Acórdão nº 1511/20.7BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 20 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelANA CELESTE CARVALHO
Data da Resolução20 de Maio de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO A Marinha Portuguesa e N........ e N........

, devidamente identificados nos autos, inconformados, vieram, cada um por si, interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 12/09/2020, que no âmbito da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias instaurada por N........ e N........ contra a Marinha Portuguesa – Chefe de Estado-Maior da Armada, julgou parcialmente procedente a presente intimação, anulando o ato de homologação do resultado da junta médica de revisão proferido em 12/03/2020, o ato de exclusão do Autor da Escola Naval e o ato de indeferimento do pedido de realização de estágio de embarque, julgou prejudicado o conhecimento do pedido de reconhecimento do direito à realização de estágio de embarque, condenou a Entidade Demandada a emitir novo parecer e respetivo ato homologatório em sede de junta médica de revisão e nova decisão do incidente sobre o pedido de reconhecimento do direito à realização de estágio de embarque sem restrições e julgou improcedente o pedido de reconhecimento do direito à realização do estágio de embarque em terra ou numa unidade naval sem planeamento de navegação atribuído no período de estágio ou noutra unidade da Marinha.

* Formula a Entidade Demandada, aqui Recorrente, nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem: “A. Pela douta sentença recorrida, o Tribunal a quo começou por anular o ato de homologação do resultado da JMRA, por falta de fundamentação.

B. O Requerente alegou, e o Tribunal a quo decidiu, que a decisão da JMRA padece de falta de fundamentação, na medida em que, de acordo com o seu entendimento, essa decisão assenta unicamente em estatísticas e meras probabilidades que podem não ocorrer (pese embora descure que podem, também, verificar-se), não tendo as condições específicas e concretas do seu estado de saúde atual sido consideradas, sendo que, em qualquer dos casos, a sua incapacidade para a prática das tarefas aí descritas não resultaria minimamente justificada.

C. Porém, situações como aquela que se encontra em análise são tendencialmente caracterizadas por uma quantificação de risco probabilístico, na medida em que os médicos não podem garantir o que irá acontecer, mas podem presumir, com adequada margem de certeza, que em determinada situação concreta, e num certo contexto (v.g., atividade militar a bordo de navio), haverá um risco acrescido e uma maior probabilidade de agravamento do seu quadro clínico.

D. Ademais, e por se encontrar aqui em juízo a apreciação do resultado de uma junta médica, decorre da jurisprudência dominante na matéria que a apreciação feita pelas mesmas corresponde a uma atividade inserida no âmbito da chamada discricionariedade técnica, a qual se traduz na aplicação de princípios e critérios de natureza técnica, próprios das ciências médicas.

E. Nesta matéria, a jurisprudência tem entendido, de forma sólida, que só em casos extremos é que o juiz deverá imiscuir-se no exercício da discricionariedade técnica da Administração, anulando os correspondentes atos administrativos com fundamento em "erro manifesto de apreciação" (cfr., de entre outros, os Acórdãos do STA de 16.1.1986, processo n.º 20.919; de 22.3.1990, processo n.º 18.093; de 16.2.2000, processo n.º 38.862; e de 30.1.2002, processo n.º 47.657).

F. E, para que ocorra um erro manifesto, é indispensável que o ato administrativo “assente num juízo de técnica não jurídica tão grosseiramente erróneo que isso se torne evidente para qualquer leigo” (cfr. Acórdão do Colendo STA, de 31.5.2001, processo n.º 47.029).

G. Mas, no caso vertente, não se vislumbra, nem o Requerente logrou prová-lo, que tenha ocorrido um erro grosseiro ou manifesto que pudesse justificar a anulação do deliberado pela JMRA, ao que acresce ter o próprio Tribunal a quo reconhecido, na sentença ora recorrida, não ser possível “(…) aferir da eventual existência de um qualquer erro grosseiro ou manifesto (...)”.

H. Complementarmente, é notório que o ato administrativo judicialmente anulado, por assentar em vários pareceres médicos proferidos pelas juntas médicas da Armada, tem-se igualmente como devidamente fundamentado, porquanto um destinatário normal, face ao itinerário cognoscitivo e valorativo constante do ato em causa, fica em condições de saber o motivo por que se decidiu daquela forma.

I. Pelo exposto, o parecer da JMRA define de forma clara e suficiente a situação médica do Requerente e, partindo dessa situação concreta e do vasto conhecimento e experiência dos médicos que a compõem (incluindo o médico assistente indicado pelo próprio Requerente) sobre as exigências da carreira militar em geral, e das funções militares a bordo de unidades navais em especial, considerou, por unanimidade, e tendo por base pareceres médicos que ajudaram a suportar essa decisão, que a condição do Requerente, em conjugação com aquelas exigências, encerra riscos intoleráveis para a vida, saúde e integridade física da pessoa em causa, mas também, necessariamente, para a instituição – Marinha –, na medida em que uma eventual ocorrência a envolver o Requerente poderá condicionar, e mesmo colocar em risco, a segurança e a integridade de outras pessoas, de bens e equipamentos, e o cumprimento da própria missão da unidade naval em que se encontre a desempenhar funções.

