Acórdão nº 00509/16.4BEPNF de Tribunal Central Administrativo Norte, 21 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelFrederico Macedo Branco
Data da Resolução21 de Maio de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* I Relatório J., e E.

, no âmbito da Ação Administrativa intentada contra o Município (...), tendente, em síntese, à anulação do “ato administrativo proferido pelo senhor vereador do pelouro da gestão urbanística da Câmara Municipal de (...) (…) por via do qual aquele ordenou a cessação de utilização no prazo de 30 dias do estabelecimento de restauração cuja exploração foi cedida ao autor”, inconformados com a Sentença proferida em 20 de setembro de 2020, que julgou a Ação Improcedente”, vieram em 26 de outubro de 2020 interpor recurso jurisdicional para esta instância da referida decisão proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel.

Formulam os aqui Recorrentes/J. e E.

nas suas alegações de recurso, as seguintes conclusões: 1. As notificações para efeitos de audiência prévia sempre versaram sobre um concreto invocado ato: uma alegada decisão do Presidente da Câmara através da qual este órgão autárquico terá decidido ordenar, ou ser sua intenção ordenar, a cessação da utilização da atividade de restauração da fração dos autos e, antes de tomar a decisão definitiva, impunha-se conceder ao interessado no direito a possibilidade de se manifestar sobre tal projeto de decisão.

  1. Ora, como se concluiu na douta sentença recorrida, não existe no procedimento administrativo (doravante PA) qualquer despacho ou decisão do Presidente da Câmara Municipal de (...) através da qual este órgão decidiu ordenar, ou ser sua intenção ordenar, tal cessação de utilização.

  2. Assim, a motivação da sentença de que se recorre confunde os dois órgãos da ED/Recorrida, independentemente de atuarem com poderes delegados ou não, tendo em conta o disposto na al. b) do n.º 2 do artigo 114.º do CPA; 4. Por isso, se a ED/Recorrida pretendia comunicar ao Autor/Recorrente a intenção de prática de um ato administrativo de um Vereador, no uso de poderes delegados, não podia informar recorrentemente, em todos os casos, que tal decisão fora tomada pelo Presidente da Câmara, mas sim por ele próprio.

  3. Ora, o que consta dos factos que integram o probatório sob os n.ºs 28) (remessa da notificação de 12.02.2015) e 33) (remessa da notificação de 18.03.2015) é que o que foi remetido ao abrigo da dita delegação de competências foi o ofício, mas não a decisão.

  4. Assim, a questão crucial neste ponto não é sindicar a competência delegada para proceder ao envio de ofícios e notificações, mas sim com sobre o seu teor efetivo, de acordo com o que um administrando deve esperar, de acordo o disposto na citada alínea b) do n.º 2, do artigo 114.º do CPA.

  5. E o Vereador em causa, não obstante, em algumas das notificações, ter invocado que tinha competências delegadas para a notificação – e não ter invocado essa delegação nas suas decisões –., não hesitou em todas elas de subscrever pelo seu próprio punho que lhe estava a comunicar ao Autor/Recorrente concretas decisões do Presidente da Câmara, que simplesmente inexistiram (Cfr. factos 28 e 33 do probatório).

  6. Ou seja, o Vereador em questão escreveu e subscreveu com plena consciência do que fazia, de que a intenção de praticar o ato impugnado fora tomada pelo Presidente de Câmara Municipal, e que ele, por via dos seus referidos dois despachos, apenas ordenara as respetivas notificações, que ele próprio se encarregou de subscrever, como se viu.

  7. Por isso, entende o Autor/Recorrido que ficou comprometido o seu direito de audiência prévia, pois o que lhe foi comunicado não foi um despacho do invocado autor dos atos – o Presidente da Câmara Municipal –, mas dele próprio Vereador–.

  8. Pois, se o Vereador tinha competência delegada, tinha obrigação de informar, através das notificações que fez pelo seu próprio punho, de informar que o ato era seu – no uso da dita competência – e não Presidente da Câmara (face aos termos conjugados do disposto nos artigos 114º, n.º 2, ai. a), 122º, n.º 2, 48º, n.º 2, in fine, 49º, 50º, al. a).

  9. Não tendo, assim, existido tal ato do Presidente da Câmara, como ficou provado nos autos, ficou rotundamente condicionada a audiência prévia do Autor/Recorrente, porquanto se soubesse que a mesma não existia, tinha o direito de invocar essa ilegalidade e de usar, se fosse o caso, outros meios para impugnar o ato ou defender a sua esfera jurídica, caso o ED/Recorrida persistisse em manter que a intenção era de alguém – o Presidente da Câmara – que nunca cogitou, ou pelo menos nunca exprimiu formalmente, essa mesma vontade.

  10. Assim, verifica-se que, nesta parte, o ato objeto da presente impugnação padece do vício de ausência de efetiva audiência prévia, pelo que se mostra violado o disposto nos artigos conjugados nos artigos 267.º, n,º 5, da CRP, 122.º, n.º 2, 114.º, n.º 2, al. b), e 48Y, n.º 2, in fine, 49.º e 50.º, al. a), todos estes do CPA), 13. Razão por que, por força do decorrente erro de julgamento, deve ser revogada a sentença dos autos e substituída por outra que, acolhendo o invocado vício, anule o ato impugnado e declare procedente o pedido e a presente ação.

