Acórdão nº 00691/20.6BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 13 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelCarlos de Castro Fernandes
Data da Resolução13 de Maio de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:*I – O Ministério das Finanças através da Sra. Diretora da Autoridade Tributária e Aduaneira (Recorrente), veio interpor recurso contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, pela qual se concedeu provimento aos recursos interpostos por J., C., E.

e J.

(Recorridos), todos melhor identificados nos autos, contra as decisões de autorização de derrogação do sigilo bancário, proferidas pela Sra. Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

A Recorrente, no presente recurso, formula as seguintes conclusões: A.

A sentença enferma de nulidade por oposição dos fundamentos com a decisão (alínea c) do nº 1 do art. 615º do CPC), incorrendo ainda em erro de julgamento, por errónea interpretação e aplicação dos factos e do direito.

B.

A matéria de facto levada ao probatório impunha que decisão diversa tivesse sido tomada pelo tribunal a quo.

C.

Da matéria de facto dada como provada – todos os factos provados, em especial os factos provados J), S) T), TT) e UU) –, resulta, ao invés do julgado na sentença de que se recorre, D.

A existência de indícios da diminuição das receitas tributárias, bem como da prática do crime de fraude fiscal qualificada foi alegado e demonstrado.

E.

Tais factos, subsumidos ao direito, impunham decisão diversa da proferida, assim como o impunha a prova produzida pela AT.

F.

Em 1.º § da pág. 22 da sentença julga-se, “E nem se diga que a instauração do inquérito nº 374/18.7IDBRG constitui demonstração suficiente da existência de indícios da prática do crime de fraude fiscal qualificada, pois dos elementos juntos aos autos não resulta quais os concretos factos que estiveram na origem da instauração de tal inquérito, já que o auto de notícia apenas refere, de forma conclusiva, que as sociedades visadas terão deduzido indevidamente IVA, sem tão-pouco concretizar quais as facturas em causa.” – é assunção não tem em conta e contradiz os factos provados.

G.

Confira-se, o facto provado J) - encontram-se discriminados, detalhadamente, todos os indícios que levaram à instauração do inquérito e que motivaram o pedido de derrogação do sigilo bancário – o facto provado TT), o facto provado UU).

H.

É manifesto que, a conclusão que fundamentou o sentido da decisão proferida em primeira instância “dos elementos juntos aos autos não resulta quais os concretos factos que estiveram na origem da instauração de tal inquérito, já que o auto de notícia apenas refere, de forma conclusiva, que as sociedades visadas terão deduzido indevidamente IVA, sem tão-pouco concretizar quais as facturas em causa.” – sublinhado nosso – opõe-se frontalmente aos fundamentos de facto supra citados.

I.

As informações juntas ao auto de notícia e ao processo de inquérito – fls. 2-11 do PA – explicita “de forma conclusiva, que as sociedades visadas terão deduzido indevidamente IVA” e, concretizam quais as facturas em causa.”, J.

Precisamente as referidas no facto J (pontos 5.1 e 5.2, vide ainda 6.1. e 6.2 da informação transcrita no mesmo facto): “5.1. A B. (...) fatura n.º FA 1/449”; e “5.2. A A. (...) fatura n.º 1/65”.

K.

E, bem assim nos factos S e T.

L.

Os fundamentos de facto julgado provados conduzem logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto.

M.

Sem conceder, sempre se dirá que, o princípio da livre apreciação da prova não pode ser levado ao extremo. A livre apreciação da prova não permite uma apreciação arbitrária ou apreciação de prova tendencialmente a favor de uma das partes.

N.

A sentença enferma, pois, da nulidade prevista na alínea c) do nº 1 do art. 615º do CPC, bem como de, O.

Erro de julgamento, violação de lei por errónea interpretação dos factos e do direito P.

Lê-se na sentença, entre outras referências a esta questão, v.g., que “no âmbito do IVA, as condutas descritas são insuscetíveis de provocar tal diminuição das receitas tributárias” (cf. último § da pág. 20 da sentença).

Q.

Porém como alegado à saciedade, o esquema fraudulento em que incorreram a A. e a B. provocou, tendo por base os factos descritos e dados como provados, IVA indevidamente deduzido (faturas falsas), no caso da B., no valor de € 28.520,00, e da A., no valor de € 142.600,00 EUR (34.500 + 108.100) [vide facto provado J)].

R.

Desde já se invocando que a infração consuma-se mesmo que nenhum dano/enriquecimento indevido venha a ter lugar, – como se colhe do decidido no Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 12/09/2012, Processo n.º 379/07.3TAILH.C1 e, mais recentemente, do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 05/02/2020, Processo n.º 1047/08.4TAVFR-F.P1; S.

Sendo que, in casu, a conduta em causa teve as suas repercussões, no IVA indevidamente liquidado; e, por contraponto, no IVA indevidamente deduzido T.

