Acórdão nº 2306/20.3BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 20 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelSOFIA DAVID
Data da Resolução20 de Maio de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I - RELATÓRIO E........ intentou a presente acção administrativa no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TACL), impugnando o despacho do Directora Nacional (DN) Adjunto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), de 03/11/2020, que considerou inadmissível o pedido de protecção internacional apresentado pelo ora Recorrente e determinou a sua transferência para Itália. Na decisão recorrida foi julgada improcedente a acção e foi o Ministério da Administração Interna (MAI) absolvido do pedido.

Inconformado com a decisão, o Recorrente apresentou as suas alegações, onde formulou as seguintes conclusões: “I. Não se conforma o aqui Recorrente com a douta Sentença de 8 de Fevereiro de 2020 do Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa, que julgou a acção improcedente decidindo-se pela manutenção do despacho do Sr. Diretor Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.

  1. Em conclusão é referido pelo douto tribunal que não é manifesto que, no caso, não se configura uma situação que leve a crer que se o Recorrente retornar a Itália poderá será sujeito a tratamentos desumanos ou degradantes, decorrentes de eventuais falhas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento, atendendo inclusive à pandemia Covid 19! III. Assim, o Recorrente retornará a Itália apenas para ser executado o seu regresso ao país de origem – regresso que é uma incumbência do Estado Italiano.

  2. E continua o Douto Tribunal, que em suma, no caso em apreço, está excluída a possibilidade de existir um risco real e comprovado de o requerente de proteção, ora Recorrente, poder sofrer tratos desumanos e degradantes, na aceção do art.º 4.º da CDFUE, caso o mesmo seja transferido para Itália. No caso em apreço, não se mostram, pois, violados os invocados princípios da não expulsão, da não repulsão ou os artigos 3.º, n.º 2, do Regulamento de Dublin III, 1.º, 3.º, 18.º,19.º, n.º 2, da CDFUE e 78.º do TFUE.

  3. Sendo neste contexto fáctico que não se compreende a conduta adoptada pelo SEF quando não sopesou a cláusula de salvaguarda incluída no art.3º do Regulamento, concluindo porquanto não se encontrando o Requerente numa situação fragilizada, afigura-se desnecessário que discorresse sobre as condições de acolhimento do país competente, neste caso, a Itália, pois a referida transferência não traz um risco real e comprovado de o Requerente vir a sofrer um tratamento cruel, degradante ou desumano.

  4. Não pode pois o Recorrente concordar com tal conclusão.

  5. Efetivamente, nada consta do respetivo procedimento prosseguido pela Administração donde se possa comprovar que as deficiências existentes e verificadas no passado recente foram já ultrapassadas e que o Estado italiano não enfrenta falhas sistémicas no procedimento de asilo.

  6. Que a Pandemia covid 19 agravou! IX. Note-se que o ora Recorrente relatou dificuldades sentidas em Itália, relacionadas com as condições de acolhimento ou do procedimento de asilo.

  7. E, sendo certo que o Recorrente permaneceu em território italiano cerca de 4 anos, tendo-lhe sido facultado alojamento, comida, assistência médica, acesso à frequência escolar durante a menoridade e ainda a quantia mensal de €75,00, não significa que não fosse sujeito a tratamentos desumanos ou degradantes. Caso contrário, não teria solicitado a saída do campo onde estava precariamente alojado, nem teria necessidade de solicitar ajuda da Cáritas! XI. Nem está dado como que, caso retorne a Itália, poderá não ser sujeito a tratamentos desumanos ou degradantes, decorrentes de eventuais falhas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento.

  8. Ainda em inicio de Agosto de 2020, Itália registou um surto de Covid-19 em centro de migrantes de Treviso no norte do país. Dos 309 indivíduos testados, 244 testaram positivo. Os testes sugerem que no espaço de uma semana registaram-se mais de uma centena de infeções. As condições de acolhimento estão cada mais limitadas, sendo cada vez mais notória a degradação das condições de saúde dos migrantes. (Noticia Euronews 7/8/2020).

  9. Não existiu qualquer averiguação por parte das autoridades nacionais, nesta matéria! Apenas uma suposição de que não irá acontecer algo…Sendo que o douto Tribunal se conformou com essa ideia, conforme está literalmente referido na sentença aqui recorrida.

    Ora, XIV. O artigo 58.º do CPA, aplicável ao procedimento de proteção internacional, por força do disposto no artigo 2.º, n.ºs 1 e 5, do mesmo Código, dispõe – sob a epígrafe “Princípio do inquisitório” – que “O responsável pela direção do procedimento e os outros órgãos que participem na instrução podem, mesmo que o procedimento seja instaurado por iniciativa dos interessados, proceder a quaisquer diligências que se revelem adequadas e necessárias à preparação de uma decisão legal e justa, ainda que respeitantes a matérias não mencionadas nos requerimentos ou nas respostas dos interessados”.

  10. Mas não só o artigo 58.º do CPA, prevê, em geral, o princípio do inquisitório – impondo que o responsável pela direção do procedimento e os outros órgãos que participem na instrução, mesmo que o procedimento seja instaurado por iniciativa dos interessados, procedam a quaisquer diligências que se revelem adequadas e necessárias à preparação de uma decisão legal e justa, ainda que respeitantes a matérias não mencionadas nos requerimentos ou nas respostas dos interessados –, como esse dever de averiguação das condições de acolhimento existe especificamente, nos termos prescritos no artigo 3.º do citado Regulamento de Dublin.

  11. Efetivamente, a cláusula de salvaguarda prevista no artigo 3º nº 2 do Regulamento Dublin III, exige a seguinte verificação: “a) - que existam “motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado-Membro,” e b) – e que tais falhas “impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na aceção do artigo 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia”.

    Ora, existem noticias e relatórios ainda recentes sobre o sistema de asilo Italiano.

  12. Tem vindo a ser amplamente analisado por várias organizações de direitos humanos, que reportam preocupantes opções legislativas e políticas das autoridades de Itália neste domínio, às quais se associa uma forte retórica racista e xenófoba” e “a informação disponibilizada por organizações como o European Council for Refugees and Exiles (ECRE) e os Médicos sem Fronteiras (MSF), entre outras, revelam a existência de falhas sistémicas tanto no que respeita ao procedimento de asilo e garantias processuais, bem como na política de acolhimento dos requerentes de asilo”, entre as principais contando-se a “degradação preocupante das condições de acolhimento de requerentes de asilo e beneficiários de proteção internacional e a existência de obstáculos significativos ao acesso a condições de acolhimento dignas (onde se incluem o acesso a cuidados de saúde, alojamento e medidas de integração)”, a “limitação do escopo da proteção conferida”, os “problemas de acesso efetivo ao procedimento de asilo”, o “alargamento dos períodos legais de detenção de requerentes de proteção internacional e os “riscos de violação do princípio do non-refoulement” .

  13. E face ao acervo de informação que tem vindo a público, veiculada pela comunicação social, nacional e internacional, sobre a situação de grande afluência de refugiados em Itália e sobre as condições de acolhimento e permanência dos requerentes de proteção internacional naquele Estado-Membro,– que são factos que a generalidade das pessoas regularmente informadas têm conhecimento e, nessa medida, factos notórios –, incumbia à Entidade Demandada, previamente à decisão ora recorrida, instruir oficiosamente o procedimento, com informação fidedigna atualizada sobre o atual funcionamento do procedimento de asilo italiano e sobre as condições de acolhimento dos requerentes de proteção internacional naquele país.

  14. Assim sendo, à luz do referido artigo 3.º do Regulamento de Dublin, se existirem motivos válidos para crer que há falhas...

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