Acórdão nº 862/07.0BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 27 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelPATRÍCIA MANUEL PIRES
Data da Resolução27 de Maio de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

I-RELATÓRIO O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra o despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra o ato de liquidação de Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis (IMT), no valor de €1.396,38.

A Recorrente apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem: I. O thema decidendum no âmbito dos presentes autos de recurso consiste em aferir se o substabelecimento da procuração irrevogável, datado de 14-01-2004, outorgado ao ora impugnante constitui um facto tributário sujeito a IMT.

  1. Em 14-01-2004 foi outorgado subestabelecimento da procuração, no interesse do ora impugnante, não podendo aquele ser revogado sem o acordo deste último, conforme resulta provado no ponto 6 do probatório.

  2. Estabelece o n.º 1 do art.º 2 do CIMT que «O IMT incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis situados em território nacional».

  3. Diz o seu n.º 3 que «Considera-se que há também lugar a transmissão onerosa para efeitos do n.º 1 na outorga dos seguintes actos ou contratos: c) Outorga de procuração que confira poderes de alienação de bens imóveis ou de partes sociais a que se refere a alínea d) do n.º 2 em que, por renúncia ao direito de revogação ou cláusula de natureza semelhante, o representado deixe de poder revogar a procuração».

  4. Assim do disposto no art.º 2°, n°. 3, alínea c), do CIMT resulta que apenas se exige que a procuração, cumulativamente: confira ao procurador poderes de alienação do imóvel, para si ou para terceiro; e que seja irrevogável.

  5. Considerou a douta sentença que “ Só se o específico ato de substabelecimento, praticado no interesse do procurador substabelecido e com cláusula de irrevogabilidade, transferisse o poder de alienar o bem - o que não sucedeu no caso -, poderia prefigurar-se a incidência de IMT. Donde, não pode ter-se verificado o facto tributário que a AT considerou preenchido no ato tributário sob sindicância” VII. Não se conforma a Fazenda Pública com o supra entendimento da sentença ora recorrida pois resulta do ponto 6 do probatório que no subestabelecimento da procuração outorgada ao impugnante se incluem poderes para alienação do prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de Oeiras S. Julião da Barra, sob o artigo ....., fração E.

  6. Aliás a própria sentença recorrida refere que ao ora impugnante foi outorgado subestabelecimento da procuração com “poderes para contratualmente alienar a parte que ao Sr. H..... cabia na contitularidade da fração autónoma identificada nos autos (e que, conjugada com a procuração outorgada no mesmo dia pela Sr.ª Dr.ª C....., sem cláusula de irrevogabilidade, permitia a alienação do direito de propriedade sobre o imóvel”. (sublinhado nosso).

  7. Com a outorga de procuração irrevogável, a transmissão da propriedade considera-se consumada com a emissão da procuração, independentemente da ocorrência de qualquer outro facto, sendo as procurações irrevogáveis tratadas no CIMT como verdadeiras compras e vendas de imóveis X. Como no próprio Preâmbulo do CIMT se reconhece é também irrelevante que se utilizem ou não os poderes conferidos na procuração, ou que não tenha existido qualquer tradição do imóvel, nem o pagamento do preço se exige.

  8. Face ao supra exposto não se pode conformar a Fazenda Pública com o entendimento da sentença recorrida segundo o qual “Não existindo “transmissão onerosa de imóvel” promovida pelo procurador subestabelecido, não estão preenchidos os pressupostos da tributação (…).

  9. Com efeito a obrigação constitui-se no momento em que ocorre a transmissão, cf. art.º 5.º n.º 2 do CIMT.

  10. Ou seja, o facto tributário sujeito a imposto consumou-se com a outorga da procuração irrevogável ao ora impugnante, sendo irrelevantes os factos subjacentes ou posteriores, que se verificarem por acordo das partes.

  11. Aliás, a ser verdade que as partes não pretendiam a cláusula de irrevogabilidade então o caminho a trilhar seria o da anulação do ato com os efeitos ex tunc, previsto no art.º 289.º do CC.

  12. Refere ainda a douta sentença que «o desígnio subjacente à solução legal presente no art.º 2 n.º 3 alíneas c) e d) do CIMT é, de harmonia com o exposto, o de atalhar à evasão fiscal, assumindo-se que, munido de uma das designadas procurações (ou subestabelecimentos) irrevogáveis, na prática o mandatário fica com o poder de alienar o bem a terceiros sem pagamento de imposto».

  13. De acordo com o disposto na alínea f) do art.º 4 do CIMT «Nas situações previstas nas alíneas c) e d) do n.º 3 do art.º 2, o imposto é devido pelo procurador ou por quem tiver sido subestabelecido, não lhe sendo aplicável qualquer isenção ou redução de taxa, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do art.º 22».