J. Como tais razões constam do ato impugnado, entende-se que o mesmo não padece do alegado vício de falta de fundamentação, de tal modo que habilitou o Requerente a sindicá-lo em juízo sem qualquer dificuldade de interpretação, pelo que a sentença recorrida padece de erro de julgamento, por não ter apreciado corretamente a prova produzida e não ter aplicado adequadamente o direito aos factos.

K. A douta sentença recorrida decidiu ainda pela anulação do ato que excluiu o Requerente da EN, por entender ter havido violação do artigo 200.º, n.º 1, alínea c), do REN, e do artigo 189.º, n.º 1, do CPA, conjugadamente com os artigos 91.º, 92.º, 93.º e 98.º do Decreto Regulamentar n.º 10/2015, de 31 de julho, e artigo 110.º, n.º 1, do EMFAR, bem como pela anulação do ato de indeferimento do pedido de realização de estágio de embarque, por considerar, também aqui, ter existido o vício de falta de fundamentação, L. E condenou a Recorrente a emitir novo parecer e respetivo ato homologatório em sede de JMRA, bem como a proferir uma decisão incidente sobre o pedido do Requerente de reconhecimento do direito à realização de estágio de embarque sem restrições, contendo a fundamentação legalmente exigida.

M. Todavia, face à factualidade dada como provada em juízo e ao direito aplicável, também neste âmbito a Recorrente não se conforma com o entendimento sufragado pelo Tribunal a quo.

N. Por motivos óbvios e já devidamente aclarados, o quadro clínico do Requerente, teve, necessariamente, impacto no seu percurso na EN, concretamente, nas decisões que levaram à sua exclusão daquele estabelecimento de ensino, bem como ao indeferimento do seu pedido de realização do estágio.

O. Deste modo, e numa perspetiva de salvaguarda da sua integridade física face a potenciais problemas que pudessem vir a ocorrer durante o estágio de embarque, o Requerente não realizou o referido estágio, e foi, por conseguinte, notificado, em 10.02.2020, da intenção de exclusão do curso «(…) por não ter realizado estágio de embarque, como aluno do 5º ano do curso “Jorge Álvares” da Escola Naval, considerando as condições de exclusão previstas na alínea c) do n.º 1 do artigo 200º da Portaria n.º 21/2014, de 31 de Janeiro, que publica em anexo o Regulamento da Escola Naval».

P. A alusão à alínea c) do n.º 1 do artigo 200.º do REN, por ser aplicável às situações em que os alunos são excluídos da frequência da EN por falta de aproveitamento escolar, foi por mero lapso de escrita citada pelo comandante da EN, porquanto, os casos de incapacidade, como sucede no presente caso, surgem contemplados na subsequente alínea d) do n.º 1 do mesmo preceito legal.

Q. Todavia, e não obstante o erro na citação da alínea c) do n.º 1 do artigo 200.º do REN, para efeitos de notificação ao Requerente da sua intenção de exclusão da EN, salienta-se que não é esse o ato que se encontra em causa e que foi judicialmente impugnado.

R. O ato impugnado é, relembra-se, pela decisão de exclusão (propriamente dita) do Requerente daquele estabelecimento de ensino.

S. E, na esteira do que antecede, esse ato foi dado a conhecer ao Requerente através de despacho datado de 28.02.2020 do comandante da EN, no qual ficou vertida a decisão de o excluir da EN, sendo então esse o ato que foi impugnado em tribunal, T. Ato no qual ficou estabelecido que o motivo subjacente à tomada dessa decisão ficou a dever-se ao facto de o órgão competente para avaliar a condição física do Requerente, entenda-se, a JSN, se ter pronunciado “(…) pela incapacidade do ASP L....... para embarcar, atendendo às suas condições físicas e psíquicas, o que consequentemente impossibilitou a realização do respetivo estágio de embarque, condição necessária para concluir o mestrado integrado em ciências militares navais, especialidade em engenharia naval, ramo mecânica” (sublinhado nosso).

U. Como tal, carece de se trazer à colação que o real motivo pelo qual o Requerente não realizou o estágio de embarque foi por inaptidão física e não por falta de aproveitamento escolar, conforme atempadamente se corrigiu e deu a conhecer ao interessado por via do despacho que ditou a sua exclusão do referido estabelecimento de ensino, tendo a decisão do comandante da EN sido suportada em pareceres médicos que foram, a posteriori, reiterados, e confirmados, pela JMRA.

V. Assim sendo, o processo de exclusão do Requerente do curso da EN e o seu consequente abate ao corpo de alunos assentaram, efetivamente, no pressuposto da sua incapacidade física para a vida militar, declarada...

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