Acórdão nº 339/21 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução27 de Maio de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 339/2021

Processo n.º 946/2020

3ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. No âmbito dos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que é recorrente A., S.A. e recorrida a Autoridade Tributária e Aduaneira, foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (doravante, «LTC»), do acórdão proferido por aquele Tribunal, em 6 de maio de 2020, que julgou totalmente improcedente a impugnação da Contribuição sobre o Setor Bancário referente ao exercício económico de 2011, no montante de € 29.002.824,55, liquidada ao recorrente.

2. Através da Decisão Sumária n.º 116/2021, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso quanto a três das quatro questões de constitucionalidade enunciadas no requerimento de interposição.

Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«4. O recurso interposto no âmbito dos presentes autos incide sobre o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, em 6 de maio de 2020, e funda-se na previsão da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, de acordo com a qual cabe recurso para o Tribunal Constitucional «das decisões dos tribunais (…) [q]ue apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo».

Conforme se extrai do requerimento de interposição do recurso, o recorrente pretende ver reconhecida a: (i) «inconstitucionalidade dos artigos 3.º do RJCSB e dos artigos 3.º e 6.º da Portaria CSB, por violação do princípio da proibição da retroatividade da lei fiscal, previsto no artigo 103.º, n.º 3, da CRP, e do princípio da tutela da confiança, pela circunstância de essas normas determinarem a incidência da CSB sobre o passivo efetivamente existente no exercício findo em 31 de dezembro de 2010 em resultado da atividade desenvolvida e dos eventos ocorridos até essa data - ou seja, em data anterior à respetiva entrada em vigor independentemente do cálculo necessário ao seu apuramento e da formalidade da aprovação das demonstrações financeiras em data posterior, formalidade essa que é de mera "constatação", não produzindo qualquer efeito sobre tais atividade e eventos e, portanto, sobre o resultado dos mesmos»; (ii) «inconstitucionalidade formal do artigo 6.º da Portaria CSB, por falta de lei habilitante, se interpretado no sentido de determinar a incidência temporal da Contribuição sobre o Setor Bancário sobre factos ocorridos antes da sua entrada em vigor»; (iii) «inconstitucionalidade orgânica dos artigos 4.º e 5.º da Portaria CSB, por violação do princípio da legalidade fiscal na vertente de reserva de lei, com acolhimento no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP, pela circunstância de essas normas da Portaria CSB fixarem a base de incidência - aliás, em manifesta contradição com o RJCSB - e a taxa da CSB sem que tenham sido precedidas de lei expressa, prévia e completa quanto aos elementos essenciais do tributo em causa, da Assembleia da República ou de Decreto-Lei autorizado do Governo»; e (iv) «inconstitucionalidade material dos artigos 2.º, 3.º e 4.º do RJCSB, aprovado pelo artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, bem como dos artigos 4.º e 5.º da Portaria CSB (se não forem considerados organicamente inconstitucionais nos termos supra), por violação do princípio da igualdade, decorrente do artigo 13.º da CRP, na vertente da equivalência, funcionalizado pelo princípio da proporcionalidade».

5. Por força do disposto no n.º 2 do artigo 72.º da LTC, constitui pressuposto de admissibilidade dos recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do respetivo artigo 70.º que a questão de constitucionalidade enunciada no requerimento de interposição do recurso haja sido suscitada «durante o processo» e «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer».

Ao impor ao recorrente a antecipação, perante o Tribunal recorrido, da questão de constitucionalidade ulteriormente enunciada no requerimento de interposição do recurso, o n.º 2 do artigo 72.º da LTC responde a uma exigência decorrente da própria natureza da intervenção do Tribunal Constitucional no âmbito da fiscalização da constitucionalidade: dirigindo-se o recurso de constitucionalidade à reavaliação do pronunciamento contido numa anterior decisão - e não à apreciação ex novo do vício pretendido controverter no âmbito da fiscalização concreta -, a exigência de que a questão seja suscitada antes de esgotado o poder jurisdicional da instância recorrida visa garantir a obtenção de uma decisão suscetível de ser impugnada perante o Tribunal Constitucional, assegurando que este somente seja chamado a reapreciar as questões de constitucionalidade ponderadas (ou suscetíveis de o terem sido) pelo tribunal a quo (neste sentido, vide Acórdão n.º 130/2014). É justamente para assegurar essa convergência que, para além da antecipação da questão de constitucionalidade perante a instância recorrida, o pressuposto de admissibilidade fixado no n.º 2 do artigo 72.º da LTC impõe ainda ao recorrente o ónus de delimitação e especificação perante o tribunal a quo do objeto do recurso, o que pressupõe, desde logo, a identificação do preceito ou preceitos - arco legal - que suporta(m) a norma cuja validade constitucional pretende questionar.

