Acórdão nº 167/20.1BEFUN de Tribunal Central Administrativo Sul, 20 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelANA CELESTE CARVALHO
Data da Resolução20 de Maio de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO A..........., SA.

, Contrainteressada, devidamente identificada nos autos e A…………, S.A.

, Entidade Demandada, inconformadas, vieram interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, datada de 18/11/2020, que no âmbito da ação de contencioso pré-contratual instaurada por T..........., S.A.

e F…………, S.A.

, contra a A…….., S.A.

e a Contrainteressada, A..........., SA.

, julgou a ação procedente, anulando o ato de adjudicação da proposta apresentada pela Contrainteressada e condenou a Entidade Demandada a praticar todos os atos necessários à reposição da legalidade do procedimento pré-contratual, excluindo a proposta da Contrainteressada e adjudicando a proposta apresentada pelas Autoras.

* Formula a Contrainteressada, aqui Recorrente nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem: “I. A douta sentença recorrida enferma de erro no julgamento da matéria de direito, face aos factos dados como provados, quando decidiu pela anulação do acto de adjudicação da “empreitada de reabilitação do molhe principal do porto do Porto Santo” e pela condenação a entidade adjudicante à exclusão da proposta da contrainteressada A..........., ora recorrente, ao abrigo do disposto no artigo 70 n.º 2 al b) do CCP, com base no fundamento que o Plano de Pagamentos por ela apresentado não cumpre com o disposto nas cláusulas técnicas do caderno de encargos e, por conseguinte, apresenta um termo ou condição que viola aspectos da execução do contrato não submetidos à concorrência, consubstanciando por isso causa de exclusão da proposta.

II. E enferma de erro no julgamento da matéria de direito, desde logo porque, como resulta dos factos provados, o lapso identificado à proposta da recorrente resultou da contradição existente entre peças que compõe o caderno de encargos, a saber, entre o estipulado no ponto 3.1.2 das cláusulas gerais do caderno de encargos (pagamentos segundo periodicidade mensal, determinadas por medições mensais) e o disposto nos pontos 3.2.1 e 3.1.4 das cláusulas técnicas do caderno de encargos (pagamento destes dois artigos em tranches), realidade esta que foi totalmente desconsiderada pelo tribunal, violando os princípios da legalidade, transparência e da igualdade.

III. Além disso a decisão do tribunal recorrido viola o princípio da Proporcionalidade, ao decidir pela anulação do acto de adjudicação, afastando a aplicabilidade do Princípio do aproveitamento do acto administrativo.

IV. Violando ainda o disposto no artigo 72º do CCP, ao entender ainda que tal lacuna não era susceptível de esclarecimentos, suprimentos ou rectificações, o que põe em crise os princípios da concorrência, imparcialidade e legalidade V. De facto, a desconformidade relativa às condições de pagamento apresentadas pela concorrente, ora reclamante, não consubstancia, por diversas razões, causa de exclusão da sua proposta.

VI. Face ao erro ou lapso da concorrente na apresentação da forma de pagamento de dois artigos, o tribunal recorrido considerou irrelevante o facto desta situação ter resultado da divergência entre dois elementos do próprio caderno de encargos (clausulas gerais e cláusulas técnicas), mas esta não é uma realidade irrelevante na apreciação da causa.

VII. O tribunal conclui, a nosso ver ilicitamente, que por não existirem nas peças de procedimento regras diretas de prevalência em caso de divergência entre as condições gerais e as condições técnicas do caderno de encargos, a prevalência destas normas não era determinável.

VIII. Ora, sendo o caderno de encargos a peça do procedimento que contém as cláusulas a incluir no contrato a celebrar - onde se encontram fixados os aspectos da execução do contrato submetidos à concorrência e os aspectos de execução não submetidos à concorrência, está sujeita às normais regras de interpretação de normas, e de integração de lacunas.

IX. Sendo que caderno de encargos de obra publica é composto por uma parte geral, por cláusulas técnicas especiais e por um projecto de execução e que cada uma dessas – CLAUSULAS GERAIS VS CLAUSULAS TÉCNICAS - tem a sua função específica, uma de natureza jurídica e técnica da execução da empreitada, e outra dedicada às especificações técnicas que definem as características exigidas à própria obra (construção civil e instalações técnicas), X. Pelo que os concorrentes procurarão adaptar a suas propostas às condições de constantes do caderno de encargos em cada uma das suas “facetas”, procurando nas clausulas gerais as regras com que se têm de conformar a sua proposta em relação a normas jurídicas e técnicas – como é o caso das condições de pagamento dos trabalhos - , e bebendo das clausulas técnicas apenas as normas referentes ás características dos materiais e elementos de construção a empregar na obra e ao processo ou modo de execução dos trabalhos em si.

