Acórdão nº 902/20.8BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 20 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelLINA COSTA
Data da Resolução20 de Maio de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: J.....

, devidamente identificada como requerente nos autos de outros processos cautelares, instaurados contra Instituto de Acção Social das Forças Armadas, I.P. (IASFA), inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida em 22.2.2021 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou improcedente a presente providência cautelar e, em consequência, absolveu a Entidade Requerida do pedido de suspensão de eficácia do acto que determinou a anulação do procedimento concursal dos autos, e consequente cessação do contrato de trabalho em funções públicas da Autora.

Nas respectivas alegações, a Recorrente formulou as conclusões que seguidamente se reproduzem: «A) A sentença recorrida considera não haver “fumus boni iuris” que justifique o decretamento da providência cautelar de suspensão do ato que fez cessar, em 24.11.2020, o contrato de trabalho em funções da recorrente, que tinha sido celebrado em 17.12.2018, na sequência de procedimento concursal; B) Invocou-se para a recorrida cessação, invalidade, nos termos do artigo 53º da LGTFP, em virtude do ato homologatório da lista de classificação final daquele concurso, com data de 13.11.2018, ter sido anulado, em 20.10.2020, por despacho de Secretário do Estado, proferido na sequência de recurso tutelar; C) Aliás, o referido ato anulatório de 20.10.2020 é nulo, pois não podia anular o ato de 13.11.2018 há muito firmado na ordem jurídica, conforme estabelece o artº 168º do CPA; D) Nulidade que pode ser conhecida a todo o tempo em qualquer processo judicial (artigo 162º do CPA); Com efeito, E) o ato homologatório da lista de ordenação final dos candidatos de 13.11.2018 era impugnável por via judicial e não o tendo sido no prazo de 03 meses (artigo 58º do CPTA) firmou-se definitivamente na ordem jurídica e já não podia ser anulado, agora, em outubro de 2020, na sequência de um recurso tutelar facultativo de uma candidata (“…a regra da impugnação administrativa prévia, para efeitos de recurso à via judicial, apenas ocorre no caso de a lei prever expressamente a impugnação administrativa necessária, por via dos recursos hierárquicos necessários…” – cfr. acórdão TCA Norte, de 03/06/2016, processo n.º 021/15.1.); F) O ato cuja suspensão foi recusada pela sentença recorrida, fez cessar o vínculo contratual da recorrente precisamente em consequência daquele ato nulo de 20.10.2020 que, aliás, em parte alguma referia que a recorrente devia cessar funções; G) Ora, a cessação do vínculo laboral da recorrente não se pode inscrever nas consequências legais daquele ato, quer por ser nulo, quer atendendo a que a relação contratual recorrente está constituída há mais de um ano (artigo 172º/3 do CPA), pretendendo esta fazer valer o respetivo direito, como afirmou na providência cautelar e na ação principal já interposta; H) A cessação do vínculo da recorrente traduziu-se no seu despedimento ilícito, por falta de justa causa ou motivo objetivo, o que é vedado pela Constituição da República Portuguesa: artigo 53º; I) Invoca-se, ainda, na sentença que o interesse público prevalece sobre o interesse da recorrente, em nome do princípio da confiança num procedimento concursal; J) Ora, aqui esse princípio não é colocado em causa com a suspensão do ato que fez cessar a relação laboral da recorrente, dado a questão jurídica controversa subjacente e o facto de a recorrente continuar a prestar trabalho e a receber a contrapartida dessa prestação; K) A confiança e a boa-fé pela qual a Administração deve pautar a sua conduta (artigo 10º do CPA e artigo 268º, nº 1 da CRP) ficam quebradas. A atuação da Administração que levou a cabo um concurso de recrutamento, celebrou um contrato de trabalho em funções públicas com a recorrente e passados dois anos faz cessar aquele contrato como se não estivesse perante uma trabalhadora que confiou na Administração e como se fosse aceitável que um recurso tutelar facultativo estivesse dois anos em apreciação e ao fim desse tempo tivesse aptidão para promover um despedimento; L) A sentença recorrida mal interpreta e aplica as normas legais acima referidas.».

Termina requerendo, «Termos em que deve a sentença ser revogada e a presente providência cautelar ser decretada, por se verificarem todos os requisitos para que o seja, tal como se refere no presente recurso e resulta da p.i. que aqui se dá por reproduzida, quanto aos demais requisitos.

