apresentação do requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade, ao abrigo dos arts 70º, nº 1, al. b), e nº 2, 75º, nº 1, e 76º, nºs 1 e 2, da LTC, deve o recurso ser considerado extemporâneo.

6. De resto, ainda que assim não fosse, sempre haveria lugar à inadmissibilidade do recurso de constitucionalidade por não se entender em que medida a referência, numa das decisões precedentes ao acórdão recorrido, a alegadas considerações de índole política, possa consubstanciar uma interpretação dos arts. 154º do CPC e 437º do CC que afronte o princípio da separação de poderes e a independência dos tribunais com o argumento de que o dever de fundamentação das decisões judiciais e a aplicação do instituto da resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias deveria apenas ser feito com base em fundamentos legais.

7. Na verdade, o objeto do recurso de constitucionalidade, ao abrigo do art. 70º, nº 1, al. b), da LTC, necessita de se revestir de caráter normativo, impedindo que a fiscalização concreta da constitucionalidade resvale na sindicância das decisões dos tribunais judiciais enquanto tais – id est, numa apreciação dos concretos termos em que aí foram aplicadas certas normas de direito ordinário. A competência do Tribunal Constitucional num recurso, com este fundamento, consiste, única e exclusivamente, na apreciação da possível desconformidade de uma norma de direito ordinário com a Constituição.

8. As questões suscitadas pelo Recorrente não supõem a apreciação da conformidade de qualquer norma de direito ordinário com um parâmetro constitucional, mas apenas de correção da aplicação do direito ordinário por parte do Supremo Tribunal de Justiça. Todavia, este último tipo de intervenção está vedado ao Tribunal Constitucional, sob pena de ingerência numa esfera de competências que o ordenamento jurídico reserva de modo exclusivo a outros tribunais.

9. O Réu/Recorrente faz referência a determinados preceitos e a interpretações deles feitas pelo Supremo Tribunal de Justiça. Porém, essas referências nunca se traduzem numa verdadeira norma, no sentido que este conceito assume para os efeitos de um recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade.

10. In casu, da análise do acórdão recorrido – de 29 de janeiro de 2019 – não se retira que a interpretação feita dos referidos preceitos contenha alguma dimensão normativa que implique um juízo de inconstitucionalidade face a qualquer dos princípios constitucionais invocados. Acresce que a referência feita pelo Supremo Tribunal de Justiça à concordância geral com o enquadramento feito pelo Tribunal da Relação de Lisboa não pode, de modo algum, traduzir-se numa renovação das considerações tecidas a propósito da atuação do Réu Município de Óbidos, ora Recorrente, no âmbito do negócio em causa nos autos.

11. Limita-se o Réu/Recorrente Município de Óbidos a construir uma suposta dimensão normativa das normas respeitantes ao dever de fundamentação das...

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