Acórdão nº 00648/20.7BELRA de Tribunal Central Administrativo Norte, 21 de Maio de 2021

Data21 Maio 2021
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1998_01

Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* * I – RELATÓRIO ESTALEIROS NAVAIS (...), S.A, devidamente identificada nos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 04.03.2021, e promanada no âmbito da presente Ação de Contencioso Pré-Contratual por si intentada contra o MUNICÍPIO (...), igualmente identificado nos autos, que julgou procedente a exceção de falta de interesse em agir e, em consequência, absolveu a Entidade Demandada e as contrainteressadas N., S.A, e N., S.A., da instância.

Alegando, a Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…) I. A decisão aduzida pelo Mm.° Juiz a quo assenta, no essencial, na ideia de que «[...] a A. nunca poderá ver a sua proposta admitida e adjudicado o contrato objeto dos autos como, ainda, que fosse excluída a proposta da CI e anulada a decisão de adjudicação [...] à entidade adjudicante assiste o direito de optar pelo ajuste direto e, nessa medida, a A. nunca poderia apresentar nova candidatura.», com base na conclusão, de que a proposta, por ter sido excluída com fundamento no artigo 146.°, n.° 1, al. l) do CCP não admitiria a adjudicação por ajuste direto à recorrente, nos termos do artigo 24.°, n.° 3 do CCP.

  1. Sucede que o tribunal a quo erra na sua decisão em dois níveis: (1) assume que a inadmissibilidade de ajuste direto provoca falta de interesse em agir e (2) aceita a exclusão da proposta da recorrente com fundamento no referido artigo 146.°, n.° 1, al. l) do CCP.

  2. Quanto ao valor da ação defendeu o tribunal a quo que «[...] Esse beneficio económico não é indeterminado para efeitos de aplicação do art. 34.°, n.° 1 do CPTA. Apenas não foi quantificado pela A. perante este Tribunal, quando, sendo sua a proposta apresentada, dispunha dos meios para o fazer. [...]».

  3. Quanto ao primeiro ponto, parece-nos que é feito um salto lógico injustificável, atendendo a que é assumido que a escolha óbvia e única para a entidade adjudicante é a realização de um ajuste direto.

  4. Contudo a escolha do procedimento não deixa nunca de ser uma decisão discricionária da entidade adjudicante, dentro dos limites impostos pela lei, pelo que o tribunal, em nosso entender, parece presumir saber qual a intenção da administração, assumindo que o procedimento a adotar seria o do ajuste direto nos termos do artigo 24.°.

  5. Ora, a escolha do procedimento em concreto cabe no espaço de discricionariedade administrativa que, in casu, e dentro dos procedimentos identificados, é absolutamente livre, pelo que nos parece incompreensível que o interesse em agir se afira tendo por base a possibilidade de escolha de um desses mesmos procedimentos.

  6. Quando, na situação concreta, e se o fundamento de exclusão da recorrente por via do artigo 146.° fosse procedente (o que apenas se admite por mero raciocínio) a consequência seria a possibilidade de convidar apenas a Contrainteressada a apresentar proposta e, sendo proposta única, teria certamente prejuízo nas condições financeiras do contrato a celebrar.

  7. Sendo plausível que a entidade adjudicante, mesmo assim, opte por recorrer a concurso público para garantir as melhores condições de preço, e assim proteger o interesse público, por ela prosseguido.

  8. Existindo procedimentos aos quais a recorrente poderia participar (nomeadamente concurso público) é excessivo concluir pela inexistência de interesse em agir.

  9. Dito isto, e concomitantemente, sempre seria admissível o convite à recorrente no âmbito do ajuste direto.

  10. O Tribunal a quo defende, no essencial, que «[...] no documento “3_ESPECIFICACAO TECNICA COMPLETA_REV_A.pdf” a A. agregou parte do document (e seu conteúdo/anexos) “Projeto Preliminar” exigido pela subalínea iv. da al. b) do n.° 2 da Cláusula 2ª como também parte do documento “Lista de Equipamentos Principais” e seu conteúdo (“acompanhados pelos catálogos e manuais técnicos”) referido na sub al. vii da al. b) do n.° 2 da clausula 2ª. E analisado esse ficheiro é que nele vem aposta uma única assinatura na primeira página, não contendo, pois, uma assinatura eletrónica qualificada individualizada para cada um dos documentos que o integram. […]».

