Acórdão nº 02415/20.9BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 26 de Maio de 2021
Magistrado Responsável | ANÍBAL FERRAZ |
Data da Resolução | 26 de Maio de 2021 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa; # I.
A……………. e B………….., …, recorrem da sentença, proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) do Porto, em 5 de março de 2021, que julgou improcedente “recurso das decisões de avaliação indireta da matéria coletável de IRS dos anos de 2011, 2012, 2013, 2014, 2015 e 2016, da autoria da Diretora de Finanças Adjunta do Porto, que fixaram como rendimento tributável, a enquadrar na categoria G do IRS, os montantes de € 92 497,02, € 46 669,73, € 36 328,39, € 37 003,30, € 41 507,32 e € 9 703,36, respetivamente”.
Os recorrentes (rtes) apresentaram alegação, finalizada com estas conclusões: « 01. A Sentença de que se recorre aderiu à tese da Oposição na interpretação do substrato fáctico e jurídico em que assenta o Relatório de Inspecção, segundo a qual o que releva para avaliar a legalidade do recurso à disciplina da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT é a globalidade dos movimentos a crédito em contas bancárias co-tituladas pelos recorrentes - incluindo os movimentos que foram considerandos para efeitos de correcções aritméticas (que foram erradamente tidas como justificações parciais).
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Os Recorrentes não se conformam com a conclusão de que existiu uma justificação parcial da fonte dos acréscimos de património; quando a AT enquadra e tributa por métodos directos e à luz de diversas categorias de rendimentos, os valores assim considerados não são, na lógica do artigo 89.º-A da LGT, passíveis de ser “justificados” na medida em que não podem ser considerados como acréscimos patrimoniais.
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Na verdade, se a AT conhece a fonte do rendimento e o submete ao tratamento tributário que tem por adequado (no caso enquadrando-o e liquidando, por métodos directos, em diversas categorias de imputação de rendimento, com especial significado na categoria A) tais valores não podem ser tidos como acréscimos carecidos de justificação.
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A justificação dos acréscimos implica, pela teleologia do instituto das “manifestações de fortuna”, que os mesmos não tenham sido objecto de enquadramento tributário.
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O erro que se imputa à Sentença é, pois, a confusão entre enquadramento de rendimentos tributados por métodos directos e justificação parcial de acréscimos patrimoniais.
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A questão decidenda reside assim em saber se os movimentos a crédito nas contas bancárias tituladas pelos Recorrentes que a AT qualificou e tributou por métodos directos devem entrar no cômputo dos acréscimos patrimoniais para efeitos de aferir da legalidade da aplicação do regime previsto na alínea f) do artigo 87º e no artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária.
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A resposta só pode ser negativa, pois que a qualificação e tributação por métodos directos de tais rendimentos excluí-os da tipificação de “acréscimos patrimoniais não justificados”, não se confundido tais actos tributários com a justificação a que se refere o regime presuntivo em foco nos presentes autos.
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A justificação não equivale a (nem significa) enquadrar rendimentos numa categoria tributável distinta da categoria G, antes corresponde à demonstração de que determinado acréscimo patrimonial não constitui rendimento omitido à tributação por ter como fonte outro meio de fortuna ou rendimento tributado - o que na lógica do RIT não é, manifestamente, o caso.
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A AT “detectou” movimentos bancários a crédito e, findo o procedimento, determinou a existência de valores que não haviam sido sujeitos a IRS que, em seu critério, decidiu enquadrou em diferentes categorias.
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Ora, os rendimentos que a AT subsumiu e tributou nas diferentes categorias de IRS não são acréscimos patrimoniais - pelo que os valores que careceriam de justificação nos termos e para os efeitos da disciplina das manifestações de fortuna e outros acréscimos patrimoniais são apenas aqueles que não foram adstritos, pela própria AT, a outra categoria de rendimentos.
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O artigo 89.º-A e a alínea f) do artigo 87.º da LGT cuidam da tributação de rendimentos omitidos e cuja proveniência seja desconhecida (rendimentos ocultos), pelo que quando a própria AT afirma que determinados rendimentos não declarados têm como fonte o trabalho dependente, juros, rendimentos prediais, etc, os montantes em causa estão, logicamente, fora desta figura legal.
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A tributação das manifestações de fortuna, visa e permite a reintegração tributária de rendimentos que, face ao património ostentado pelo contribuinte, presumivelmente terão sido subtraídos à tributação em IRS e não devam ser enquadrados nas específicas categorias de rendimento através de métodos directos por se desconhecer a respectiva fonte.
