Acórdão nº 387/21 de Tribunal Constitucional (Port, 02 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução02 de Junho de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 387/2021

Plenário

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. O Partido Iniciativa Liberal (IL), representado pelo Presidente do Conselho Nacional, Nuno Rodrigo Branco Ferreira Santos Fernandes, veio, em 21 de fevereiro de 2021, e na sequência da realização, em 15 de Novembro de 2020, da IV Convenção Nacional, requerer ao Presidente do Tribunal Constitucional que «se digne ordenar a anotação no registo próprio desse Tribunal Constitucional dos revistos Estatutos por que se passará a reger o partido político Iniciativa Liberal, com sua integral publicação».

Juntou cópia dos Estatutos revistos, tal como aprovados na IV Convenção Nacional da Iniciativa Liberal, de 15 de novembro de 2020 (fls. 412 a 420), bem como ata da mencionada Convenção (fls. 421 a 430), acompanhada em anexo de «propostas de redação dos estatutos alternativas à da Comissão Estatutária» (fls. 430v a 435), «Proposta de revisão 2020 – Iniciativa Liberal – Partido Político» (fls. 436 a 444v) e declaração de retirada de proposta de alteração de estatutos (fls. 454).

2. O Ministério Público emitiu parecer no sentido de que resulta expressamente do teor da ata da IV Convenção Nacional do Partido que o leque das modificações aprovadas implicou uma votação global de novos Estatutos, com a consequente revogação de todas as versões anteriores, pelo que a nova versão implica uma apreciação global, em termos semelhantes à que se efetua aquando da inscrição de um partido no registo existente no Tribunal Constitucional.

Depois de proceder a análise circunstanciada dos novos Estatutos, concluiu o Ministério Público no sentido de nada obstar à anotação requerida, com exceção da existência de uma eventual desconformidade do regime disciplinar, no que respeita ao exercício de competência sancionatória, com o disposto nos artigos 22.º, n.º 2 e 30.º, da Lei Orgânica n.º 2/2003 de 22 de agosto, indicando que o Partido requerente deve ser convidado a saná-la.

3. Notificado do parecer do Ministério Público, o Partido requerente pronunciou-se no sentido de que a matéria em apreço não sofreu alterações face à anterior versão dos Estatutos, pelo que não deve merecer reapreciação pelo Tribunal Constitucional. Mais alegou que, sobre o aspeto que suscitou dúvidas, os Estatutos remetem para o Regulamento Disciplinar, onde se prevê a possibilidade de recurso interno de decisões disciplinares sancionatórias, pelo que inexiste desconformidade com a Lei Orgânica n.º 2/2003 de 22 de agosto.

Cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentação

4. O pedido formulado inscreve-se no disposto no n.º 3 do artigo 6.º da Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de agosto, com as alterações introduzidas pelas Leis Orgânicas n.os 2/2008, de 14 de maio e 1/2018, de 19 de abril (Lei dos Partidos Políticos, referida adiante pela sigla «LPP»), onde se dispõe que «[c]ada partido político comunica ao Tribunal Constitucional, para efeito de anotação, a identidade dos titulares dos seus órgãos nacionais após a respetiva eleição, assim como os estatutos, as declarações de princípios e o programa, uma vez aprovados ou após cada modificação».

Trata-se de uma revisão global dos Estatutos do Partido, cuja versão ora apresentada pretende substituir a anterior, implicando a respetiva revogação. Ora, como bem salienta o Ministério Público, dado que se trata de uma substituição integral de Estatutos – ainda que nem todas as disposições estatutárias tenham sido modificadas –, importa proceder a uma apreciação equivalente à exigida nos casos de inscrição de um novo partido no registo existente no Tribunal Constitucional, nos termos do disposto na alínea e) do n.º 2 do artigo 223.º da Constituição e dos n.os 1 e 2 do artigo 16.º da LPP.