  11. Em primeiro lugar, parece que o Tribunal a contemporâneos quo pretende concluir que os concorrentes se encontram totalmente vinculados à organização das propostas, conforme imposta pelo programa do concurso. Não é o caso.

  12. É manifesto que as propostas devem incluir todos os elementos descritos na cláusula 12.a do programa do procedimento.

  13. Porém, a forma de organização, agrupando vários aspetos num só documento, ou subdividir a proposta em elementos separados, cabe à opção de cada concorrente.

  14. Em segundo lugar, o tribunal a quo assume que a assinatura eletrónica apenas está aposta na primeira página, o que significaria que o restante “ficheiro” não se encontra assinado. Tal é, com o devido respeito, um erro de natureza técnica, e que assenta no desconhecimento do funcionamento das assinaturas eletrónicas.

  15. Ao contrário de uma assinatura gráfica, que apenas existe caso se verifique estar aposta em cada uma das páginas documento em causa, por forma a considerá-la válida, uma assinatura eletrónica é uma propriedade atribuída ao ficheiro informático.

  16. Quer isto dizer que, tecnicamente falando, é impossível assinar apenas uma página de um documento informático. Ao assiná-lo, assina todas as páginas.

  17. Nestes termos, parece-nos carecer de sentido lógico dizer que fica prejudicada a garantia, com a mesma fiabilidade e facilidade de verificação, da inalterabilidade da proposta e dos elementos que a compõem, exigindo a certeza absoluta de que o modo alternativo de assinatura equivale rigorosamente, para os referidos fins, à assinatura eletrónica individualizada que a lei exige, porque jurídica e Tecnicamente falando todas as páginas de todos os ficheiros que compõem a proposta estão assinadas com assinatura eletrónica qualificada.

  18. E constitui uma interpretação altamente expansiva do disposto no artigo 54.° da Lei n.° 95/2015 dizer que se impõe a divisão de uma proposta em múltiplos documentos separados com o único propósito de garantir o cumprimento de uma ficção: a assinatura individualizada.

  19. O documento foi entregue com uma assinatura com poderes bastantes para obrigar, com a intenção de assinar o documento para que fizesse parte da proposta, e ficou garantido que o documento não poderia ser mais alterado.

  20. Dito isto, e sem prescindir, a atender-se à interpretação que o tribunal a quo dá à Lei n.° 96/2015 (nomeadamente o artigo 54.°) sempre se dirá que estamos perante uma violação direta do Direito da União Europeia originário e derivado.

  21. A lei mencionada procede à transposição do artigo 29.° da Diretiva 2014/23/UE, o artigo 22.° e o anexo IV da Diretiva 2014/24/UE e o artigo 40.° e o anexo V da Diretiva 2014/25/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014.

  22. Ora, dispõe o artigo 22.°, n.° 6, al. c) da Diretiva 2014/24/EU que «[...] Se concluírem que o nível de risco, avaliado em conformidade com a alínea b), exige assinaturas eletrónicas avançadas, conforme definidas na Diretiva 1999/93/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (27), os Estados-Membros, ou as autoridades adjudicantes atuando no âmbito de um quadro geral estabelecido pelo Estado-Membro em causa, aceitam assinaturas eletrónicas avançadas baseadas num certificado qualificado, tendo em conta se esses certificados são fornecidos por prestadores de serviços de certificação que constam da lista aprovada nos termos da Decisão 2009/767/CE da Comissão (28), criadas com ou sem recurso a um dispositivo seguro de criação de assinaturas [...]» XXIV. A diretiva não impõe a obrigatoriedade de serem apostas assinaturas eletrónicas qualificadas, nem estabelece quaisquer regras quanto à unificação/separação de documentos, e respetivas assinaturas, pelo que as soluções adotadas pelos Estados-Membros da União Europeia têm de ser avaliadas pelas regras e princípios aplicáveis.

  23. Ora vejamos as consequências práticas da interpretação da legislação nacional pelo tribunal a quo: Uma proposta é apresentada com assinatura eletrónica qualificada, com todos os elementos pedidos pelas regras do concurso, e é, concomitantemente, a proposta economicamente mais vantajosa. Se a mesma for apresentada num único ficheiro formato *.pdf, a solução da legislação portuguesa, tal como interpretada pelo tribunal, é a exclusão, o que é especialmente incompreensível quando o ficheiro tem uma dupla assinatura (do próprio ficheiro e da plataforma).

  24. O impacto prático é que a melhor proposta acaba excluída, preferindo-se propostas piores do ponto de vista que importa para a concorrência...

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