XI. Tanto mais que o ponto 1.4.2 das cláusulas gerais clarifica qual “a ratio” das normas que justifica a definição da sua prevalência, “gerais” sobre as jurídicas e “técnicas” sobre as características da obra.

XII. Resulta assim claro que a concorrente, ora recorrente, foi induzida em erro pela divergência resultante das diversas partes do caderno de encargos, facto pelo qual não poderá ser penalizada com pena de exclusão da sua proposta, porquanto não lhe era exigível outro comportamento, atente o normal conteúdo dos documentos em apreço e a sua função na formação do contrato.

XIII. Razão pela qual este lapso nunca poderia servir de fundamento à exclusão da proposta da concorrente ao abrigo do disposto no artigo 70 n.º 2 al b) do CCP, como se fosse adequado, proporcional e até licito excluir um concorrente com base num mero lapso ou divergência originária das próprias peças do procedimento.

XIV. E ainda que assim não fosse, de uma cuidada análise do disposto em 3.1.2 e 3.1.4 das clausulas técnicas, estas são desde logo enquadradas como supletivas, já que referem que a forma de pagamento aí prevista se aplica apenas “caso não haja nada indicado em contrário nos restantes elementos do projecto”, XV. O que, com recuso às regras de interpretação das normas e integração de lacunas, permitiria ao tribunal concluir que a referência a “elementos do projecto” pode aqui ser lida como referência aos restantes elementos do caderno de encargos “não jurídicos”, e não só apenas ao projecto “per si” em sentido restrito.

XVI. Operação interpretativa e aplicativa da lei que salvaguarda os interesses públicos que os princípios da concorrência, da transparência e da igualdade perseguem e resolveria a lacuna que o tribunal recorrido considerou inultrapassável – a de não haver nas peças de procedimento regra direta de prevalência em caso de divergência entre as condições gerais e as condições técnicas do caderno de encargos.

XVII. Assim, desde logo a douta sentença recorrida deveria ter considerando que não releva como causa de exclusão a indicação do mesmo prazo de pagamento mensal para todos os artigos da proposta, quer porque este enquadramento está de acordo com o estabelecido nas cláusulas gerais do caderno de encargos, quer porque as peças de procedimento nos dão as ferramentas para lidar com uma possível divergência.

XVIII. Facto que não é afastado pela previsão de pagamento num só mês do artigo referente às telas finais, porquanto se o trabalho – telas finais – só é realizado no ultimo mês dos trabalhos, então, de acordo com o critério aplicado pela concorrente (o constante das clausulas gerais: ou seja a periodicidade mensal), nunca poderia a sua medição e pagamento ser “dividida” por mais meses que não o último, e não é por isso que deixa de se enquadrar no critério mensal exigido.

XIX. Razões pelas quais a douta sentença recorrida deveria ter considerado que o plano de Pagamentos entregue não apresenta qualquer termo ou condição que viole aspectos de execução não submetidos à concorrência, pelo que a proposta da recorrente jamais poderia ser excluída com este fundamento, errando na interpretação e aplicação do disposto no artigo 70 n.º 2 al b) do CCP.

XX. Sem conceder, e ainda que assim não fosse entendido, a decisão do tribunal recorrido viola o princípio da proporcionalidade, porquanto a aplicação da sanção mais gravosa de exclusão, a qualquer concorrente tem de ser relegada para situações em que não há outra solução e aferida tendo em conta a situação concreta.

XXI. Ora, no caso concreto, devemos ter em linha de conta, por um lado, que a repartição dos referidos encargos de forma mensal proposta pela A........... não representa qualquer agravamento de custos para a entidade adjudicante, encontrando-se dentro dos limites fixados no Caderno de Encargos, XXII. E, por outro lado, que os aludidos encargos, no valor total de € 1.750,00 (PSS e Telas Finais) representam apenas cerca de 0,2% do valor total da proposta e não correspondem sequer a verdadeiros “trabalhos” da empreitada, mas sim actividades conexas, laterais e ulteriores aos trabalhos a realizar ou deles meramente decorrentes XXIII. Esta insignificância, tanto quantitativa como qualitativa é, por si só, significativa de que as situações em apreço não são passíveis de determinar a exclusão da proposta da A..........., porque o elemento em falha não tem qualquer relevância para a execução da empreitada e não inviabiliza a análise comparativa das propostas apresentadas, nem interfere na boa execução do contrato, XXIV. Pelo que não reveste a natureza de elemento essencial determinante da exclusão da proposta, porquanto não prejudica a análise comparativa das propostas (porque não altera o preço, único critério de adjudicação!) e não é susceptível de se repercutir na boa execução do contrato XXV. Degradando-se a formalidade, à partida essencial, em formalidade não essencial, que não origina a invalidade do acto, mas apenas uma irregularidade que permite “salvar” o acto, sendo a decisão...

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