Acórdão nº 348/21 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução27 de Maio de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 348/2021

Processo n.º 1220/2019

3.ª Secção

Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), em que é recorrente o Ministério Público e recorrida a A., C.R.L., o primeiro interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, adiante «LTC»), da decisão daquele tribunal arbitral de 31 de outubro de 2019, que julgou parcialmente procedente o pedido de impugnação de atos de liquidação adicional de imposto do selo relativos aos anos de 2014, 2015 e 2016 (cf. fls. 3-17). Concretamente, concluiu o tribunal que, na parte em que foi liquidado imposto do selo sobre os montantes cobrados a título de taxa multilateral de intercâmbio e de comissões sobre operações efetuadas com cartões bancários em caixas automáticas, os atos de liquidação impugnados careciam de suporte legal, uma vez que «a verba 17.3.4. [da Tabela Geral do Imposto do Selo, adiante «TGIS»], na redação vigente em 2014, 2015 e 2016, não abrangia a TMI nem as taxas ATM (comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos em operações com cartões bancários).» (cf. fl. 14). Recusou ainda o tribunal a quo aplicar a verba na redação que lhe foi dada pelo artigo 153.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, à qual o artigo 154.º da mesma lei atribui caráter interpretativo, por aderir ao entendimento adotado em jurisprudência anterior do mesmo tribunal, segundo o qual «a nova lei a que foi atribuída natureza interpretativa é verdadeiramente inovadora, pelo que aquele artigo 154.º da Lei n.º 7-A/2016 é materialmente inconstitucional, por ser incompaginável com a proibição de retroactividade que consta do artigo 103.º, n.º 3, da CRP, por estatuir uma aplicação retroactiva da alteração que aquela Lei introduziu na verba 17.3.4 da TGIS.» (cf. fl. 15).

2. O Ministério Público interpôs recurso, indicando que pretendia ver apreciadas as normas «constantes do artº 154º da Lei n.º 7-A/2016 e da verba n.º 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na redacção introduzida pela referida Lei com a interpretação adoptada na decisão ora recorrida.» (cf. fl. 21v).

3. Admitido o recurso por despacho do tribunal arbitral, de 28 de novembro de 2019 (cf. fls. 24v-25) e prosseguindo os autos neste Tribunal, as partes foram notificadas para alegar, nos termos previstos no artigo 79.º da LTC, «com a menção de que – atento o teor da decisão recorrida (cf., em especial, as fls.12-verso a 15) – constitui objeto do presente recurso o artigo 154.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, na parte em que, atribuindo caráter interpretativo à redação dada por essa lei à verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo, determina que se considerem abrangidas por esta verba as quantias cobradas entre entidades bancárias, em data anterior à entrada em vigor daquela lei, por operações com cartões em caixas automáticas e a título de taxa multilateral de intercâmbio.» (cf. fl. 82).

4. O recorrente apresentou alegações, que concluiu nos seguintes termos (cf. fls. 84-93):

« 1.ª) Vem interposto recurso, pelo Ministério Público, para si obrigatório, nos termos do disposto nos artigos 25.º (n.º 1) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, 280.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa e arts. 70.º, n.º 1, al. a), 72.º, n.º 3, ambos da LOFPTC, “da decisão arbitral proferida em 31/10/2109 no Processo nº 171/2019-T do Centro de Arbitragem Administrativa (…) [em que é Requerente a A., C. R. L. e Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira] quanto à parte em que decidiu “recusar, com fundamento em inconstitucionalidade, a aplicação do art. 154º da Lei nº 7-A/2016, de 30 de Março, bem como da nova redacção da Verba 17.3.4 que introduziu na TGIS (…) por violação do disposto no artº 103º nº 3 da CRP”.

2.ª) O fundamento da lei interpretava radica na proteção das expetativas seguras e legítimas dos interessados, na medida em que “estes podiam contar com a solução fixada pela lei LN interpretativa” visto ela “consagrar um dos vários sentidos facilmente comportados pelo texto da LA”, sendo que por tal via serão tuteladas considerações de “justiça relativa”, “certeza” e “razoabilidade”, tudo em ordem a um tratamento igual de casos iguais.