  14. Das disposições citadas resulta que a outorga de subestabelecimento de procuração com poderes de alienação de prédio urbano ou parte dele, integra o conceito de transmissão de bens imóveis, sendo o sujeito passivo do imposto em tal ato transmissivo o procurador subestabelecido, no caso, o aqui impugnante.

  15. Ou seja, a liquidação deste imposto deveria assim ter sido efetuada a pedido do sujeito passivo – neste caso, o ora impugnante – antes da outorga do subestabelecimento da procuração, nos termos do artigo 22.º n.º 2 do CIMT. O que não sucedeu no caso sub judice.

  16. Assim, nos termos do n.º 2 do art.º 19 do CIMT, não tendo o impugnante solicitado a emissão da correspondente liquidação referente ao ato sujeito a imposto – subestabelecimento de procuração irrevogável – a AT emitiu a liquidação oficiosa ora impugnada.

  17. A atuação da AT cumpriu o desígnio subjacente à solução legal presente no art.º 2 n.º 3 alíneas c) e d) do CIMT o qual consiste em desincentivar o recurso à procuração irrevogável como meio fraudulento de obviar o pagamento do imposto através da pratica de negócio com um fim economicamente semelhante (sendo irrelevantes factos posteriores que tenham impedido a transmissão onerosa do bem sobre o qual versou o subestabelecimento outorgado).

  18. Face ao supra exposto conclui a Fazenda Pública que se revelam cumpridos os requisitos cumulativos exigidos pelo art.º 2°, n°. 3, alínea c), do CIMT e, assim sendo, o caso sub judice integra o conceito de transmissão de bens imóveis, sendo o sujeito passivo do imposto em tal ato transmissivo o procurador subestabelecido, no caso, aqui o impugnante.

  19. Assim sendo é manifesto que a Administração Tributária fez uma correta interpretação das normas legais aplicáveis ao caso concreto pelo que deve o ato tributário ora impugnado não viola qualquer disposição legal e deve ser mantido na esfera jurídica da recorrida XXIII. A sentença de que se recorre violou o disposto no art.° 2°, n°. 3 al. c) do CIMT e a decisão encontra-se em contradição com os fundamentos que invoca, pelo que não pode manter-se devendo ser revogada.

Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas excelências suprirão, deverá o presente Recurso ser dado como procedente, e em consequência ser revogada a decisão recorrida e ser julgada totalmente improcedente a presente impugnação judicial. Tudo com as devidas consequências legais.” *** O Recorrido, devidamente notificado para o efeito, apresentou contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma: “1.ª Tendo em vista a factualidade provada com os números 4,14,15,16,17,25, contrariamente ao que consta das conclusões da recorrente, não se verifica o preenchimento da previsão normativa do artigo 2º,nº.3/c do CIMT ou de qualquer outra norma.

  1. Tal como consta da R. decisão, no caso “sub judice”, não ocorreu qualquer facto tributário passível de liquidação de qualquer tributo como foi o caso.

    Afastada a presunção, isto é, provado que não houve transmissão onerosa de bens, pressuposto inultrapassável da concreta tributação e da subsequente obrigação do sujeito, somos, mais uma vez, levados a concluir que não se verificou qualquer facto tributário suscetível de ser objeto de liquidação.

  2. Contrariamente às “conclusões “no recurso, sem factos de suporte, a R. decisão “sub judice” não violou qualquer norma, designadamente o disposto no art.º 2.º, n.º 3/a do CIMT ou qualquer outra.

    Na manutenção da R. decisão recorrida tal como proferida, farão V. Exªs: JUSTIÇA.” *** O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

    *** Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

    *** II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto: “Com relevo para a decisão da causa, tendo em atenção as diversas soluções de direito plausíveis, resulta provada a seguinte matéria de facto: 1. O Impugnante é advogado, inscrito no Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, titular da cédula profissional com o número .....; (cfr. PAT n.º 400067.6 a fls. 10); 2. Em 16.4.2003, no 1.º Cartório Notarial de Competência Especializada de Lisboa, foi outorgada a Procuração que se dá por reproduzida e da qual se retira: “PROCURAÇÃO No dia dezasseis de Abril de dois mil e três, em Lisboa e no Primeiro Cartório Notarial de Competência Especializada desta cidade, perante mim, A....., primeira ajudante do referido Cartório, compareceu como outorgante: Dr. H....., NIF ....., divorciado, natural da freguesia de Alcântara, concelho de Lisboa, residente na ....., concelho de Lisboa.

    Verifiquei a identidade do outorgante pela exibição do seu bilhete de identidade número ....., de 3 de Abril de 2000, emitido em Lisboa, pelos Serviços de Identificação Civil.

    E por ele outorgante foi dito que pelo presente instrumento, constitui sua bastante procuradora, a senhora Dr.ª C....., NIF ....., solteira, maior, natural da freguesia e concelho da Vidigueira, residente na...

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