5. Apreciemos, em primeiro lugar, a vertente formal do presente pedido.

As alterações estatutárias foram aprovadas pelo órgão competente e seguiram os procedimentos previstos, nos termos do artigo 7.º, n.º 1, alínea a) e 23.º, n.º 1, dos Estatutos então em vigor.

De acordo com a ata da IV Convenção Nacional da Iniciativa Liberal, de 15 de novembro de 2020, a alteração dos Estatutos, resultante das distintas apreciações e votações das propostas de modificações apresentadas perante a reunião daquele órgão estatutário, foi globalmente votada e aprovada por 167 votos favoráveis, 7 abstenções e 9 votos contra.

Nesta conformidade, as alterações estatutárias foram aprovadas por maioria superior a dois terços dos votantes, tal como exigido pelos Estatutos, razão pela qual, do ponto de vista formal, não merecem reparo.

6. Decorre do artigo 46.º, n.º 4 da Constituição e do artigo 8.º da LPP que «[n]ão são consentidos partidos políticos armados nem de tipo militar, militarizados, ou paramilitares, nem partidos racistas ou que perfilhem a ideologia fascista». Decorre ainda do n.º 1 do artigo 46.º da Constituição a inadmissibilidade da constituição de partidos que se destinem a promover a violência ou cujos fins sejam contrários à lei penal.

Da leitura dos novos Estatutos, designadamente do seu artigo 2.º, n.º 1, respeitante ao «objeto», bem como da alínea j) do Ponto n.º 4 do Capítulo I da Declaração de Princípios e da alínea f) do Ponto n.º 6 do Capítulo I da mesma Declaração de Princípios, verifica-se que o Partido requerente não perfilha a ideologia fascista, não é racista, nem se destina a promover a violência ou a prosseguir fins contrários à lei, designadamente a penal.

Também não se extrai dos Estatutos ora revistos que o Partido requerente vise a promoção da violência ou que se configure como um partido político armado, nem de tipo militar, militarizado ou paramilitar, uma vez que não consta de qualquer documento a apologia do uso de armas ou da violência como forma de ação política, nem há quaisquer outros elementos que o indiciem.

7. O artigo 51.º, n.º 4 da Constituição e o artigo 9.º da LPP consagram a proibição da constituição de «partidos políticos que, pela sua designação ou pelos seus objetivos programáticos, tenham índole ou âmbito regional».

A análise dos Estatutos ora revistos não revela que tal proibição tenha sido violada, aí não se encontrando nenhum elemento de que se possa extrair âmbito ou índole regionais do Partido requerente.

8. De acordo com o artigo 12.º da LPP, cada partido tem uma denominação, símbolo e sigla que devem preencher os seguintes requisitos: (i) não ser nenhum destes elementos idêntico ou semelhante ao de outro partido já constituído; (ii) quanto à denominação, não se basear no nome de uma pessoa ou conter expressões diretamente relacionadas com qualquer religião ou com qualquer instituição nacional; (iii) quanto ao símbolo, não poder confundir-se ou ter relação gráfica ou fonética com símbolos e emblemas nacionais nem com imagens e símbolos religiosos.

No caso vertente, os Estatutos revistos não introduziram quaisquer alterações à denominação, símbolo e sigla do Partido requerente, face à versão anterior, pelo que importa apenas reiterar o que consta do Acórdão n.º 826/2017, que apreciou a questão por ocasião da criação do Partido, no sentido do preenchimento desses requisitos.

9. Nos termos do artigo 51.º, n.º 5, da Constituição e dos artigos 5.º e 6.º da LPP, os partidos políticos devem reger-se, na sua organização e gestão, pelos princípios da transparência, democraticidade e participação.

A leitura dos Estatutos reformulados, designadamente dos seus artigos 9.º a 13.º, não evidencia, em matéria de organização interna – condições de admissão, direitos, deveres e sanções aplicáveis aos militantes – a violação...

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