3.ª) Um dos casos típicos em que os destinatários podiam contar com a solução fixada pela lei LN interpretativa, é aquele em que a “lei interpretativa” sufraga uma interpretação “declarativa” (ainda que “lata”) do texto da LA.

4.ª) Ora, na expressão legal “Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros” poderão ser subsumidas, justamente por o serem, as TMI e as comissões cobradas sobre as operações efetuadas com cartões em caixas automáticas.

5.ª) Por outra parte, as “instituições de crédito, sociedades ou outras instituições financeiras”, emitentes dos cartões em causa, ao fazerem uso do serviço financeiro assim prestado pelas instituições de crédito, sociedades ou outras instituições financeiras” que são detentores do ponto ATM, são das mesmas “clientes”, nomeadamente para os presentes efeitos de incidência subjectiva e objectiva do imposto do selo.

6.ª) A solução jurídica perfilhada na LN opera no quadro das regras hermenêuticas prescritas na lei tributária, nomeadamente à luz de argumentos literais (“comissões por operações financeiras” e “clientes”) e da substância económica dos factos em causa (serviços financeiros prestados pelos titulares dos pontos ATM) ali consagrados (LGT, art. 11.º, n.ºs 1 e 3).

7.ª) Por conseguinte, a solução jurídica perfilhada na LN, ao aditar o enunciado “incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões”, consagra uma “interpretação declarativa” das palavras “Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros” da pretérita fórmula da verba 17.3.4 da TGIS, o que lhe confere um cariz interpretativo, em sentido próprio.

8.ª) Aliás, idêntica interpretação das palavras da verba 17.3.4 da TGIS já foi perfilhada em sede de decisões arbitrais, no douto acórdão de 7 de dezembro de 2017, proc. n.º 756/2016-T, no âmbito de controvérsias tributárias.

9.ª) Assim, quer da situação de facto (autoliquidação, com base em autointerpretação, que não consubstancia uma definição vinculativa do direito), quer da situação de direito (a LN consagra uma “interpretação declarativa” das palavras da LA), decorre que não existe no caso “uma expetativa segura e legítima dos interessados” antes a interessada podia contar com a solução fixada pela lei LN interpretativa”, visto ela “consagrar um dos vários sentidos facilmente comportados pelo texto da LA”.

10.ª) Em conclusão, quanto à matéria de constitucionalidade, a decisão arbitral incorreu em erro de julgamento, por força de erro de interpretação quanto ao alcance, no caso em apreço, da “lei interpretativa” respeitante à incidência objetiva do imposto, nomeadamente à luz do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição.

Termos em que, concedendo provimento ao presente recurso, deverá ser revogada a douta decisão arbitral recorrida, baixando então os autos ao tribunal arbitral recorrido, a fim de que este a reforme em conformidade com o julgamento de não inconstitucionalidade (LOFPTC, art. 80.º, n.º 2). »

4. Decorrido o prazo, a recorrida não contra-alegou (cf. fl. 95).

Cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

5. Constitui objeto do presente recurso o artigo 154.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, na parte em que, atribuindo caráter interpretativo à redação dada por essa lei à verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (adiante «TGIS»), determina que se considerem abrangidas por esta verba as quantias cobradas entre entidades bancárias, em data anterior à entrada em vigor daquela lei, por operações com cartões em caixas automáticas e a título de taxa multilateral de intercâmbio (adiante designada «TMI»).

Esta questão já foi apreciada por este Tribunal, designadamente no Acórdão n.º 566/2020 (cuja posição foi reiterada no Acórdão n.º 196/2021), em que pode ler-se o seguinte (cf. II, 16):

«16. Segundo a decisão recorrida, apesar de o legislador classificar a norma em apreciação como meramente interpretativa, ela apresenta-se como sendo verdadeiramente inovadora. Assim, considerou que, ao definir a nova redação da verba 17.3.4., dada pelo artigo 153.º da Lei n.º 7-A/2016, como mera interpretação, através do artigo 154.º da mesma lei, o legislador está a impor retroativamente novos encargos fiscais. Em consequência, o tribunal a quo recusou a aplicação «daquele artigo 154.º, bem como da nova redação da verba 17.3.4.».

Concretamente, entendeu o Tribunal recorrido, no ponto...

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