    Sem prescindir, 14. O ato impugnado consistiu num despacho de mera concordância com a informação [rectius, relatório, na letra da lei] que, ao abrigo do disposto no citado artigo 126.º do CPA, propôs a prática do ato impugnado, datada de 22.06.2015, e que integra o facto assente n.º 35 do probatório.

  11. Ou seja, o autor do ato adere ao teor de um relatório cujos fundamentos de facto não foram dados como provados nos autos.

  12. Quer isto dizer que, de acordo com o disposto no artigo 126.º do CPA, estava o responsável pela direção do procedimento obrigado e enunciar perante o autor do ato os factos sobre os quais assentava o seu relatório, os quais, como se vê, eram falsos, uma vez que nunca se formou qualquer intenção do Presidente de Câmara da ED/Recorrida de determinar a cessação da dita atividade de restauração.

  13. E se a mesma não existiu, como resulta provado, significa que a fundamentação do ato está totalmente viciada por falta de fundamentação.

  14. É que, desta forma, resulta contraditória, ou pelo menos obscura e insuficiente a fundamentação do ato, ao levar em conta um facto decisivo, tal como anteriormente invocado, e que não dado como provado nos autos, 19. Pois, embora a fundamentação pode ser sucinta, a mesma não pode gerar incertezas e perplexidades no modo como se apresenta e é comunicada aos interessados, tomando-a, como é o caso, contraditória, obscura ou insuficiente (cfr. artigo 153º, n.º 2, do CPA conjugado com o disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 114.º do CPA.

  15. Assim, verifica-se que o ato impugnado padece do vício de falta de fundamentação, por violação do disposto no n.º 2 do artigo 153.º do CPA.

    Ainda que assim não fosse, 21. Sempre a sentença em crise padece de nulidade, face ao disposto na alínea c) do artigo 615.º do CPC, uma vez que face à evidência de não ter sido dado como provado a existência da formação uma vez mais repetida intenção do Presidente da Câmara em tomar o referido ato, verifica-se que os fundamentos da decisão sobre o vício de falta de fundamentação colidem com o teor da decisão, ou pelo menos mostram-se ambíguos ou obscuros, 22. De modo a não se entender como se incorpora na fundamentação de ato administrativo factos que não foram dados como provados e que se mostram cruciais na dita fundamentação, mormente na sua articulação com os demais factos e informações que integram o probatório e as normas jurídicas invocadas.

    Por outro lado, 23. Sempre o ato padecerá de um outro erro de julgamento, porquanto parte de um pressuposto de facto errado: a existência de um ato administrativo tomado por um órgão autárquico dotado da devida competência, que simplesmente não existiu, 24. O que, por força do disposto no artigo 163º do CPA, deverá conduzir à respetiva anulabilidade, com o mesmo efeito supra requerido. Acresce que, 25. Os Autores/Recorrentes alegaram igualmente que ED/Recorrida não levou em consideração na formação e decisão do ato que existiam outros sujeitos processuais que deveriam ter sido considerados no procedimento, com todas as incidências garantísticas e legais que desse facto decorrem, e que, por conseguinte, ficaram precludidas.

  16. Com efeito, resulta do probatório que foi a Contrainteressada M. quem procedeu ao licenciamento na dita fração autónoma de um estabelecimento de bebidas, através do processo que, sob o n.º 613/LI/17, correu termos da ED/Recorrida e que esta aprovou, e que deu origem ao Alvará de obras de alteração n.º 098/2008 – Cfr. artigo 7) do probatório –, 27. Sobre o qual a dita ED/Recorrida veio a ser emitido o correspondente Alvará de Utilização n.º 45/2009, em 05.02.2009, no âmbito do Processo n.º 229/UT/08 – Cfr. facto 8) do probatório.

  17. Resultando ainda provado que, em 12.08.2013 na qualidade de proprietária da fração e do estabelecimento de bebidas ali instalado (denominado “Café C.”), foi esta Contrainteressada M. quem preencheu um formulário intitulado “Estabelecimento – Modificação”, tendo nele assinalado a opção modificação de ramo de atividade do estabelecimento Café C. para “Restaurante Tipo Tradicional”, com o CAE 56101 – Cfr. facto 9) do probatório.

  18. E ainda, que posteriormente à anterior data, mais concretamente em 01.11.2013, depois de ter modificado o estabelecimento de bebidas para o de restauração supra identificado, cedeu a sua exploração ao Autor/Recorrente, através de contrato com início de vigência na referida data e que, depois de vigorar durante dois, viu o ser prazo se prorrogado por mais dois anos, tendo, por conseguinte terminado em 31 de outubro de 2017 – Cfr. factos 11) e 39) do probatório.

  19. Por conseguinte, foi a dita M. quem praticou o ato por via do qual modificou a utilização do estabelecimento de bebidas para restauração, quer do ponto de vista formal/administrativo (através do requerimento que integra o facto 9) do probatório), quer do ponto de vista material (pois assumiu a produção desses...

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