Ademais, não pode ser aceite a interpretação extraída do afirmado no 4.º § da pág. 22 da sentença, no segmento “todos os fluxos financeiros subjacentes às operações tidas como fictícias estão devidamente documentados e não existem quaisquer indícios nos autos de que tenha sido retirado dinheiro das sociedades de forma não documentada”, U.

É consabido que, neste tipo de casos, não está em causa a formalidade dos documentos apresentados, já que é, em regra, os agentes acautelaram a situação, por via de uma aparência de legalidade. Pela própria natureza das operações (no âmbito da faturação falsa), os intervenientes tentam que a aparência documental seja o mais aproximada possível da que existe nas operações reais, razão pela qual, no “universo das faturas falsas”, não faltam os respetivos “contratos”, nem as faturas preenchidas com todos ou quase todos os elementos que a lei.

V.

O circuito, venda de A. a B., seguida de uma venda de B. a W., seguida, por sua vez, de uma venda de W. a A., configura um circuito forjado com o intuito de sobrevalorizar ativos e sua utilização na obtenção fraudulenta de subsídios provenientes da União Europeia. Esse circuito está sustentado na emissão e utilização de faturas falsas.

W.

De igual modo, A venda de B. a A.; Seguida de uma venda de A. a A., Configura também um circuito forjado com o intuito de sobrevalorizar ativos e sua utilização na obtenção fraudulenta de subsídios provenientes da União Europeia. Também este circuito está arrimado em emissão e utilização de faturas falsas.

X.

A emissão de faturas falsas implica a entrega obrigatória do imposto, conforme alínea c) do n.º 1 do art. 2.º, conjugado com o n.º 2 do art. 27.º, ambos, do CIVA; Impede a dedução do imposto, conforme norma imperativa ínsita no n.º 3 do art. 19.º do CIVA.

Y.

A condição inultrapassável no espírito do juiz a quo para a verificação do ilícito criminal que é o da conduta ser suscetível de causar diminuição da receita tributária mostra-se verificada.

Z.

Havendo indícios fortes de crime fiscal, como há, e resulta do que foi levado ao probatório, e supra enunciado, há que, por força da alínea a) do n.º 1 do art. 63.º B da LGT, aceder às contas bancárias, e conjugando esta norma com o n.º 2 do mesmo artigo, às contas bancárias dos sócios e gerentes em causa.

AA.

O cumprimento dos princípios que norteiam a atividade da inspeção tributária, mormente o princípio da verdade material que impõe a adoção das medidas adequadas à descoberta pretendida (art. 6.º do RCPITA), em conjugação com o princípio do inquisitório previsto no art. 58.º da LGT impõem aos serviços inspectivos que actuem em conformidade.

BB.

É esta a possibilidade que a Lei confere à IT [porque há crime, como acima ficou demonstrado cabalmente – alínea a) do n.º 1 do art. 63.º-B da LGT]. É esta a obrigação da IT [(como forma de fechar o circuito e fazer todas as diligências adequadas à descoberta da verdade material) – princípio da verdade material (art. 6.º do RCPITA) e princípio do inquisitório (art. 58.º da LGT)].

CC.

Sem conceder, sempre se dirá que, permanecendo dúvidas no espírito do Meritíssimo Juiz a quo sempre deveria, ao abrigo do princípio do inquisitório, ordenar a junção aos autos da informação e documentação anexa que instruiu a participação criminal e que deu origem à instauração do inquérito criminal n.º 374/18.7IDBRG, sob pena de défice instrutório.

DD.

O princípio do inquisitório ou da verdade material implica que, embora o impulso processual pertença às partes, cumpre ao juiz providenciar pelo andamento regular e célere do processo, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação e recusando o que for impertinente ou meramente dilatório.

EE.

E implica ainda que o juiz, por sua iniciativa ou a requerimento de qualquer das partes, pode “requisitar informações, pareceres técnicos, plantas, fotografias, desenhos, objetos ou outros documentos necessários ao esclarecimento da verdade” (n.º 1 do art. 436.º do CPC).

FF.

Ademais, no âmbito do processo tributário, o princípio do inquisitório tem um alcance ainda mais vasto: significa que o Tribunal pode – e deve – praticar os atos processuais que entenda necessários e convenientes ao apuramento da verdade material.

GG.

Isto faz com que, por iniciativa do juiz, possam ser trazidos ao processo novos elementos de prova, a todo o tempo, falando-se em princípio da investigação ou da oficiosidade ou da descoberta da verdade material, como ónus do próprio tribunal.

HH.

Evidenciados os indícios da prática de crime fiscal, mostra-se proporcional e adequada a medida despachada de acesso às contas bancárias.

Termina a Recorrente pedindo que seja julgado procedente o presente Recurso Jurisdicional, revogada a decisão recorrida, substituindo-a por outra que acorde manter na ordem jurídica a decisão de derrogação de sigilo bancário.

Os Recorridos apresentaram contra-alegações, nestas concluindo que: I.

A Recorrente apresenta 35 conclusões (alguma repetitivas), sem adoção de uma forma sintética e sem esclarecer quais as normas violadas ou que, no seu...

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