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Ora, foi a própria AT quem afirmou conhecer, e assim determinou a fonte, da maior parte dos supostos “acréscimos patrimoniais” que detectou (a totalidade dos créditos nas contas bancárias do “paralelo” e parte dos créditos das contas “particulares”), subsumindo-os - de forma coerente como itinerário que percorreu - a diversas categorias e tributando-os por métodos directos.
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Ou seja, o enquadramento nas diversas categorias de rendimentos e inerentes correcções aritméticas em sede de IRS nos anos de 2011,2012, 2013, 2014, 2015 e 2016 (nos montantes, respectivamente, de € 165 883,90, € 133 751,23, € 152 788,82, € 135 438,46 € 229 310,46 e € 59 612,17) não correspondem a “justificação parcial” dos montantes imputados aos recorrentes, antes verdadeira e própria correcção tributária de rendimentos que a AT entendeu terem sido auferidos em cada um dos anos em mérito.
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Acresce que incumbe à Administração Tributária o dever de demonstração da ocorrência dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável), sendo que no caso dos autos a AT não logrou sustentar os pressupostos inscritos na alínea f) do n.º 1 do artigo 87º da LGT.
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Com efeito, e ao contrário do afirmado na Sentença recorrida não existe coincidência entre o conceito de acréscimo patrimonial não justificado e os “valores depositados nas contas bancárias” quando, destes valores, parte substancial não tem, nos termos do RIT, fonte desconhecida (tanto assim que foi enquadrado em diferentes categoriais e tributado por métodos directos).
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Na verdade, após o enquadramento e correcções aritméticas levadas a cabo pela AT, detecta-se, na totalidade dos seis anos em causa, uma divergência não justificada entre os rendimentos tributados e o acréscimo de património no valor total de € 263.709,12 sendo que em nenhum dos anos em causa (2011 a 2016) existe um acréscimo superior a 100.000 € - pelo que o regime da alínea f) do artigo 87.º e do artigo 89.º-A da LGT não cobra aplicação.
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A favor da procedência do recurso milita um argumento adicional: os rendimentos dos Recorrentes (quer antes, quer após as correcções aritméticas perpetradas) não são, de acordo com os critérios legais, incompatíveis com os valores não justificados.
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Por fim: ressuma da Sentença que o enquadramento em sede das categoria A (rendimentos de trabalho dependente), E (juros), F (rendimentos prediais) e G (mais valia imobiliária) do IRS e correspondente correcção e tributação através de métodos aritméticos que operou relativamente a grande parte das entradas em contas bancárias investigadas nos autos se subsume à lógica da justificação parcial dos acréscimos patrimoniais, e, dessa sorte, que, de acordo com o Acórdão do Pleno do STA de 19/05/2010 (tirado no processo 734/09) não está afastado o recurso ao regime das “manifestações fortuna”.
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Não se ignora a relevância da “justificação parcial” nem se desconhece a jurisprudência invocada. Porém, a mesma não se confunde nem tem conexão com o objecto dos autos.
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Em primeiro lugar porque o referido Acórdão do Pleno do STA debruça-se sobre a justificação parcial da fonte da disponibilidade inerente a uma operação, única e isoladamente considerada que seja, à partida, enquadrada pela AT no regime das manifestações de fortuna - situação bem diversa da que se trata nos presentes autos: o que aqui está em causa é uma multiplicidade de operações (vários movimentos a crédito em conta bancária) cuja soma a AT entende ser acréscimo patrimonial não justificado.
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Em segundo lugar porque, repete-se, não ocorre uma justificação (parcial) dos “acréscimos patrimoniais”; o que a AT fez no procedimento - e é coisa bem diferente de justificar os acréscimos - é enquadrar em diversas categorias de imputação de rendimentos valores que entendeu terem sido omitidos à tributação pelos Recorrentes.
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Ou seja, a AT não se substituiu ao contribuinte para justificar a licitude de incrementos não patrimoniais potencialmente subsumíveis à categoria G, antes enquadrou e tributou por métodos directos movimentos bancários no pressuposto de que os contribuintes não declararam os rendimentos respeitantes a essas categorias.
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A AT, ao entender que os Recorrentes não declararam rendimentos cuja fonte determinou, enquadrando-os em diferentes categorias (com especial incidência na categoria A) diferencia clara e decisivamente o “restante” que imputou à categoria G como acréscimo patrimonial não justificados.
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Sabendo-se que só constituem acréscimos patrimoniais não justificados com relevo para aplicação do regime legal em causa nos autos aqueles que exprimirem um desvio, em cada ano, superior a 100.000 € e verificando-se que in casu, tal assimetria não se verifica, conclui-se que a Sentença andou mal ao decidir nos termos em que decidiu, 26. violando, eventualmente entre outras normas e princípios jurídicos, a alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º e o artigo 89.º-A da Lei...
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