Consubstanciando-se a norma no binómio composto por um ou mais preceito legais e um determinado conteúdo normativo (cf. Acórdão n.º 50/2021), a suscitação processualmente adequada da questão de constitucionalidade pressupõe – vem-no afirmando este Tribunal desde há muito – que tal conteúdo seja «enunciado de forma que, no caso de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua decisão, em termos de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os operadores do direito, ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por, desse modo, afrontar a Constituição» (cf. Acórdão n.º 367/94).

Tendo em conta as contra-alegações apresentadas pelo recorrente junto do Supremo Tribunal Administrativo, tal ónus não se pode dar por observado relativamente às questões enunciadas em (i) e (iv).

5.1. Quanto à primeira (i), fundada na violação «do princípio da proibição da retroatividade da lei fiscal, previsto no artigo 103.º, n.º 3, da CRP, e do princípio da tutela da confiança» e suscitada no ponto B. das contra-alegações apresentadas, o aqui recorrente defendeu perante o Supremo Tribunal de Justiça que autoliquidação a que procedera «seria ilegal, por inconstitucionalidade da norma que a prevê por violação do princípio constitucional da não retroatividade dos tributos (de todos os tipos de tributos) contemplada no artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa» (ponto 55); que, «[n]este contexto, a aplicação do regime aprovado pelo artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, ao passivo e ao valor nocional dos instrumentos financeiros fora de balanço em data anterior a 1 de janeiro de 2011, nomeadamente em 31 de dezembro de 2010, violaria o princípio constitucional da não retroatividade dos tributos» (artigo 60); e ainda que «a aplicação da Contribuição sobre o Setor Bancário ao passivo e ao valor nocional dos instrumentos financeiros fora de balanço em 31 de dezembro de 2010, traduzindo a aplicação de normas tributárias com retroatividade máxima, é materialmente inconstitucional, o que inquina qualquer liquidação na mesma fundada, nomeadamente a autoliquidação a que o Recorrido procedeu em 30 de junho de 2011» (ponto 79). Para seguidamente concluir que, «ainda que se considere que a lei prevê que a Contribuição sobre o Setor Bancário era de facto devida já em 2011, incidindo sobre o passivo e o valor nocional dos instrumentos financeiros fora de balanço em 31 de dezembro de 2010, ainda assim a autoliquidação efetuada pelo Recorrido seria ilegal, por inconstitucionalidade da norma que a prevê por violação do princípio constitucional da não retroatividade dos tributos (de todos os tipos de tributos, incluindo as contribuições) contemplada no artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa» (conclusão v)); e que, «ainda que não existisse a disposição constitucional que proíbe a retroatividade ao nível dos tributos, ou ainda que tal disposição não fosse aplicável às contribuições, ainda assim o princípio da tutela da confiança (também um princípio constitucional) seria suscetível de salvaguardar a posição dos sujeitos passivos confrontados com a tentativa de tributação de factos passados, já que a aplicação da Contribuição para o Setor Bancário a factos já concluídos não passaria, inequivocamente, o crivo jurisprudencialmente consagrado a este respeito» (cf. conclusão e w)).

Isto é, tanto no corpo das contra-alegações produzidas junto do Supremo Tribunal de Justiça como nas conclusões com que as finalizou, o recorrente imputou a violação dos princípios da proibição da retroatividade da lei fiscal e da tutela da confiança à norma que prevê o ato de autoliquidação – que não identificou – e à «aplicação do regime aprovado pelo artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro», ou mesmo da própria «Contribuição sobre o Setor Bancário», ao passivo e ao valor nacional dos instrumentos financeiros fora de balanço em 31 de dezembro de 2010; não a uma norma precisa e delimitada, cuja aplicação devesse ser recusada pelo Supremo Tribunal Administrativo com fundamento em inconstitucionalidade.

5.2. O mesmo se verifica, mutatis mutandis, relativamente à questão de inconstitucionalidade fundada na violação...

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