No requerimento de interposição de recurso foi pedido fosse atribuído efeito suspensivo ao presente recurso o que se reitera aqui com os mesmos fundamentos: Atendendo aos danos que são determinados para a recorrente pelo efeito devolutivo, pois deixará de trabalhar e de receber a correspondente remuneração que constitui o seu meio de subsistência.

Recorde-se que a decisão cuja suspensão se requereu fez cessar o vínculo de emprego público da recorrente que já durava há quase dois anos.».

O Recorrido contra-alegou, formulando as seguintes conclusões: «I. A Recorrente considera que o Tribunal a quo não andou bem ao considerar que se encontrava preenchido o requisito cumulativo de decretamento da providência cautelar do fumus boni iuris e ao entender o interesse público espelhado no princípio da confiança dos procedimentos concursais não é colocado em causa com a suspensão do ato que fez cessar a relação laboral da recorrente, dado a questão jurídica controversa subjacente e o facto de a recorrente continuar a prestar trabalho e a receber a contrapartida dessa prestação, tendo cometido erro de julgamento ao julgar improcedente a ação, absolvendo o Requerido.

  1. Não lhe assiste razão, desde logo, porque o ato suspendendo não é, na verdade, um ato administrativo suscetível de impugnação, considerando que apenas são impugnáveis atos com efeitos externos lesivos de direitos ou interesses legítimos dos interessados, nomeadamente, a decisão final de um procedimento administrativo, por regular uma situação individual e concreta, declarando o direito aplicável em termos imperativos, ficando, ficam os atos instrumentais [isto é, atos meramente preparatórios (propostas, informações, pareceres, relatórios, por exemplo)], atos complementares (notificações, publicações, avisos, etc.) e operações materiais ou jurídicas de execução de atos administrativos, nos termos conjugados do artigo 48.º do CPA, artigo 51.º, n.º 1 do CPTA; Constituindo apenas uma comunicação que o Recorrido fez à Recorrente de um efeito jurídico que constitui consequência direta de um outro ato: o despacho da Senhora Secretária de Estado de Recursos Humanos e Antigos Combatentes de 20.10.2020; Ainda que se entendesse que se trata de um ato de execução, o certo é que a Recorrente não lhe imputou quaisquer vícios autónomos, pelo que tem forçosamente de se considerar que o ato suspendendo nos presentes autos é inimpugnável, porquanto apenas seria suscetível de impugnação (i) se se fundasse em ilegalidades específicas, próprias do ato de execução, e não já na ilegalidade do ato exequendo ou (ii) se o mesmo contrariasse ou excedesse o conteúdo do ato a que aquele pretende dar execução; entendimento este sufragado pela jurisprudência, razões pelas quais não se encontra preenchido o requisito do fumus boni iuris.

  2. Acresce que, quanto à alegada intempestividade da anulação do homologatório da lista final de ordenação de candidatos, há que considerar o regime da alínea a) do n.º 4 do artigo 168.º do CPA, o qual determina que se o contrato de trabalho em funções públicas fosse válido, um direito do Recorrido à prestação continuada do trabalho da Recorrente e um direito da desta à prestação periódica do salário pelo Recorrido, afigura-se indubitável a falta de mérito deste argumento, sendo a anulação administrativa do Despacho Homologatório foi tempestiva.

  3. Ao contrário do que a Recorrente alega, não existiu qualquer despedimento ilegal, mas a mera decisão de invalidade do ato que era pressuposto essencial da contratação: o Despacho Homologatório e comunicação dos respetivos efeitos sobre o vínculo laboral, resultantes da alínea a) do artigo 52.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (doravante “LGTFP”), nos seguintes termos: “Para além das causas comuns, são causas específicas de invalidade total ou parcial do vínculo de emprego público as seguintes: a) Declaração de nulidade ou anulação da decisão final do procedimento concursal que deu origem à constituição do vínculo.”, entendimento que tem respaldo no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, Processo n.º 08871/12, de 01-06- 2017; Tratando-se, pois, da repetição de um ato inválido (o despacho homologatório da lista final do concurso que deu causa à sua contratação), já sem as ocorrências que ditaram a sua invalidade, não existindo, portanto, qualquer despedimento nulo com fundamento em falta de forma, pelo que padecendo o concurso de vícios que conduziram à sua anulação, nunca poderá ser considerado nulo o ato que conhece desses vícios com exclusivo fundamento no facto de os ter conhecido.

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